SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 2

1. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 4
1.1- Dignidade da pessoa humana e o direito ao reconhecimento da origem genética do filho. 6
1.2- Direito à intimidade e preservação da integridade corporal. 10
2. ANÁLISE DO JULGAMENTO PROFERIDO PELO STF NO HABEAS CORPUS Nº 71373-4 14

2.1 ? Argumentos dos votos vencidos no caso sob análise. 19
2.1 ? Argumentos dos votos vencedores no caso sob análise. 20
3. DECISÕES ATUAIS DO STJ SOBRE O EXAME DE DNA COMO FERRAMENTA DO PROCESSO JUDICIAL. 22

CONCLUSÃO 24

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 26





INTRODUÇÃO


A família sempre teve um grande valor social ao longo da história. Em tempos modernos, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 reconhece a família como o sustentáculo da sociedade, conferindo-lhe proteção especial pelo Estado.
No que concerne ao estado de filiação, entendendo este instituto como o vínculo existente entre pais e filhos, nota-se que a norma constitucional criou mecanismos que impedem a discriminação entre a prole oriunda ou não de uma relação matrimonial, (art. 227,§6º da CF/88) por este motivo todos os que são provenientes de um mesmo pai ou de uma mesma mãe não poderão ter tratamento diferenciado.
O ponto de reflexão deste estudo é trazer à baila a importância do exame genético de DNA na busca da definição e atribuição da paternidade de determinada pessoa.
A Lei 8.560/92, norma que regula as ações de investigação de paternidade de filhos havidos fora do casamento, recebeu alteração da lei 12.004/2009 atribuindo presunção juris tantum, para declarar a paternidade aos pais que nestas ações se negarem à submissão ao exame de DNA.
A verdade que se persegue nas ações civis, em regra, é a formal. O que se questiona, nos casos envolvendo o estado de filiação, é se essa verdade não seria rasa e superficial. Isto por que se atribuir à filiação por presunção apenas pela negativa do pai em realizar uma perícia técnica, como explicito no Código Civil vigente, de certa forma, daria margem a atribuir a uma pessoa um estado familiar que não seria o verdadeiro. Nesses casos o filho teria ferida a sua dignidade, pois poderia ser declarado filho de quem não é efetivamente.
De outro lado, exigir forçosamente que alguém proceda a uma prova que volte contra si no processo, obrigando-se, por exemplo, o pai de maneira coercitiva a realizar um exame de DNA, sob pena de prisão, de certa maneira colocaria em questão a afronta do direito fundamental à privacidade e a integridade física.
Ademais, a legislação infraconstitucional, prevê que ninguém está obrigado a depor sobre fato a que não possa responder sem desonra própria (art. 229 do CC/2002), e dessa forma, a obrigatoriedade e coerção na realização de perícia técnica pode ser questionada como fonte de agressão a direitos fundamentais.
Tais discussões são colocadas a baila perante os nossos Tribunais Superiores, sendo que no presente estudo busca-se analisar os enfoques de nossos julgadores sobre o tema exposto.









1. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.


