O desemprego estrutural e a pobreza mundial fazem com que a questão sobre a renda mínima esteja na pauta de discussão das políticas sociais em todo o mundo. Apesar da emergência de soluções, não há consenso sobre o assunto. Entendemos que isso se deve as metodologias utilizadas que ora priorizam uma perspectiva nacional ora uma perspectiva apenas local de estudo, sem levarem em consideração, também, as transformações globais e/ou transnacionais. Fugindo dessa polarização discutiremos aqui uma nova perspectiva calcada numa proposta cosmopolita apresentada por Beck.

Palavra: Metodologia cosmopolita, renda mínima, políticas sociais

The structural unemployment and the world-wide poverty put the question on minimum-income in the guideline of quarrel of the social politics in all world. Although the emergency of solutions, there is no consensus on the subject.

We understand, the reason is the used methodologies which however prioritize one national perspective however a only local perspective of study, without considering, also, the global and/or transnational transformations. Running away of this polarization we will argue here a new perspective supported on the cosmopolite (cosmopolitan) proposal presented by Beck.

Word: Cosmopolite methodology, minimum-income, social politics

Introdução

Este trabalho tem por objetivo apresentar uma discussão das questões sociais contemporâneas a partir de um prisma que não enfoque apenas a conjuntura atual e local. Propomos uma perspectiva mais abrangente partindo de suas causas mais globais e históricas como aconstrução do modelo econômico liberal na Europa dos séculos XVIII e XIX.Para isso precisamos de uma nova metodologia que supere a perspectiva local e nacional e que possa compreender melhor os problemas sociais locais e proponha soluções mais apropriadas para retomar a cidadania das pessoas atomizadas e marginalizadas pelo atual modelo econômico de modo que também restaure o espaço publico de debate, sugerimos então o método cosmopolita.

Origens das políticas Sociais

A preocupação com a pobreza resultante das desigualdades sociais e a má distribuição de renda, criada pelo modelo liberal, se tornou mundial com a expansão do capitalismo a partir do século XIX (POLANYI: 2000). Com o objetivo de minorar estes problemas foram desenvolvidos diferentes programas e mecanismos de assistência ou garantia de renda mínima destinados a públicos diversos e com objetivos e critérios variados, embora muitos acreditassem que o próprio sistema solucionaria tais o problemas. Entretanto, em todo mundo, o alvo foi sempre criar uma rede de proteção social para as populações mais pobres, através de uma transferência de renda complementar (SUPLLICY: 1992).Assim, nos EUA existe o EITC – Earned Tax Credit, um imposto de renda negativo, no Uruguai, Chile e Argentina existe a "asignación familiar", um programa que complementa uma renda mínima para as famílias que tenham crianças freqüentando escolas.Na Venezuela, o programa de "Beca Escolar" foi substituído pelo "Programa de Subsídio Familiar", que consiste em pagamento em dinheiro para famílias carentes que possuem crianças freqüentando a escola de educação básica.No Brasil foi instituído atualmente o Programa de Bolsa Família.Na França, com a crise do Estar de Bem Estar Social tem sido implementado o RIM – Renda Mínima de Inserção que discute a necessidade, ou não, de exigir contrapartidas dos indivíduos beneficiados com vistas à preparação para um novo emprego, considerando as mudanças estruturais porque passa a economia mundial capitalista e a conseqüente ameaça do fim do emprego.

Com a implementação do novo modelo capitalista, desorganizado e flexível, percebemos que os avanços tecnológicos, econômicos e da produção não tem contribuído para a expansão do emprego na verdade, temos observado uma crescente regressão no mundo, do pleno emprego.No que concerne ao Brasil, Pochamann (2006) afirma que há um crescimento da desigualdade de renda familiar e o aumento do desemprego empurrando os indivíduos para o trabalho informal e precário, sem garantias de proteção social, jogando-os a marginalidade em busca de oportunidades não oferecidas pela sociedade civil ou o pelo Estado, entretanto, do ponto de vista técnico, o autor afirma que é "inegavelmente possível (...) todos trabalharem, e trabalharem com menor jornada (...) é possível todos terem uma remuneração muito mais elevada, porque tecnicamente a economia possibilita isso."

Em toda a América Latina a situação não tem sido diferente, segundo relatório de Indicadores do Desenvolvimento Mundial 2007, divulgado pelo Banco Mundial (Bird), a faixa das pessoas que vivem com menos de US$ 2 dólares por dia, ainda é muito grande e os avanços são pequenos, o índice caiu de 26,2% da população em 1990 para 22,2% em 2004, mas o número absoluto de pessoas nessas condições aumentou no período, passando de 115 milhões para 121 milhões.

