VI CONGRESSO BRASILEIRO DE METROLOGIA

 

CIÊNCIA METROLÓGICA

 

Luiz Fernando Mirault Pinto1

1 Inmetro, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected]

 


Resumo: O objetivo deste trabalho é instigar à comunidade metrológica a discutir um reposicionamento conceitual a respeito da metrologia de modo a situá-la como ciência da medição no sistema de classificação do conhecimento ocupado pelas demais ciências, e, desse modo, contribuir nas discussões que envolvem as demais conceituações sobre metrologia.

 

1. INTRODUÇÃO

 

O Vocabulário Internacional dos Termos de Metrologia surgiu da necessidade de se buscar a harmonização internacional das terminologias e das definições utilizadas nos campos da metrologia e da instrumentação. A adoção deste documento auxilia a evolução e a dinâmica do processo de globalização das sociedades tecnológicas, a integração da comunidade científica, o desenvolvimento econômico, a ampliação dos mercados e a redução geral de custos.

 

No documento foram dissecados os principais termos voltados à aplicação prática, não fazendo, no entanto, alusão às bases e fundamentos ou princípios da metrologia, deixando apenas a definição de Metrologia como ciência da medição.

 

A definição [1]anterior estabelecia que metrologia era a ciência dos pesos e medidas, sendo posteriormente modificada, com base na conceituação que a metrologia tratava de uma área do conhecimento associada as medições, e em 1993, o VIM (ISO), 2ª Edição[lf1]  estabeleceu que metrologia é a ciência da medição.

 

A Metrologia está presente nas diversas aplicações no mundo do trabalho [2] possibilitando a resolução de problemas do cotidiano, sendo um instrumento essencial para a construção de conhecimentos e práticas nas demais áreas curriculares, contribuindo na formação e capacitação intelectual, na estruturação do pensamento e no raciocínio dedutivo. Como as medições direta ou indiretamente participam de todos os processos de tomada de decisão, envolvendo comércio, indústria, saúde e meio ambiente, a

metrologia, tem, também, expressiva influência nos aspectos econômicos da geração de riquezas.

 

Sua importância pode ser traduzida pela complexidade e a sofisticação dos processos tecnológicos modernos, assim como, pela inovação como exigência da competitividade no desenvolvimento de processos e produtos novos. Ainda assim, a nova consciência pelos direitos do cidadão-consumidor e a necessidade de informações corretas e da garantia quali-quantitativa das mercadorias são fatores relacionados às demandas atuais da sociedade. 

 

No Brasil, os programas de desenvolvimento, em especial os de ciência e tecnologia, têm destacado a metrologia como um instrumento necessário ao desenvolvimento da economia, e, por isso, não só tem incentivado sua inserção na educação, fomentando o entrosamento em áreas como a da capacitação de recursos humanos de qualidade direcionada às pesquisas científicas e tecnológicas, como promovendo uma cultura metrológica.  Alguns centros técnicos e universidades [3] [4]vem introduzindo o estudo da metrologia nos seus programas curriculares como complementação ou especialização [5], ou mesmo, como tópicos de alguma disciplina [6]

 

2. DISCUSSÃO

 

2.1 Classificações das Ciências

 

A ciência dita moderna [7, 8, 9]  ou clássica na busca de sua autonomia separou-se da filosofia, do senso comum, das artes e da política e com o tempo  as diversas formas de conhecimento foram suplantadas pelas de base quantitativa, do conhecimento estatístico, do controle quantitativo da economia, dos territórios e das populações, organizando os Estados e introduzidas na industralização, esta que se serviu dos aspectos quantificáveis das ciencias naturais na geração de tecnologias, resultando a chamada – tecnociência .