Os direitos fundamentais resultam de um movimento de constitucionalização que teve início do século XVIII, tendo sido incorporados ao patrimônio comum da humanidade e reconhecidos internacionalmente pela Declaração dos Direitos Humanos de 1948 .
Tais direitos são indispensáveis para que se mantenha hígida a estrutura de um Estado Democrático, por se traduzirem em normas fundantes que concedem o sustentáculo para estruturar o regime de soberania popular.
Robert Alexy em sua obra revela que o desrespeito aos direitos fundamentais e humanos acarretará a afronta a própria democracia. Diz que " o verdadeiro significado e importância desse argumento está em que se dirige , precipuamente, aos direitos fundamentais e humanos como realizadores dos procedimentos e instituições da democracia e faz com que reste patente a idéia de que esse discurso só pode realizar-se num Estado Constitucional Democrático, no qual os direitos fundamentais e de democracia, apesar de todas as tensões, entram em uma inseparável associação."
A atual Constituição da República elenca um vasto rol de direitos e garantias fundamentais em seu art. 5º. Porém, resta evidente que tais direitos não estão restritos apenas ao rol do artigo em referência, podendo ser encontrados ao longo do texto constitucional, de forma expressa ou em decorrência dos princípios adotados por nossa Lei Maior, bem como podem decorrer dos tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Analisando as características dos direitos fundamentais, José Afonso da Silva aponta a inalienabilidade e a imprescritibilidade como suas peculiaridades. Referindo-se ao fato de tais direitos não serem passíveis de alienação, diz que como são conferidos a todos, revelam-se indisponíveis, por não se vislumbrar em tais direitos, conteúdo econômico patrimonial. Já com relação ao fato de serem imprescritíveis assim afirma:
(...) prescrição é instituto jurídico que somente atinge, coarctando, a exigibilidade dos direitos de caráter patrimonial, não a exigibilidade de direitos personalíssimos, ainda que não individualistas, como é o caso. Se são sempre exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição.
Canotilho traz a concepção de direitos fundamentais como sendo "(...) direitos do particular perante o Estado, essencialmente direito de autonomia e direitos de defesa". São caracterizados como individuais, porque pertencem exclusivamente à pessoa, e o Estado como titular de direitos, tem o dever de proteger o cidadão, e velar pelo seu cumprimento.
A abrangência de tais direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988 estende-se a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, pelo previsto no caput do art. 5º da Lei Maior. A aplicação destes direitos é imediata, por força do previsto no parágrafo 1º do referido artigo, tratando-se de regra que deve ser observada.
Para o presente estudo, os direitos fundamentais que merecerão destaque são o da dignidade da pessoa humana e do reconhecimento da origem genérica do filho, que no caso sob exame confrontarão com o direito à intimidade ou preservação da integridade corporal do pai, direitos esses que passam a ser analisados com maior atenção nas considerações que se seguem.

1.1- Dignidade da pessoa humana e o direito ao reconhecimento da origem genética do filho.


Tema de grande debate sobre a aplicação e conceito é o que gira em torno da dignidade da pessoa humana.
Nosso atual ordenamento Constitucional positivou a dignidade da pessoa humana, quando no art. 1º trouxe a seguinte redação:
" Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político"
Os seres humanos nascem livres e iguais. Dada a capacidade de raciocínio e consciência, para que se mantenham equiparados em dignidade e direitos, devem agir com fraternidade e respeito.
Tarefa difícil é conceituar a dignidade da pessoa humana. Muitos são os que tentam fechar uma opinião do que seria esse princípio, não pairando dúvidas de que a aplicação desse instituto é o que diferenciaria o ser humano dos outros seres vivos.
Por se tratar de um termo de análise ampla, muito mais adequada a busca por balizar as atitudes que de fato lhe garantirão a efetiva aplicação e respeito, vez que conceituar tal preceito fundamental poderia restringir seu campo de atuação.
Segundo Maria Celina Bodin de Moraes , "... será desumano, isto é, contrário à dignidade da pessoa humana, tudo aquilo que puder reduzir a pessoa (o sujeito de direitos) à condição de objeto".
A grande maioria dos autores que buscam conceituar a dignidade da pessoa humana partem do conceito negativo, ao revelar o que agride tal concepção.
Ingo Wolfgang Sarlet ao estudar a dignidade da pessoa humana fixa seu entendimento nos seguintes termos:
"Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos."
Por ter contornos polissêmicos e abertos, a dignidade da pessoa humana permeia todos os campos do direito contemporâneo, e por tal motivo ganha destaque nas discussões em que se coloca em xeque a garantia dos direitos fundamentais.
No que concerne a presente discussão, o reconhecimento da origem genética de uma pessoa visa garantir-lhe o direito a possuir declarada a sua linhagem, sendo que o exame genético do DNA é uma importante ferramenta que se traduz no mundo jurídico como fonte de descoberta da origem familiar de um indivíduo.
Com os atuais avanços tecnológicos colocados à disposição da sociedade moderna, as provas trazidas aos autos que visam revelar a carga genética de uma pessoa a fim de declará-la como filha de determinado indivíduo, se revelam um instrumento garantidor da dignidade daquele que busca o reconhecimento de paternidade.
O direito à filiação é um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, sendo especialmente tutelado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente no seu art.27. Está relacionado ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, pois está ligado às bases da espécie humana, configurando-se um direito fundamental.
O art. 227 da Constituição estabelece que, como forma de garantir a dignidade da pessoa humana, a paternidade deve ser exercida de maneira responsável, com empenho da satisfação dos direitos e interesses de crianças e adolescentes, advindas tais responsabilidades, do poder familiar.

