COGITAÇÕES FILOSÓFICAS”:AFORISMOS DE IASPERS SODRÉ – Parte 1

(São Luís, 2010 – 2011)

 

À Luzia Elisabete

 

 

  

  1. A não ser pela alma racional ligada à realidade metafísica, a pessoa humana não passaria de animal, um animal com um corpo decadente e em auto-decomposição com gases malcheirosos em seu interior, exalando-o em momentos intervalares no ambiente onde existe.
  2. Quando estou deitado no meu estrado-cama e apreendo a imagem de parte do meu corpo nu, como objeto cognoscível; intuo, pela frequência da lei da morte, que daqui a algum tempo aquele estará em decomposição debaixo da terra, ou mesmo se encontrará desestruturado em cinzas, este corpo se acabará; tal intuição gera em mim a angústia que só atenua-se quando me lembro da metafísica, pela esperança que me lança na eternidade e na ressurreição da carne.
  3. Encontrando uma moça com rosto de linda princesa, bem como com o corpo formoso conforme os padrões estéticos vigentes, coroada por uma potente inteligência crescente, expressando-se em sua alma simpática que me sorri leve e apaixonadamente; aflora-me o desejo de num deserto paradisíaco enamorar-nos, entregando-nos reciprocamente no Eros, porém faço memória que tal paixão não é caridade, e comporto-me com cautela.
  4. “Sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas”, disse Jesus Cristo (Mt. 10, 16). Este é um juízo básico para bem vivermos em sociedade. As serpentes se camuflam no ambiente, atacam se ameaçadas vitalmente e em perigo de morte fingem medo escondendo a cabeça debaixo de alguma pedra, para fugir despercebidamente na distração do predador; as pombas, por seu turno, são singulares e belas, sempre estão em grupo além de morarem no alto, essas descem ao chão para se alimentarem, porém se percebem alguma ameaça, logo alçam voo.
  5. Parece-me que a pessoa humana só produz literatura filosófica qualitativa, quando forçado por algum conflito que a empurre para a luta, sejam guerras ou mudanças de paradigmas.
  6. Sendo agraciado com o dom de compor poemas, concordo com Heidegger, ao pôr a poesia como linguagem do ser; pois compreendo que da inspiração poética à composição do poema, o poeta transcende da existência à essência, utilizando a primeira na literatura como linguagem analógica.
  7. Até que ponto o fenômeno depende do noumeno? Todo fenômeno depende do noumeno, mesmo que o manifeste de modo distorcido para a razão humana. Se há fenômeno é, antes, porque há noumeno que o sustente.
  8. A humildade deve ser virtude inerente ao artista e ao filósofo, para que estes o sejam de fato. Ilustra o nosso pensamento,  Michelângelo Buonarroti que ao esculpir seu Moisés do bloco de mármore, logo o trincou, pois estava tão bem acabado que só lhe restava a alma racional falante; aqui evidencia-se a humildade: o ser humano sabe que não é Deus.
  9. Na alma humana encontramos a vontade, a inteligência e a memória – tais fatores já o foram teorizados e grafados; mas ao longo desta tríade não podemos deixar de constatar a presença da esperança, que, no amor, leva o ser humano a aprimorar-se e a transcender-se em busca de Deus.
  10. A ordem está escrita na natureza, que é viva, e tal organização a partir dos muitos diferentes, constitui um todo harmônico e progressivo; assim atentar contra a diferença é tentativa de agredir o progressivo e harmônico  ordenamento da vida.
  11. Qual o limite da transformação humana? Se a pessoa humana é inicialmente potencialidade-possibilidade; pode ela, apenas tender no movimento modelador, ao ato do que já está potencialmente em sua singular natureza.
  12. Aventurar-se na vida com liberdade consiste em, cotidianamente fazer a opção pelo amor de Deus.
  13. As nuvens estão aí, suspensas em diferenciadas alturas, com suas diversas formas na atmosfera... O ser humano as observa, escreve suas diferenças – conforme aparecem aos sentidos humanos – e as classificou, como estratos, nimbos e cúmulos... Porém, sem a classificação humana o que são em si aqueles “algodões celestiais”?