No século XV a ciência com seus fundamentos tinha a função de compreender o mundo a partir do todo, descendo às minúcias da menor parte, de modo a ter uma visão mais profunda desse todo. Todavia esse processo devido ao volume de informações, deu origem a outras disciplinas distintas exigindo que o pesquisador para dominá-las se tornasse  um especialista, com conhecimentos específicos de uma ciencia específica

 

Nos dois últimos  séculos surgiram, firmando-se com contundência, uma infinidade de disciplinas especializadas - cada qual responsável por uma pequena fração, ou especialidade da ciência – restritas a especialistas distintos que passaram a dominar somente a sua especialidade. De modo a superar o movimento de especialização da ciência e superar a fragmentação do conhecimento em diversas areas de estudo e pesquisa, surge um novo conceito, o da interdisciplinaridade como uma resposta possível à necessidade de uma reavaliação epistemológica.

 

As ciências ou formas de aquisição de conhecimento ainda buscam um diálogo pluridisciplinar (multi, inter e transdisciplinares). Surge assim o paradigma da complexidade (de Edgar Morin) [10]. Trata-se de um pensamento complexo que objetiva a associação das diversas disciplinas, ciências, ou conhecimento de diversas instâncias da realidade, sem, contudo, fundi-las. Este pensamento complexo, apesar de diversos princípios, com origem na antiguidade, perpassando pela modernidade e  pós-modernidade, é uma diretriz que se desenvolve à medida que avança, no seu próprio fazer e ao se repensar continuamente. Essa idéia que envolve a transdisciplinaridade dos fenômenos busca a mudança dos modelos pré-estabelecidos e abandona o reducionismo característico - originário das ciencias que se baseiam na investigação científica em todos os campos - passando à criatividade e aos sistemas complexos e dinâmicos.

 

Apesar dessa complexa rede de pensamento ao se classificar uma ciencia devemos  considerar que ela é única e que tem limites ou interfaces bem definidas. Trata-se ainda de um processo de sistematização ou referencial onde são empregadas divisões e sub-divisões formais  caracterizadas por classes, áreas e sub-áreas tipificando conceituações e definições dadas quanto a finalidade, princípios, fundamentos e métodos relativos ao estudo e entendimento da natureza, do homem e da sociedade. 

 

Por vezes a denominação ciência é dada de modo constante e informal a determinada área de conhecimento apenas por ter uma relação interdisciplinar não muito definida com outras áreas ditas científicas ou mesmo por se utilizarem de métodos científicos como tal, a ponto de serem incluídas posteriormente num sistema de classificação.

 

Quanto à metrologia como ciência, sua posição ainda não está devidamente estabelecida, assim como a teoria epistemológica ou a proposta metodológica de investigação científica a que ela se refere - se interdisciplinar, transdisciplinar ou mesmo se trata de uma ciência transversal, um ponto que deve ser estudado de acordo com suas relações e interfaces com as demais áreas de conhecimento, o que permitirá estabelecer no sistema de classificação das ciências uma posição definida.

 

Classificar o conhecimento por meio de uma representação em um sistema qualquer, o sistema de ciências, deve-se levar em conta por um lado a natureza da informação da razão da classificação e do outro as necessidades de uso da comunidade, considerando a dinâmica de desenvolvimento do conhecimento, que envolve a história, a educação, a cultura, e os aspectos sociais do conhecimento.

 

O interesse institucional na classificação da metrologia como ciência está relacionado à sistematização da área de Ciência e Tecnologia [11] com o objetivo de gerenciar e avaliar os programas de fomento das agências e das políticas públicas que tratam as áreas de conhecimento como categorização de referências para o ensino, pesquisa, inovação e  desenvolvimento tecnológico.

 

A necessidade da classificação em um sistema de ciências está em estabelecer um ramo específico do conhecimento científico para a metrologia, posicionando-a de modo a ocupar junto ao conjunto de ciências, uma posição de destaque de acordo com sua importância, e complexidade, e definindo suas propriedades quanto aos fundamentos e princípios, sua finalidade e o seu campo de estudo. 

 

Um lugar específico para uma ciência qualquer num sistema representa o estabelecimento de todas as ligações e relações entre ela e as demais adjacentes e as ligações através delas com as mais remotas, representando a soma de todo o conhecimento humano. Além disso, reflete a fase definitiva no desenvolvimento do conhecimento científico, ou a representação do mundo externo, quanto seus aspectos históricos, culturais e hereditários.