Débora Gozzo , ao tratar do tema estabelece que:
O direito à identidade genética tem a ver com o direito fundamental de toda e qualquer pessoa de saber suas origens, como visto até aqui. Ele encontra amparo no art. 1º, III da Constituição, que institui como um dos pilares do Estado brasileiro o princípio da dignidade da pessoa humana. Isto por que, a partir do momento em que se garante a alguém o acesso aos dados sobre sua origem genética, ele é capaz de se perceber na sua inteireza como ser humano, tendo possibilidade de desenvolver livremente sua personalidade.
Desse modo, ter reconhecida a filiação é direito fundamental da criança e do adolescente e de todo o cidadão, sendo que o meio processual que garante a efetividade desse direito é a ação investigatória de paternidade, prevista em nosso ordenamento jurídico desde o Código Civil de 1916.
A lei 8.560/92, alterada pela lei 12.004/2009, prevê que haverá presunção de paternidade para o pai que se negar a realizar o exame de DNA, sendo essa presunção relativa .
Dessa forma, verifica-se que se o pai se recusa a submeter-se ao exame genético, analisado o contexto probatório, poderá o juiz declará-lo como pai sem que se verifique por prova pericial se a carga genética do filho é compatível com a daquele que vem sendo demandado na ação de investigação de paternidade.
Nessa esteira, para que se observe o direito do filho em ver reconhecido geneticamente sua paternidade, vale-se da presunção e de provas outras que não o exame pericial. Não só a presunção é levada em conta, mas a produção de provas outras que não o exame pericial.
Tais mecanismos legais, de certa forma, tentam preservar a dignidade daquele que busca ter declarado seu estado de filiação criando saídas para que o magistrado possa prolatar uma decisão.

1.2- Direito à intimidade e preservação da integridade corporal.


O direito fundamental à intimidade vem esculpido no inciso X do art. 5º da Constituição Brasileira de 1988 , que diz: " X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".
Adriano de Cupis , afirma que:
"existem certos direitos sem os quais à personalidade restaria uma susceptibilidade completamente irrealizada, privada de todo o valor concreto: direitos sem os quais todos os outros direitos subjetivos perderiam todo o interesse para o indivíduo - o que equivale a dizer que, se eles não existissem, a pessoa não existiria como tal. São esses os chamados direitos essenciais, com os quais se identificam precisamente os direitos da personalidade".
Ao proceder à análise da classificação dos direitos fundamentais da personalidade pronuncia-se Carlos Alberto Bittar :
"Os bens jurídicos que ingressam como objetos no cenário dos direitos da personalidade são, pois, de várias ordens, divididos em: a) físicos, como: a vida, o corpo (próprio e alheio); as partes do corpo; o físico; a efígie (ou imagem); a voz; o cadáver; a locomoção; b) psíquicos, como: as liberdades (de expressão; de culto ou de credo); a higidez psíquica; a intimidade; os segredos (pessoais e profissionais); e c) morais, como: o nome (e outros elementos de identificação); a reputação (ou boa fama); a dignidade pessoal; o direito moral de autor (ou de inventor); o sepulcro; as lembranças de família e outros".
O direito à intimidade e à não violação do corpo são argumentos fortíssimos dos quais pode se valer o pai que se nega a entregar material de análise para realização do exame de DNA.
A esfera íntima de uma pessoa compreenderá todos os acontecimentos que esta compartilha com um restrito número de indivíduos, não sendo conhecidos por uma coletividade. Revela-se como um direito fundamental do ser humano de ver preservado sua individualidade. A intimidade é um escudo que protege o cidadão da exposição para a sociedade massificada e sem dúvidas é considerado um direito da personalidade.
Tratando desse tema José Afonso da Silva , pondera :
"A esfera de inviolabilidade, assim é ampla, abrange o modo de vida doméstico, nas relações familiares e afetivas em geral, fatos, hábitos, local, nome, imagem, pensamentos, segredos, e, bem assim, as origens e planos futuros do indivíduo".
O direito à intimidade sofre limitações. E cabe ao operador do direito, quando instado a falar sobre a agressão a tal direito fundamental, fixar seus limites para que a decisão venha aflorar no mundo jurídico como equânime e ponderada.
Colocando o direito fundamental à intimidade no contexto da reflexão proposta, se porventura o Pode Judiciário determinar obrigatoriamente a um suposto pai que realize exame de DNA, sob pena de ser conduzido coercitivamente havendo negativa, seria, de certa forma invadir sua intimidade, expondo os relacionamentos íntimos que ele tenha travado ao longo de sua vida, a ponto de resultar no nascimento de um filho até então não reconhecido.
Analisando-se o contexto da preservação da integridade física da pessoa, pode-se afirmar que esta é compreendida como bem jurídico a ser protegido pelas leis e pelo Estado.
No âmbito Constitucional, o dispositivo da Lei Maior que de certa forma expressa, mas não tão claramente a proteção da integridade corporal como direito fundamental, é o caput do art. 5 º que determinada como direito fundamental a vida.
É certo, porém, que o §2º do art. 5º da Constituição, reza : "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte"
O inciso XLIX da Constituição Federal de 1988 faz menção a proteção da integridade física dos presos, prescrevendo que "é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral". Nota-se que esse dispositivo positiva o direito em comento voltando-se para àqueles que se encontram em situação de cárcere em decorrência de cometimento de crime.
O Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica, que estabelece no seu art. 5º o direito à integridade pessoal, onde toda pessoa tem direito a ver respeitada a sua integridade física, psíquica e moral .
Deste modo, o art. 5.º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, complementando a Constituição, por força do art. 5.º, § 2.º,já citado, assegura de modo explícito a irrestrita e efetiva proteção/garantia da integridade corporal.
O conceito de proteção à integridade física, de maneira singela, pode ser formulado como a norma que pretende resguardar o corpo do indivíduo. Porém tendo em vista a complexidade da psique do ser humano, tal forma de conceituar essa proteção não seria suficiente. Assim, poderá haver afronta ao direito fundamental da integridade corporal do ser humano, quando a este forem intentadas ações que não sejam colidentes ao seu corpo tão somente, mas que afetem toda a estrutura complexa que forma o bem-estar físico, moral e psicológico da pessoa humana.
Quando, eventualmente, determinar de maneira forçosa a realização de um exame de DNA na intenção de atribuir a paternidade a determinando cidadão, o Poder Judiciário poderá atingir a integridade física do indivíduo, não só na sua esfera corporal, vez que será necessário à colheita contra vontade de material genético, mas também a integridade psíquica, causando traumas no individuo que se submeterá a prática de uma atitude contra sua vontade.
Ponderado os dois lados dessa intensa colisão de direitos fundamentais, analisar-se-á a seguir o caso exposto ao STF onde se vislumbrou a discussão que ora se traz à baila.

