Com Milton, protesto a críticos vira poesia 

 

Edson Silva

 

Acho importante, sempre que possível, diversificar assuntos e trazer à tona com os respeitáveis leitores algumas impressões. Dia desses, matei saudades do Show Tambores de Minas, do Milton Nascimento, gravado em 98, e me ative ao comentário que o brilhante cantor e compositor faz antes do show. As palavras são contundentes, pois em geral Milton responde a especulações feitas, sem conhecimento técnico e eu diria mais, que de maneira irresponsável, sobre seu estado de saúde. Mas, vindo de Milton, até protesto sério é feito com muita arte, talhado de palavras com gosto de vidro e corte, uma verdadeira poesia. Peço licença ao poeta para dividir as palavras dele com vocês. Quanto ao show nem preciso dizer que é ótimo e vale a pena ser conferido sempre, mesmo após 13 anos.   

 

“Valei-me profetas! Minas Gerais!/ Terá existido em outra parte, além do meu arbitrário pensamento? / Será tudo que está ligado à consciência, tocando de leve no real sem penetrá-lo está destinado ao fracasso e ao esquecimento? / Será que este meu retorno à Minas não é apenas uma reconciliação com o intolerável? / Eu quis colocar minha voz a serviço de Deus, isto é, a serviço do homem. / Eu tinha um projeto./ Nascido do sangue, asfixiei-me no sangue./ As terras fartas de Três Pontas conservam meu rastro./ Que restará na memória de meus amados, nos quais co-habitam minha alma de criança e o caos dramático que me meti, dessa mistura de esquinas e perturbações poéticas?...

 

... Fizeram de mim a voz de Minas, o cidadão do mundo./ Depois... um atestado de óbito./ Que restará na memória do meu povo?/ A violência dos termos, traição dos fiéis, imprevidência dos sábios e minha própria cegueira de adivinho?/ Não. Restará a vitória, o meu salto mortal para dentro de uma nova vida./ Deixo nas mãos das pessoas honestas e na ferocidade dos críticos minha própria cronologia e a geografia exata do meu coração um lugar vivo de todos os contrários./ Este show é um inventário, baseado no meu imaginário pessoal, que transforma minha obra numa declarada reconciliação com a vida perturbadora e desigual./

 

Não tenho intenção cultural, estética ou didática./ Ele foi concebido para meu benefício próprio, com intenção de louvar a Deus e neste ato, agradecer aos meus amigos e a vocês, que sei, não deixaram que eu, prematuramente, me transformasse num pasto para os vermes.”/ Milton Nascimento.

 

Não sei, tudo isso me trouxe um pouco de comparação com este período de aproximação da Semana Santa, sei lá ! Mas, logo depois do desabafo do poeta, inicia o show e traz nada mais nada menos do que a voz da inesquecível Elis Regina, cantando O Que Foi Feito Deverá, com a pergunta: “O que foi amigo de tudo que a gente sonhou? O que foi feito da vida, o que foi feito do amor ? ...” É só deixar rolar a emoção e se deliciar com mais um lindo trabalho de brilhantes talentos de nossa Música Popular Brasileira(MPB), que tenho como um dos mais ricos filões da arte mundial.   

 

 

Edson Silva, 48 anos, jornalista da Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Sumaré

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