 

O que deve ser estabelecido para a Metrologia ser enquadrada como ciência, está em definir uma proposição inicial, aceita por consenso, e necessária para se construir uma teoria necessária a atividade humana em contraposição ao senso-comum que dissimula a compreensão da realidade, e o desenvolvimento da crítica, e que tende a reduzir a teoriaem prática. Aprática por outro lado,  não pode ser desprezada, uma vez que dela tem sido moldados os conhecimentos metrológicos, e que se trata do fundamento da teoria.

 

No Brasil, a metrologia é identificada academicamente, como ciência, na “classificação das áreas de conhecimento” [12]. Esta classificação é uma relação de áreas de ciências acadêmicas que tem por objetivo sistematizar as informações sobre o desenvolvimento científico e tecnológico, a produção do conhecimento, em especial, aqueles referentes aos projetos de pesquisa e de capacitação de recursos humanos, reunindo os elementos necessários para avaliações, aos órgãos atuantes em ciências. A metrologia [13] é uma especialidade (metrologia, técnicas gerais de laboratório, sistema de instrumentação – 1.05.01.053) da subárea da Física Geral, pertencente à área de física, da grande área de conhecimento de Ciências Exatas e da Terra.

 

A metrologia, no entanto, está além de uma especialização, ou de uma parte da física; ela é um instrumento fundamental para validar modelos e teorias das demais ciências. Pode mesmo ser considerada no limiar entre a ciência e a tecnologia [14].

 

Nas discussões em que se trata de determinar a posição de metrologia com base em suas peculiaridades, a física sempre é "a amostra de referência oculta" [15]usada ​​como comparação e por analogia sempre se supõe que a estrutura de metrologia se baseia num sistema de postulados como em qualquer ciência natural

 

A física é uma ciência fundamental em que outras ciências naturais se utilizam dos princípios e leis estabelecidas por esta área. A física se utiliza da matemática como uma linguagem lógica de formulação e quantificação dos princípios. Os estudos da física envolvem as teorias sobre as leis que governam o universo que juntamente com a filosofia dividia o conhecimento sobre os princípios do universo. Paulatinamente a experiência direta e a observação passaram a ser objeto da verificação. A física teórica tem um campo complexo e vasto, e se divide em diversos ramos, dando ênfase a especialização da física aplicada, pela relação com campos específicos.

 

A verdade científica geral se exprime em leis, e uma lei física é representada quando possível, mediante relação matemática entre símbolos que representam grandezas físicas. Em regra, uma grandeza física tem significado físico, e é representada por um número medido (valor numérico), uma unidade de medida e é concebida como resultado de operações bem definidas (medições), em laboratório. Assim também é uma representação metrológica [16]. A metrologia possui uma definição, trata de medidas, relaciona grandezas físicas, é uma especialidade da área de física geral, o que significa, pertencente a ciência, ou parte integrante dela. Trata-se, portanto, de ciência metrológica.

 

2.2 Ciência Metrológica

A princípio os elementos que caracterizam uma ciência estão relacionados com a racionalidade, a objetividade, a sistematicidade, e a comunicabilidade, podendo ser acrescidos ainda a veracidade, a analiticidade, e a verificabilidade. Por meio de conceitos e definições, análise e raciocínio consolidados em idéias organizadas de modo ordenado, que se combinam e originam outras, estabelecidas na forma teorias ou proposições, a ciência se caracteriza como racional.

 

Ela tem objetivo ao verificar os fatos resultantes da observação e da experiência e se aproximar das metas estabelecidas e da verdade dos fatos ou realidade, de modo independente das interpretações de quem faz a ciência. Ao relacionar os elementos lógicos de modo harmônico, ordenado, para representar um conjunto de idéias interligado, ela se identifica pela sistematização.