2. ANÁLISE DO JULGAMENTO PROFERIDO PELO STF NO HABEAS CORPUS Nº 71373-4


O tema ora em exame nasceu da análise da discussão travada no STF, no julgamento do Habeas Corpus nº 71373-4, onde os magistrados de primeiro e segundo graus do Estado do Rio Grande do Sul optaram por determinar a produção da prova pericial em ação de investigação de paternidade (Exame de DNA) de maneira coercitiva, sendo que tal conflito chegou a ser analisado pelos Ministros da Suprema Corte.
Nota-se, pela exposição anteriormente traçada, que o tema comporta inúmeras discussões, tendo em vista que ao se deparar com a recusa do pai em realizar o exame de DNA em ações de investigação de paternidade, este está amparado em direitos fundamentais, quais sejam, a intimidade e a preservação da integridade corporal. Ademais, ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Se assim for considerado, este direito conflitará com outros direitos fundamentais, a saber, a dignidade do filho e o seu direito de ver reconhecido verdadeiramente sua herança genética, portanto, sua identidade. Nessa esteira questiona-se qual dos direitos deverá prevalecer.
Será direito do filho ver seu suposto pai forçosamente conduzido a um laboratório para realizar o exame? Ou será que o filho deve-se contentar com a presunção legal da paternidade daquele que se recusou a fazer a perícia?
A questão que se pretende debater no presente momento é se caberá ao direito buscar a verdade real ou estabelecer uma verdade ficta sobre o tema.
Insta registrar, primeiramente, que o Supremo Tribunal Federal ao se encontrar diante de uma colisão de direitos fundamentais, costumeiramente procederá à solução de conflito sopesando todos valores envolvidos no caso concreto.
Nessa hipótese, os membros do STF, valendo-se da clausula do due process of law, no seu sentido substancial, adotam em seu julgamento, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Segundo o Nelson Nery jr. genericamente:
" o principio do due process of law se caracteriza pelo trinômio vida, liberdade e propriedade, vale dizer, tem-se o direito de tutela aqueles bens da vida em seu sentido mais amplo e genérico. Tudo que disser respeito à vida, liberdade e propriedade esta sob a proteção da due process clause".
No seu sentido material Luis Roberto Barroso afirma que "é por seu intermédio que se procede ao exame da razoabilidade e da racionalidade das normas jurídicas e do poder publico em geral".
E tal principio também é interpretado como extraído do artigo 3º, inciso I da CF/88 , onde a interpretação da palavra "justa" objetiva que as normas e atos do poder público tenham um conteúdo razoável e proporcional.
Conclui-se, portanto que o devido processo legal substantivo atua com o crivo para o controle da razoabilidade das leis, enquanto sob a ótica procedimental cuida do aspecto processual e instrumental de aplicação das leis.
Podemos entender por proporcionalidade as ações que visam a proteção dos direitos do homem e os interesses da comunidade. Já a razoabilidade consiste na congruência lógica entre as situações concretas e as decisões administrativas ou judiciais. Em outras palavras, a adequação entre a situação de fato e a atuação do Poder Governamental.
Nas lições de Paulo Bonavides ao tratar da proporcionalidade diz que:
"Em nosso ordenamento constitucional não deve a proporcionalidade permanecer encoberta. Em se tratando de princípio vivo, elástico, prestante, protege ele o cidadão contra os excessos do Estado e serve de escudo à defesa dos direitos e liberdades constitucionais. De tal sorte que urge, quanto antes, extraí-lo da doutrina, da reflexão, dos próprios fundamentos da Constituição, em ordem a introduzi-lo, com todo o vigor no uso jurisprudencial".
No que tange à razoabilidade Luís Roberto Barroso observa, objetivamente, que:
