Quanto ao surgimento do cinema, Mocellin (2002, p.7) sintetiza em uma frase, “surgiu no final do século XIX como decorrência do progresso científico”. O que fica evidente é que o século que proporcionou o “surgimento” ao cinema foi o século do desenvolvimento científico, no que diz respeito as mais variadas invenções, e graças à junção de algumas dessas descobertas é que surgem os aparelhos que projetavam filmes. Entre esses o mais popular foi o “cinematógrafo” dos Irmãos Lumière.

Porém o cinema nos seus primeiros vinte anos está em “transformação constante”. Os primeiros aparelhos que projetavam filmes estavam incluídos entre as curiosidades que surgiram no final do século XIX, e durante esse período é que o cinema adquire “uma série de reorganizações sucessivas em sua produção, distribuição e exibição”. O cinema nesse período passou por modificações que possibilitou a convenção de uma “linguagem especificamente cinematográfica”, e também a ser inserido em uma “atividade cinematográfica verdadeiramente industrial”. (MASCARELLO, 2006, p.17,27)

Com uma “linguagem própria e uma indústria também específica”, o cinema foi considerado por muitos como expressão artística a “Arte do século XX”.(BARROS, 2008, p.43) O cinema “não cessou de interferir na história contemporânea ao mesmo tempo em que seu discurso e suas práticas foram se transformando com esta própria história contemporânea” , dessa forma o Cinema “pode ser considerado nos dias de hoje uma fonte primordial e inesgotável para o trabalho historiográfico.”(BARROS, 2008, p.43)

Se hoje o cinema é considerado como fonte para a história, nem sempre foi assim. O cinema, o filme como sua obra final, não fazia parte do universo mental do historiador, segundo Marc Ferro, em meados do século XX, “que utilidade poderia ter para a História essa pontinha inicial do filme que mostra um trem entrando na estação de La Ciotat?” citando um filme dos Irmãos Lumière(FERRO, 1992, p.82), e “nesse mundo em que a calculadora é a rainha , em que o computador tem seu trono garantido, o que viria a fazer uma pequena fotografia”. (FERRO, 1992, p.85) Ferro faz uma crítica ao que chama de “hierarquia das fontes”. Do positivismo com os “documentos oficiais”, e no marxismo, citando como exemplo, as séries demográficas, os preços, o historiador não ousava em lançar mão da utilização de documentos que não os considerados como tais pela historiografia.

Segundo Aróstegui, “A influência dos Annales foi, sem dúvida, extensa e profunda, e 'contribuiu para uma renovação formal da historiografia acadêmica'”, o que fica evidente nas direções que a escola tomou, ao recusar a concepção de “fato histórico”, e com isso não descrever somente seqüências cronológicas, mas a pesquisa e seu resultado passa a ser “temático”. O interesse por novas temáticas e, como conseqüência disso, o interesse por novos tipos de fontes.(ARÓSTEGUI, 2006, p.144-145) “A fonte fílmica ... enquadra-se compreensivelmente neste mesmo movimento de expansão de temáticas e de possibilidades de novas fontes historiográficas.”(BARROS, 2008, p.48)

“Essa nova história nasceu como uma rebelião contra “a históriapositivista do século XIX”. Produziria uma revolução na concepção de documento histórico e, conseqüentemente, nas formas de entender a crítica documental. Febvre havia assinalado que a História se fazia com documentos, como queria a escola metódica, mas também sem eles e com outros muitos tipos de evidências além da escrita. (ARÓSTEGUI, 2006, p.146)

Marc Ferro como integrante da terceira geração dos Annales usou de novos objetos, e conseqüentemente novas metodologias. O filme com Ferro passa a ser analisado além da restrita história do cinema, e passa a ser utilizado como material de pesquisa para a História, ou seja, como “documento”.

O cinema é, segundo Barros, “um produto da História” e, portanto, “um excelente meio para a observação do lugar que o produziu, isto é a Sociedade que o contextualiza”. (BARROS, 2008, p.53) Para Barros a sociedade que produz o Cinema é a mesma que recebe, sendo assim “a fonte fílmica pode dar compreender uma Sociedade simultaneamente a partir do sistema que o produz e do seu universo de recepção” (BARROS, 2998, p.53), tornando-se assim “uma fonte primordial” para a História.

Bibliografia

ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica: teoria e história. Trad. Andréa Dore. Bauru, SP: Edusc, 2006.

BARROS, Jorge D'Assunção. Cinema e história: entre expressões e representações. In.: NÓVOA, Jorge; BARROS, Jorge D'Assunção(orgs). Cinema-história: teoria e representação sociais no cinema. 2 ed. Rio de Janeiro. Apicuri. 2008. (p. 43-83)

FERRO, Marc. Cinema e História. Trad. Flávia Nascimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

MASCARELLO, Fernando(org.). História do cinema mundial. Campinas, SP:Papirus, 2006.

MOCELLIN, Renato. O cinema e o ensino da História. Curitiba: Nova Didática,2002.