 

Outras características [17] próprias da ciência podem ser descritas como a analiticidade, a propriedade de fragmentar partes de um fenômeno ou evento e analisá-los distintamente; a verificabilidade, por confrontar os dados obtidos experimentalmente com as informações coletadas; a veracidade, baseando-se em pesquisas metodológicas, claras, precisas, e experimentações planejadas e com objetivos bem definidos, e hipóteses a serem testadas; A comunicabilidade, que mostra que a ciência deve ser universal, informativa, transparente, com terminologia precisa, acessível, democrática, transcendente, e auto-corrigível.

 

A literatura que trata do tema metrologia, sempre apresenta como definição – a ciência da medição, e por vezes com alguma complementação, como por exemplo, aquela que abrange todas as medições realizadas num nível conhecido de incerteza, em qualquer domínio da atividade humana [18], sem estabelecer a origem dessa conceituação, ou a partir de que época a metrologia foi caracterizada como ciência.

 

Pela literatura o termo Metrologia [19] surge pela primeira vez na obra “Métrologie ou traité des Mesures, Poids et Monnoies des Anciens peuples et des Modernes” de Paucton em 1780 e estabelece essa data como origem do nome metrologia científica, embora não se queira dizer que antes disso ela não existia.

 

As primeiras formas de metrologia foram simplesmente normas arbitrárias estabelecidas pelas autoridades regionais ou locais, muitas vezes baseadas em medidas práticas, como as antropométricas. As primeiras medidas padronizadas referem-se ao tempo, comprimento e peso.

 

A metrologia moderna tem início quando os avanços da ciência passaram a exigir um sistema de unidades que unisse a teoria à prática. A partir de então os cientistas, químicos e físicos em função de descobertas, e as invenções marcantes da revolução científica, passaram a exigir a avaliação quantitativa das propriedades físicas por meio das unidades de medida como necessidade. Pode-se atribuir a metrologia a contribuição importante dada à industria, na chamada revolução industrial, com a produção em massa, as linhas de montagem, e a intercambiabilidade das peças.

 

Metrologia moderna tem seu marco originário na Revolução Francesa pela motivação política para harmonizar as unidades em toda a França da época, e dois eventos históricos deram origem essa metrologia datando do final do século XVIII e início do século XIX: A criação e implementação do sistema métrico decimal e o desenvolvimento da produção em massa utilizando peças intercambiáveis.

 

Apesar de vários estudos, experiências e descobertas relativas a diversas disciplinas científicas (química, astronomia, física e outras) com inúmeros sábios e cientistas (Galileu, Copérnico, Thales) em diferentes momentos da história, a caracterização da metrologia como ciência tem início a partir da Grande Exposição em Paris (1867) quando foi formada a comissão de Pesos e Medidas e da Moeda, sendo convocada aos trabalhos a Academia de Ciências de Paris e mais tarde a Academia de São Petersburgo.

 

Esta última solicitou formalmente ao governo Frances a criação de uma comissão internacional para supervisionar a elaboração de novas normas métricas internacionais e uma instituição científica dedicada à metrologia. Posteriormente em Paris (1875) foi proposta a criação de um Bureau Internacional de Pesos e Medidas, onde seriam depositados para o uso de todos os governos membros da Convenção do Metro os novos protótipos internacionais do metro e quilograma.

 

Com o enorme crescimento da ciência nas universidades ou por meio de pesquisadores independentes e as conseqüências para o desenvolvimento industrial e do comércio internacional as solicitações para apoio financeiro para a criação de um laboratório internacional surtiram efeito em 1875.

 

A metrologia como ciência tem seus aspectos básicos: A teoria geral das medições, a teoria dos erros das medições, o princípio de unificação das unidades, o estabelecimento do sistema uniforme de unidades de medidas, o estabelecimento dos padrões correspondentes e suas relações com as grandezas físicas, sua hierarquização e rastreabilidade, o desenvolvimento de métodos e processos de medição, a estrutura complexa de organização e manutenção desses princípios [20].