(...) abrem-se duas linhas de construção constitucional, uma e outra conducentes ao mesmo resultado: o princípio da razoabilidade integra o direito constitucional brasileiro, devendo o teste de razoabilidade ser aplicado pelo intérprete da Constituição em qualquer caso submetido ao seu conhecimento. A primeira linha, mais inspirada na doutrina alemã, vislumbrará o princípio da razoabilidade como inerente ao Estado de direito, integrando de modo implícito o sistema, como um princípio constitucional não-escrito. De outra parte, os que optarem pela influência norte-americana, pretenderão extraí-lo da cláusula do devido processo legal, sustentando que a razoabilidade das leis se torna exigível por força do caráter substantivo que se deve dar à cláusula".
Dessa forma, o Julgador ao deparar-se com uma colisão entre direitos que por serem fundamentais e inerentes ao ser humano, não possuem hierarquia, deverá proceder à análise do caso concreto e valendo-se de suas máximas de experiência conduzir sua decisão.
Certo é que por todas as vias eleitas na intenção de solucionar um conflito de direitos fundamentais, na busca de uma concordância entre eles, operará, necessária e constantemente, uma limitação de um beneficio do outro.
Forçoso admitir que não há patamares diferentes entre os direitos fundamentais, tendo todas as normas constitucionais igual dignidade. Não se pode falar em normas constitucionais formais, nem em hierarquização de normas supra ou infra-ordenação dentro da Constituição.
O que há, certamente, são direitos fundamentais em níveis distintos a serem ponderados na análise de um caso concreto. Dessa tensão das normas Constitucionais surgem os conflitos que são colocados a análise do julgador.
No contexto analisado o impetrante do Habeas Corpus, no caso o suposto pai, se insurgiu contra a ordem da Juíza de primeiro grau que determinou ser o exame de DNA obrigatório nas ações de investigação de paternidade para que se procedesse a busca da verdade real .
Dada a negativa do pai, impetrante do Habeas Corpus sob análise, em se submeter à perícia técnica determinada pelo juízo de primeira instância do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, houve determinação expressa de que a prova entendida como fundamental para o deslinde do caso, fosse realizada "sob vara", ou seja , que o demandado na ação de investigação de paternidade fosse levado forçosamente ao laboratório para coleta do sangue indispensável para realização do exame pretendido.
A segunda instância do referido Tribunal manteve a decisão de Primeiro Grau, motivo que ensejou o Habeas Corpus em exame. Exposto o caso ao STF, as opiniões dos seus Ministros dividiram-se. O caso foi julgado em 10 de novembro de 1994.
Os Ministros da época, a saber, Francisco Rezek, Ilmar Galvão, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence, posicionaram-se favoráveis a manutenção da decisão rebatida, entendendo que o investigado não poderia se negar a realizar o exame de DNA, pois o direito dos filhos em terem reconhecida sua identidade biológica, acolhidos pelo direito fundamental da dignidade da pessoa humana, tem um peso relativamente maior do que o direito do suposto pai à sua intangibilidade física.
Já os Ministros Marco Aurélio, Sydney Sanches, Néri da Silveira, Moreira Alves, Octávio Gallotti, e Celso de Mello entenderam que presumir-se-ia invadida a integridade física e a intimidade do suposto pai o fato de forçá-lo a realizar um exame evasivo, devendo ser afastada a ordem que obrigava o impetrante a realizar o Exame de DNA.
Resta claro, portanto, que neste sopesamento de direitos, no caso em tela, o direito à preservação da integridade física do suposto pai saiu vitorioso frente ao direito dos filhos em terem sua identidade biológica realmente vislumbrada.
2.1 ? Argumentos dos votos vencidos no caso sob análise.