  14. Se a pessoa humana pode na sua liberdade duvidar do mundo espiritual, negando o noumeno, negando a alma, caindo num extremo empirismo; logo a alma humana não pode de per si, conhecer-se com total clareza.
  15. O Relativismo é a ditadura alienante da ignorância sobra a própria ignorância.
  16. A comunicação do ser pressupõe conhecimento e amor... Assim, se espontaneamente – no espaço-tempo-  penso nela aqui-agora é porque simultaneamente ela se lembra de mim lá.
  17. O que é o tempo, senão o devir da matéria na eternidade?
  18. Os “insigth’s” ligeiros e não acolhidos no passado, de situações que suas condições sócio-históricas impõem hoje,  não seriam, o’ pessoa humana, grande forma a favor da primazia do teu ser sobre o teu existir?
  19. Grande prova de que estamos existencialmente vinculados ao tempo são os curtos e esporádicos lapsos nos quais vivenciamos a felicidade no encontro com a alteridade. São esses curtos lapsos plenos de alegria expressão da essencialidade humana na eternidade que se manifesta no Cronos.
  20. Por que rapazes admiram com paixão a formosura corporal a anímica das moças, para além da energia de perpetuação da espécie humana? Sendo que essas formosuras são passageiras e os rapazes as admiram com a erótica vontade apaixonada, ou desejo, de unir-se àquela estética presencial e pessoal do ser daquelas moças. O que não vivenciará perante a Beleza em si – a beleza essencial e eterna?!
  21. Sabemos as várias modalidades do amor, na língua grega: Eros-filía-storgé-ágape. Quando a pessoa humana vive existencialmente o amor, vive-o no espaço-tempo, endereçamdo-o à vários entes, nas suas diversas modalidades. Mesmo constatando tal evidência, não se pode concluir que o amor em si seja relativo, pois o Amor é essência eterna que se expressa, mesmo na fugacidade da existência, no encontro presencial das pessoas humanas que vivem no amor.
  22. A pessoa humana do século XX viu a liberdade humana limitada pelo genético e pelo meio, também pela ideologia e pelo inconsciente. Baseando-nos nesses dados averiguamos a tentação da inculpabilidade moral humana pela negação do livre-arbítrio. Afirmamos a responsabilidade moral do ser humano, dado que existe para cada pessoa humana um micro-cosmos singular de liberdade, memória, intelecto, responsabilidade e afetividade.
  23. As diversas invenções humanas, apesar de trazerem certo desenvolvimento e progresso para a existência humana, também aceleram o fim desta nas pessoas humanas. Exemplo atual são os alimentos transgênicos que, apesar de mais úteis às necessidades mercadológicas acabam por alterar o organismo humano, prejudicando-lhe a saúde.
  24. O impulso de sociabilidade no Id das pessoas humana, impele-as para a alienação social que lhes proporciona participar do status de determinado agrupamento humano que, confere-lhes identidade perante o todo social.
  25. Baseando nosso pensamento no Personalismo Cristão de K. Wojtyla; constatamos de início que Platão e Aristóteles concordaram que o princípio do amor (Eros) é a contemplação do belo objeto de amor. De fato, um ser humano ao observar uma mulher  bela,  conforme lhe apraza, sente o Eros por essa, enquanto a visualização como objeto de seu amor. O Id deste homem, o faz desejar copular com essa bela mulher, como atividade do mecanismo bio-sexual de perpetuação da espécie, peculiar ao Id. Se essa mulher consentisse a algum homem que  descaradamente manifestasse a esta seu desejo; seria realizado numa decadência do que é peculiar ao ser humano para o que é próprio do animalesco, isto acarretará aos parceiros o prazer sexual correspondente a uma cópula in-temperada, porém não tendo ambos o verdadeiro conhecimento mútuo, que os levem ao amor ágape, logo não se personalizam, mas se rebaixam da dignidade humana à um estar/fazer o papel de objeto de uso. Assim  o prazer sexual, imediato e passageiro, transmuta-se no amargor de sentir-se usado/ a como se fosse uma coisa; isso, pela constatação do bem mínimo escolhido para satisfazer uma paixão egoísta, utilitária e desumana. Então, a consequência desse ato é a presença de ambos (parceiros de cópula), na frustração e a não realização humana.