 

Os princípios fundamentais da metrologia comprometidos com a Ciência envolvem a confiabilidade dos resultados de medição, as grandezas físicas, a incerteza da medição, e a lógica de um sistema de unidades (universal), de modo que as medidas possam ser comparadas, reproduzidas, rastreadas, e repetidas. Esses princípios metrológicos servem de base para as teorias científicas gerais e/ou fundamentais, bem como outras específicas, as quais, dependem, em determinada fase da comprovação, de resultados de medições confiáveis [21].

 

A metrologia também tem seus fundamentos que podem ser descritos como: as normas, os padrões, os métodos, os sistemas de medição e as técnicas estatísticas que são aplicadas relativas a outras ciências, empregadas quando queremos analisar e interpretar dados observados e apresentar um resultado consistente. As normas possuem compromissos com esses princípios, pois estabelecem as regras de procedimento quanto ao tratamento a ser dado às medições, aos sistemas, aos métodos, aos dispositivos, e aos processos de medição de modo a atender os requisitos mínimos de garantia – a confiabilidade metrológica [22].

 

A padronização e a uniformização na metrologia são técnicas que também representam os fundamentos, e visam reduzir a variabilidade dos processos de trabalho sem prejudicar sua flexibilidade, sendo fundamentais para a rastreabilidade e comparabilidade das medidas materializadas, dos padrões de referência ditos metrológicos, os quais obedecem a uma hierarquização e reproduzem as grandezas do SI.

 

Além dos princípios, e dos fundamentos, a metrologia tem a seu serviço, uma estrutura física nacional e internacional, com organismos de referência, laboratórios científicos, instituições públicas e privadas, associações, e sistemas de divulgação. Ela que tem como objetivo, manter a uniformidade dos procedimentos, e a confiabilidade nas medições por meio da comparação com os padrões primários correspondentes a materialização das grandezas físicas, garantindo a rastreabilidade no mundo.

 

3. CONCLUSÃO

 

A Metrologia não tem seu espaço de destaque delimitado no sistema de ciências por razões ainda desconhecidas. A falta de debates sobre o que ela representa ou o desconhecimento e desinteresse dos pesquisadores, ou mesmo os preconceitos formados na cultura acadêmica ao deixar os conteúdos objetivos e tecnológicos à margem dos pesquisadores. Pode ser ainda devido ao reflexo da falta de cultura metrológica na sociedade acadêmica ao considerar a metrologia como atividade aplicada e técnica, ou laboratorial; poderia ser devido a formação educacional onde existe a dificuldade em se separar dos conceitos e ligações atávicas entre a física e a matemática desenvolvidas no ensino fundamental; e até mesmo ao desconhecimento da história quanto a participação dos cientistas na criação dos padrões metrológicos, e na falta de visão das tecnologias futuras, resultante da evolução desses padrões [23].

 

Talvez por existir ainda algumas inadequações conceituais ao se considerar a metrologia uma prática ou atividade relacionada à formação técnica-profissional da área de Engenharia, ou se pensar que metrologia pode ser resumida a estatística da teoria dos erros e a incerteza da medição.

 

Devemos entender a metrologia como ciência por que garante o desenvolvimento das estruturas cognitivas ao transmitir o conhecimento, permitindo seu aproveitamento de maneira continuada, capaz de ser repassado às gerações futuras.

 

A história da metrologia é a da própria civilização, participando dos movimentos sociais, (na economia, na religião, e na organização dos povos) com suas necessidades de medir. Os nômades comparavam distâncias dos astros, e quantificavam alimentação necessária aos deslocamentos. Os sedentários mediam extensões de terras para o plantio, contavam as sementes nas distâncias de semeadura, e dimensionavam a colheita. O peso do corpo humano era o padrão de trabalho. Essa cultura de pesos e as medidas, e as medições por comparação a um padrão de medida linear, baseavam-se em dimensões de parte do corpo humano.