O Ministro Francisco Rezek ponderou que o "sacrifico imposto à integridade física do paciente é risível quando confrontado com o interesse do investigante, bem assim, com a certeza que a prova pericial pode proporcionar a decisão do magistrado" .
Ao proferir suas razões o Ministro Carlos Veloso disse que:
" esse interesse não fica apenas no interesse patrimonial. A conseqüência da não submissão do ora impetrante ao exame , ... seria emprestar a essa resistência o caráter de confissão ficta. Isso, entretanto , se tem importância para a satisfação de meros interesses patrimoniais, não resolve, não é o bastante e suficiente quando estamos diante de interesses morais, como o direito à dignidade que a Constituição assegura a criança e ao adolescente , certo que essa mesma Constituição assegura aos filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, os mesmos direitos. ... Sr. Presidente, não há no mundo interesse maior do que este: o do filho conhecer ou saber quem é seu pai biológico"
Nessas ponderações enfatizou-se a dignidade da pessoa do filho em ter a certeza de que o impetrante era ou não o seu pai , vez que dado os avanços tecnológicos, o exame de DNA assegura em 99,99% ser aquele que se submete ao exame pai ou não de determinando indivíduo.
Constata-se que os Ministros vencidos deram suporte a suas teses argumentando que meros indícios ou presunções não seriam fundamentos adequados para atribuir a paternidade a alguém, revelando-se que na busca pela verdade real, quando o objeto da causa debatida for além dos direitos patrimoniais, adentrando aos direitos fundamentais, não deve o julgador contentar-se com a verdade formal.

2.1 ? Argumentos dos votos vencedores no caso sob análise.


A presunção da paternidade adotada pela teoria vencedora do caso sob análise enveredou não no sentido de ponderar os direitos fundamentais colidentes, mas pautou-se na falta de dispositivo legal que determine a obrigatoriedade da realização do exame de DNA nas ações de investigação de paternidade.
O Ministro Marco Aurélio assevera que:
inexiste lei reveladora de amparo à ordem Judicial atacada neste Habeas Corpus- no sentido de o paciente, réu na ação de investigação de paternidade, ser conduzido ao laboratório para a coleta do material indispensável ao exame. Ainda que houvesse, estaria maculada, considerados os interesses em questão, eminentemente pessoais e a inegável carga patrimonial, pela inconstitucionalidade.
O Ministro Sydney Sanches , em seu voto, alega que " parece-me repugnar à natureza das coisas e à própria natureza humana compelir alguém, contra sua vontade, a servir como objeto de prova, com violação a intimidade até do corpo"
Resta evidente que para aqueles que se posicionaram favoráveis ao paciente, a intimidade e a não violação do corpo do réu na ação de investigação de paternidade, atrelado ao fato da presunção de veracidade sobre a paternidade a ser atribuída , foram os fundamentos relevantes para firmar convencimento da apertada maioria.


