CLONARAM O GATO DE SCHRÖDINGER?

              O título acima pode até parecer chamada de notícia de jornal. Por outro lado nos remete a um tema que parece não ser mais novidade, mas continua polêmico: a clonagem. Essa proeza foi sendo possível aos poucos, a partir de 1953 quando dois rapazes, o biólogo James Watson e o físico Francis Crick descobriram a estrutura química do DNA. Na verdade, a bem da verdade, a façanha alcançada por eles teve a contribuição de outros cientistas que a mídia editorial deixou de fora da festa. E essa nossa conversa tem por objetivo mostrar por meio de um episódio científico que, a partir do século XX a necessidade de conhecimento foi exigindo cada vez mais um trabalho de equipe, na medida em que a busca por respostas aos enigmas da modernidade exigia uma pluralidade de técnicas.

            A clonagem é a reprodução genética de um ser, e já fizeram isso com ovelhas, ratos, vacas e até vegetais. Gatos? Talvez. E por falar em gato, você já deve estar a se perguntar “quem foi esse tal de Schrödinger?”. Erwin Schrödinger foi um físico austríaco que em 1933 recebeu o prêmio Nobel pelos seus brilhantes trabalhos em mecânica quântica. Dois momentos importantes podemos destacar envolvendo seu nome. O primeiro deles trata-se da própria mecânica quântica, diante da qual ele propôs uma maneira revolucionária de interpretar as coisas. Para ele, um estado quântico (uma situação) deve ser analisado não da maneira como ele é, mas como ele se comporta, e para tal ele criou uma relação matemática denominada de função de onda. Para quem não tem intimidade com essa parte da física tal função é mais estranha conceitualmente. Sua teoria informa que um estado quântico possui uma probabilidade de ocorrência em relação a outro, e esse papo naquela época deixou muita gente boa em polvorosa (Einstein foi uma dessas).

Para se explicar, Schrödinger bolou um artifício didático chamado de paradoxo do gato. O desafortunado bichinho seria colocado dentro de uma caixa opaca, dentro da qual haveria uma ampola de vidro frágil contendo uma substância volátil e fatalmente venenosa. A caixa está fechada e ninguém próximo pode ver o gato e assim afirmar se ele está vivo ou morto à medida que o tempo passa. Para Schrödinger o gato não está vivo nem morto. Ele está, a cada instante, vivo e morto "simultaneamente"! A situação do gato é a admissão das duas probabilidades já que análises da sua função de onda oferecem esses dois resultados: gato vivo e gato morto.

O segundo momento proporcionado por Schrödinger diz respeito a um livro (que não era de física), de sua autoria publicado em 1944 intitulado O que é a vida? no qual falava que o código genético deveria estar mapeado em forma de moléculas complexas. Esse livro foi lido por Watson e o deixou bastante empolgado com a nova idéia. Anos mais tarde Watson foi para a Inglaterra trabalhar com Crick no laboratório Cavendish. Lá, por volta de 1950, o físico Maurice Wilkins que trabalhava em biologia molecular com o uso de radiações, tinha umas imagens de células obtidas com a técnica de difração com raios-X que obtivera com a ajuda de Rosalind Franklin. Wilkins mostrou a Crick, que avisou a Watson. Esses dois a partir de então numa corrida contra o tempo, drenaram todo os esforços para perseguir a estrutura do DNA.

Em 1952 Peter Pauling, filho de Linus, chega a Cambridge para conversar com Watson e Crick, falando-lhes sobre a possibilidade do formato tripla hélice do DNA. Watson percebe que está no caminho certo e vai ao encontro de Wilkins em busca de novas imagens de raios-X. Ao obtê-las demonstra certeza na elucidação do mistério e volta ao trabalho com Crick. Após algumas semanas tudo está enfim terminado: Watson e Crick descobrem o código da vida! Ele está impresso em uma molécula com a forma de dupla hélice. Vários intelectuais na época criticaram os dois chamando-os de inescrupulosos por não terem citado a participação de Wilkins em suas descobertas. Mas a ciência logo fez justiça dando aos três o Prêmio Nobel de Medicina em 1962.

            Mas e o tal do gato, clonaram? Bem, apesar de que essa história tenha começado com uma mãozinha inspiradora do Schrödinger, juro que não, pela fé da mucura! Mas será que alguém um dia vai clonar a nossa Didelphis marsupialis?

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* Renato A. Afonso é professor de Física em Belém (Pa) com vasta experiência mo ensino básico e superior. Atualmente é professor da Escola Federal Tenente Rêgo Barros e de cursos pré-vestibulares em Belém, PA.

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