 

O sistema antropométrico, primitivo, mas, natural, acessível a qualquer indivíduo, de fácil comparação, manuseio e transporte, era a própria medida do homem. Essa cultura da metrologia refletia a necessidade do homem em entender o mundo, relacionando-se com os grupos e com seu entorno (localização espaço-tempo), levando-o a estabelecer padrões de comparação. Medir é próprio da natureza humana [24]e a transmissão do conhecimento da medição (oral, observação, experimentação), adquirida por autoconhecimento e característico do senso comum, era uma necessidade para sua sobrevivência.

 

O autoconhecimento é conhecimento científico que como tal constitui-se no senso comum [25]. O senso comum aceita o que existe assim como tal é. O senso comum tem suas propriedades e podemos destacar que não resulta de uma prática dirigida e se reproduz com o desenvolvimento do cotidiano e as experiências de vida de um grupo social, de forma espontânea. Assim se confirma na história, o conhecimento adquirido na metrologia, vivencial, prático, objetivo, superficial, e persuasivo.

 

Talvez pela metrologia identificar-se com esse modo de conhecimento é que sempre foi, apesar de sua participação constante no progresso em todas as ciências, considerada apenas uma prática no campo das ciências naturais.

 

Diz-se, no entanto que a ciência pós-moderna considera a ciência do senso comum, aquela que produz tecnologia, e que assim como o conhecimento se traduz em autoconhecimento, o desenvolvimento tecnológico deve traduzir-se em sabedoria de vida. Talvez seja essa a perspectiva para o futuro, uma vez que ainda estamos num período de transição. Essa nova conceituação baseada na pós-modernidade produz conhecimento a partir das transformações atuais, como a inovação tecnológica, a globalização, as redes de trabalho, as demandas sociais, sendo uma ciência mais accessível, flexível, instável, dinâmica e que considera as incertezas da natureza.

 

A sociedade contemporânea exige uma formação interdisciplinar integrando as dimensões econômicas, políticas e sócio-culturais que caracterizam a interdisciplinaridade, como a metrologia tem se desenvolvido ao longo de sua história. É possível que encontremos uma posição para a metrologia como ciência na classificação dos conhecimentos no sistema de ciências naturais. É possível também que se chegue a conclusão que o sistema para a inclusão da metrologia como ciência não seja o das ciências naturais e sim das humanas ou sociais, o que em nada mudaria a tese: “as ciências naturais ainda são diferentes das ciências sociais, mas aproximam-se cada vez mais destas e é previsível, em futuro não muito distante, se dissolverem nelas" [ 26 ]

 

Se de fato a frase atribuída a Einstein é verdadeira: “os conceitos e princípios fundamentais da ciência são invenções livres do espírito humano”, pensar na metrologia como ciência estabelecendo seus conceitos e princípios fundamentais facilitando sua inserção em um sistema de ciências, seria apenas mais uma invenção do espírito humano.

REFERÊNCIAS:

 

[1] ISAEV, L.K. “The Place of Metrology in The Science System On Postulates”, in General Aspects of Metrology and Measurements Techniques, da Revista Measurement Techniques, V. 36, N. 8, 853-854. Disponível em http://www.springerlink.com/content/v28845m801384075/

 

[2] La Métrologie Internationale: Les travaux du BIPM et de l’OIML, “La métrologie est presente partout”. Disponível em: www.metrologyinfo.org,

 

[3] Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC - Rio Programa de Pós–graduação em Metrologia. Disponívelem http://www.pucrio.br/ensinopesq/ccpg/progmetr.html#apresentacao

[4] Universidade Federal do Paraná – Programa do Curso de Extensão do Departamento de Engenharia Mecânica. Disponível em: http://www.ufpr.br/adm/templates/busca.php?acao=procura2&tipo=1&busca=metrologia;

 

[5] Universidade Federal de Minas Gerais – Programa do Curso de Especialização em Metrologia. Disponível em: www.demec.ufmg.br/port/p_grad/CursoEspe/Cemetro/documentos/objetivos.htm - 11k;

 

[6] Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG - Departamento de Engenharia Mecânica – Curso de Introdução à Engenharia Mecânica. Disponível em: www.demec.ufmg.br/port/d_online/diario/Ema015/ATO01.pdf              