3. DECISÕES ATUAIS DO STJ SOBRE O EXAME DE DNA COMO FERRAMENTA DO PROCESSO JUDICIAL.


O exame de DNA vem sendo utilizado como uma importante ferramenta no auxilio dos Julgadores na busca da verdade e da justiça.
No Superior Tribunal de Justiça, um dos primeiros casos que se valeu do exame de DNA como fonte de prova ocorreu em 1994, mesmo ano da decisão do STF, na Quarta Turma , onde os ministros entenderam que o exame genético dá ao julgador um forte juízo de probabilidade, sendo sempre recomendável que, quando necessário, tal prova seja produzida para formar a convicção do magistrado.
A lei 12.004/2009 alterou a norma que regula as ações de investigação de paternidade, para fazer constar o que já vinha sendo aplicado em razão da súmula 301 do STJ, a saber, a presunção de paternidade, ainda que juris tantum para os casos em que o pai se nega a realizar o exame de DNA.
Em março de 2010, a Quarta Turma do STJ, no Recurso Especial nº 1.068.836 , originário do Rio de Janeiro, decidiu que a mera recusa não bastava para a declaração da paternidade, sendo que a presunção dada pela lei é relativa e deve se coadunar com as demais provas na busca da verdade.
O relator do caso supramencionado, diz no seu voto que:
" Ainda sobre o tema, a jurisprudência pacífica desta Corte entende que a recusa do investigado em realizar exame de DNA, tomada como elemento de prova contra o mesmo, pela presunção de que a assertiva da parte autora está correta, depende, obrigatoriamente, de um mínimo de prova indiciária de que houve envolvimento íntimo entre o pretenso genitor e a genitora. Em síntese, não se pode imprimir à negativa do exame de DNA o caráter de presunção absoluta, especialmente quando não for ofertada nenhuma prova favorável a(o) autor(a)"
Assim, por se tratar de uma presunção relativa, a negativa em realizar o exame de DNA não gerará necessariamente decisão favorável àquele que busca a verdade ser esclarecida sobre sua paternidade.
Dessa forma, a discussão que se põe em tela é se na busca da verdade real não seria válido que o demandado fosse obrigado a realizar o exame de DNA, sendo que sem a referida prova pericial, os casos que versam sobre a atribuição da paternidade serão sempre julgados na base de presunções que não terão o condão de esclarecer o que se põe em debate.






CONCLUSÃO


Na busca da verdade (real ou formal) nos processos colocados sob jurisdição de nossos Tribunais, não raras vezes, estar-se-á diante de uma colisão de direitos fundamentais para que se traga à luz a prestação jurisdicional pretendida pelos litigantes.
Desse choque de direitos basilares surge a árdua tarefa do julgador em ponderar dentro dos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade quais direitos deverão prevalecer.
Não se trata de hierarquizar os direitos fundamentais, mas na análise do caso concreto afirmar quais desses direitos deverão preponderar sobre os demais.
No presente estudo, colocou-se em tela o choque brutal entre o direito fundamental do filho em ver sua paternidade reconhecida dentro dos ditames da verdade real, e não por meras presunções, com o direito do suposto pai a não ter sua intimidade e integridade corporal violada quando se nega a realizar o exame pericial de DNA nas ações de investigação de paternidade.
O STF declarou que nesses casos o pai não pode ter sua intimidade violada, sendo que o filho, por ter a seu favor a presunção da paternidade quando negada a realização do exame de DNA, não poderia ver o seu oposto obrigado a realizar uma prova pericial contra vontade.
O STJ, atualmente, diz que a presunção por ser relativa, deve ser coadunada com demais provas coligidas nos autos para afirmar ser pai aquele que se nega a realizar o exame de DNA.
A decisão do Supremo Tribunal Federal nesse caso não foi adotada pela unanimidade dos votos dos Ministros que na oportunidade compunham a bancada. Isso revela a delicadeza desse tema, ao dividir as opiniões da alta Corte de nosso país.
Verifica-se não ter sido acertada a decisão da maioria, vez que nada há de mais intenso senão descobrir-se, com maior certeza, a herança genética de um ser humano.
Saber de suas raízes, trazendo a tona toda uma história familiar é direito que deve estar acima da intimidade daquele que se nega a realizar um exame pericial.
Fato também relevante é fundamentar-se em presunções para declarar a paternidade e a herança genética a alguém, gerando uma insegurança no mundo jurídico.
Dessa feita, parece que conduzir coercitivamente alguém a realizar um exame que busca trazer a verdade real a um processo em que discute a herança familiar do indivíduo resvalará de maneira bem menos drástica nos direitos fundamentais, do que não permitir que uma pessoa tenha dignamente decidida a sua paternidade.








REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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