Os estudos, até então, das causas dos problemas sociais e as propostas de soluções têm sofrido fortes criticas das áreas acadêmicas e de setores políticos, entendemos que isso se deve as metodologias utilizadas que ora priorizam uma perspectiva nacional ora uma perspectiva apenas local de estudo. Fugindo dessa polarização discutiremos aqui uma nova perspectiva calcada numa proposta cosmopolita apresentada por Beck (2003).

Em busca de uma metodologia

Discutir os problemas sociais exige, além de considerar as questões locais e nacionais, levar em consideração também, as transformações globais e ou transnacionais que vêm ocorrendo no mundo contemporâneo.Desse modo, há uma demanda de nova metodologia que ultrapasse uma concepção global do capital e ao mesmo tempo que, não esteja focado apenas sobre as questões nacionais e locais. Beck propõe o método cosmopolita buscando articular as questões locais, as nacionais e globais essenciais, interligando-as de modo que as implicações tornam-se dialéticas, ou seja, o que acontece na esfera local, nacional e global afeta o conjunto como um todo. Nessa concepção não há mais o espaço de fatos isolados, havendo sempre uma reação em rede, ou seja, cosmopolita.

A metodologia nacionalista é limitada por se centrar na perspectiva social-científico do observador e de modo parcial. Nessa situação o observador não percebe que muitas vezes, a solução de problemas locais ou nacionais está relacionada questões mais globais ou transnacionais que estão fora do alcance do que foi diretamente observado.Segundo Beck (2003), entretanto, "uma refutação da metodologia nacionalista de um viés estritamente empírico é conseqüentemente difícil, quase impossível, visto que muitas categorias e procedimentos estatísticos da pesquisa são baseados nele". Apesar dessa constatação, tal fato não o impede de apontar a necessidade de uma reconstrução e redefinição paradigmática da ciência social, passando da perspectiva nacional a uma perspectiva cosmopolita, ampliando assim, os horizontes da pesquisa social da ciência, visto que atualmente há uma dificuldade em se identificar o que é "o interior" e "exterior" ao Estado nacional.A definição de uma fronteira entre a "política nacional" e "a política internacional", "a doméstica e estrangeira" é hoje um desafio irreal no mundo globalizado.

A identidade do Estado nacional foi afetada em suas bases, observa Bauman (1999), ao afirmar que Estado Moderno que se apóia no tripé das soberanias militar, econômica e cultural tem sua unidade abalada, sendo que a parte mais estremecida é o suporte econômico.Isso se deve segundo o autor a inexorável disseminação das regras de livre mercado do capital e das finanças que fogem ao controle político, restando ao Estado a tarefa econômica de garantir "orçamento equilibrado" e policiarparacontrolar as pressões locais vigorosamente.

Nesse contexto do mundo globalizado e neoliberal, os problemas nacionais, podem ter melhores soluções, escapando a teoria dos jogos de soma zero, através da cooperação transnacional/nacional, podendo até mesmo fortalecer o Estado Nacional. Deste modo, torna-se necessário um sistemático questionamento, numa perspectiva cosmopolita, de toda a conceitualização da metodologia nacionalista como apontado por Beck, (2003).Entretanto, esta teoria, pressupõe uma superação de qualquer tipo de "imperialismo ocidental" ou de concepção unidirecional de modernidade. Mas cabe ressaltar que com a concepção cosmopolita, não significa "que tudo deva caminhar para um bom fim (...). Há atrás da cada esquina novas ameaças que ninguém está preparado para enfrentar".

Novos paradoxos em busca de soluções de velhos problemas:

O Início do século XX que foi considerado pelos marxistas como a entrada para o século do socialismo não ocorreu totalmente, entretanto, a partir da Segunda Guerra Mundial o mundo se transformou dividindo-se entre socialistas e capitalistas.O sentimento de insegurança generalizou-se na Europa e a descrença nos ideais liberais levou a substituição do capitalismo competitivo pelo capitalismo organizado, que desaguou no Estado de Bem Estar Social.Esta política de "compromisso social-democrático", segundo a definição de Santos (1995), passa a proporcionar aos cidadãos europeus o acesso às condições mínimas de reprodução da força de trabalho, associando os direitos civis e políticos, aos direitos sociais em troca da desradicalização das reivindicações sociais operárias.

No entanto, a partir do final do século XX e inicio do XXI, segundo Hartmann e Honneth (2006) passamos a viver os "paradoxos capitalistas" quando este passa para uma fase "desorganizada" e "flexível", instrumentalizando os quatros pilares básicos do Estado de Bem Estar Social defendidos pelos social-democratas, para emancipar e autonomizar o homem.São eles: 1- a institucionalização do individualismorefletindo a autonomia e a autenticidade; 2- a libertação dos relacionamentos íntimos dos últimos vestígios econômicos externos, desinstitucionalizando a família nuclear burguesa. 3- o reforço da idéia da ordem legal moderna da igualdade; 4- o princípio moderno da realização através do valor real de seu trabalho para a reprodução social.