 

[7] WILLIAMS, L.P. – “history of science”. Disponível em: http://www.britannica.com/EBchecked/topic/528771/history-of-science

 

[8] A Handbook on the History of Modern Science, disponível em: http://www.sullivan-county.com/deism/science.htm

 

[9] The Beginning of Modern Science, disponível em: http://www.friesian.com/hist-2.htm

 

[10] ESTRADA,  A. A., “ Os Fundamentos da Teoria  da Complexidade em Edgar, disponível em:http://revistas.unipar.br/akropolis/article/viewFile/2812/2092

 

[11] SOUZA, R.F., “Organização e Representação de Áreas do Conhecimento em Ciência e Tecnologia: princípios de agregação em grandes áreas segundo diferentes contextos de produção e uso de informação”. Disponível em: www.periodicos.ufsc.br/index.php/eb/article/download/337/384

 

[12] CASTILHO, Maria Augusta de, “Roteiro para elaboração de monografia em ciências jurídicas”, 2ª Ed., Editora Sugestões Literárias, São Paulo, (2000).

 

[13] Tabela das Áreas de Conhecimento, elaboração - CAPES, CNPq, FAPERGS, SEsu / MEC. Disponível em: http://www.cnpq.br/areasconhecimento/1.htm

 

[14] MOSCATTI, Giorgio; “As bases científicas da metrologia e vice-versa”, – Encontro para a Qualidade de Laboratórios (ENQUALAB-2005) - Rede Metrológica do Estado de São Paulo – (REMESP) (2005), São Paulo, Brasil. Revista Metrologia e Instrumentação, edição 36 disponível em http://www.banasmetrologia.com.br/revista.asp?codigo=1273

 

[15] GRANOVSKY, V. “ Metrology Position in The System of Sciences”, Valery - Joint International IMEKO TC1+ TC7 Symposium, (2005), Germany

 

[16] INMETRO. Sistema Internacional de Unidade. SI - Senai. (2000)

 

[17]http://www.bibliotecanacional.ipn.mx/Libros/polilibros/poli16/1-0-0-4-CarcateCiencia.htm

 

[18] Disponível em: www.inmetro.gov.br/consumidor/Resumo_SI.pdf

 

[19] Definição do termo Metrologia (1780) significado –“Science de la mesure” – Le Robert – Dictionnaire historique de la langue française. Dir. Alain Rey. 1994, p. 1236.

 

[20] Isaev, L.K. General Aspects of Metrology and Measurement Techniques “The place of metrology in the science system: On postulates”, Measurement Techniques, V. 36, N. 8, 853-854, DOI: 10.1007/BF00983977

 

[21] PINTO, L. F. M., “Metrologia Formal” - V CONGRESSO BRASILEIRO DE METROLOGIA, (2008),disponível em : [email protected]

 

[22] MONTEIRO E. C., LESSA, M.L. "A Metrologia na Área de Saúde: Garantia da Segurança e da Qualidade dos Equipamentos Eletromédicos". Engevista, v. 7, n. 2, p. 51-60 (2005).

 

[23] ALMEIDA, L. A. “Metrologia: instrumento de cidadania” Centro Técnico Científico da PUC - Rio de Janeiro:, (2002), disponível em:http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/

 

[24] D’AMBROSIO, U. “Para uma abordagem multicultural: o Programa Etnomatemática”. Entrevista de Vieira, N., Revista Lusófona de Educação, Lisboa, (2008) disponível em: www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?...

 

[25] SANTOS, S.B., “Um discurso sobre as ciências” 7ª Ed. Edições Afrontamento (1987), Portugal.

 

[26] BASSO, M., “Ciências humanas e ciências naturais, na visão de Boaventura Santos”, Revista Humanitates, Volume I - Número 2 - Novembro 2004 - UCB, (Brasília) disponível em http://www.humanitates.ucb.br/2/santos.htm


 [lf1] Escrever por extenso o que significa a sigla