Tais pilares foram paradoxalmente transformados, pois, uma vez argumentos criados para defender a emancipação social, foram instrumentalizados para promover a alienação dos indivíduos.Eles não foram mudados em sua base e sim re-estruturados e re-significados.Para Hartmann e Honneth (2006) as questões normativas progressistas, projetadas para a emancipação dos indivíduos foram justapostas a elementos conservadores do desenvolvimento social.O paradoxo se distingue precisamente pelo fato de que elementos positivos e negativos são misturados, de modo que as melhorias de uma situação aparecem junto com suas deteriorações.

Podemos notar aqui que dois pilares, um que re-valoriza o indivíduo autônomo eoutro que desinstitucionaliza o amor romântico e a família nuclear burguesa foram transformados, paradoxalmente, em ideologias no capitalismo flexível, tornaram as pessoas e as organizações ainda mais individualistas e incapazes de estabelecer relações há longo prazo (SENNETT: 1999). As relações de confiança e lealdade e solidariedade entre colegas de trabalho e entre as empresas e funcionários estão sendo corroídas pelas organizações agora flexíveis.

Outro pilar da Social Democracia como o reforço da idéia da ordem legal moderna da igualdade; foi paradoxalmente, também, transformado, de modo a ocultar os conflitos hierárquicos entre os empregados (taylorista), e também ocultar as concepções de conflito de classe e de interesses, de forma estrategicamente, por uma organização dita coletiva, cooperativa e colaborativa no espaço de trabalho, aumentando a dependência das pessoas na forma de compromisso aos interesses do capital e enfraquecendo a solidariedade sindical.

O ultimo paradoxo analisado por nós se refere ao princípio moderno da realização através do valor real de seu trabalho para a reprodução social.Este paradoxo é fundamental para a compreensão da institucionalização das políticas sociais.Pois, enquanto no "Estado de Bem Estar Social" europeu, como afirmam Hartmann e Honneth (2006), a responsabilização e emancipação do cidadão era a finalidade das políticas de assistência e renda, hoje, no novo capitalismo flexível, estas passaram a ser condição para receber quaisquer benefícios sociais.Isto é, os indivíduos devem demonstrar auto-responsabilidade para oferecer contrapartidas, do contrário pode se caracterizar praticas paternalistas e clientelistas.O que significa, paradoxalmente, exigir a priori, responsabilidade de quem ainda não a constituiu, pois, responsabilidade é um conceito que possuiu originalmente características completamente emancipatórias, as quais se devem esperar a posteriori.

Concordamos que programas de assistência ou de renda mínima podem causar estigma ou vícios como afirma Parijs (2003), mas a implementação de políticas sociais, hoje no Brasil, é uma questão de justiça social (RAWLS: 1997) que devem estar acompanhadas de outras políticas de do combate as mazelas do Brasil tais como: a grande desigualdade de renda, a violência, o analfabetismo, o desemprego, o subemprego.Acreditamos, ainda que uma renda básica ou mínima seja necessária, mas não suficiente para garantir a emancipação do cidadão se não garantir o emprego seguro e, também, como nos alerta Bauman (1999), se não for superada a ideologia da sociedade de consumo.

A emancipação, entretanto, é condição necessária na formação do cidadão, aquele que de acordo com Habermas (apud VIEIRA: 1997) pode agir por meio da ação comunicativa (dos atores sociais) no espaço público onde ocorre a formação de consenso democraticamente constituído.

Conclusão

Entendemos que implementar uma política de renda mínima no Brasil e em toda a América Latina, exige uma nova metodologia de pesquisa que articule as questões locais, as nacionais e globais essenciais para compreender e buscar soluções para os problemas sociais que hoje são uma questão cosmopolita.Acreditamos que os atores sociais devam agir, mais que nunca, na retomada do espaço público de debate, mesmo considerando as constatações de Bauman (1999) acerca do seu processo de controle e privatização, e de Senett, sobre o "declínio do homem público", acreditamos que hoje é necessária a retomada da política, no seu sentido grego.O que significa o retorno à reflexão critica e o resgate da consciência da autonomia dos indivíduos na ordenação da sociedade.Entretanto, o espaço público, hoje, segundo (Beck: s/d), não pode, também, ser mais apenas local ou nacional, mas transnacional ou cosmopolita.

Referencia

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