Cidadania Ambiental em Moçambique: Sonho ou Realidade?[1]

Lúcio Dionísio Pitoca Posse
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Cidade de Maputo - Moçambique


A cada dia que passa cresce o número de instituições interessadas na preservação e conservação do meio ambiente em Moçambique, umas que trabalham exclusivamente nas comunidades rurais e outras que actuam nas comunidades urbanas e ainda outras que actuam em ambas comunidades.

Quase todas no desenvolvimento das suas actividades de preservação e conservação do meio ambiente acabam por desenvolver actividades de Educação Ambiental porque, acredito eu, que consideram que o problema ambiental tem as suas bases no desconhecimento das práticas que perigam o ambiente. Em parte, concordo que, realmente, a falta de informação por parte da população faz com que desenvolvam actividades que degradam o ambiente. Mas também a falta de alternativas, pobreza, por parte da mesma população os coloca na condição de praticar actividades que degradam o meio ambiente para a sua sobrevivência. Todavia, neste texto irei deter-me, em particular, naquilo que é a minha percepção sobre os programas de Educação Ambiental desenvolvidos pelas instituições no geral.

A Educação Ambiental é a principal prática responsável pela construção da Cidadania Ambiental, isto é, para formação de indivíduos conscientes das suas responsabilidades de preservação e conservação ambiental no contexto da crise ambiental global, nacional e local.

Da pesquisa que tenho feito - observação, leitura de artigos de jornais e revistas, leitura de programas de Educação Ambiental, infelizmente quase nada de artigos científicos porque pouco se escreve, conversas com coordenadores de programas de Educação Ambiental, tem me perturbado muito, pelo facto de nas abordagens considerarem que a população moçambicana é uma tabula rasa, isto é, não sabe nada sobre os problemas ambientais. É fácil notar isto, pois, não existe evidência de estudos de percepção ambiental feitos antes da implementação de qualquer programa de Educação Ambiental. Estes estudos serviriam para medir o nível de percepção ambiental da sociedade e com isso desenvolver programas que se enquadrem na realidade local.

Considerar necessário a elaboração de estudos de percepção ambiental antes da implementação de programas de Educação Ambiental está relacionado com o facto da Educação Ambiental ser uma prática que insere aspectos sociais, culturais, económicos, políticos, aspectos estes, que variam de contexto para contexto e que quando não observados o resultado fica praticamente condenado ao fracasso. E com o fracasso dos programas é comum ouvirmos acusações à população moçambicana, considerando-a incapaz, retrógrada, presa a hábitos descontextualizados e por aí fora.

Outra questão que considero pertinente, está relacionada com a informação que é disseminada nestes programas de Educação Ambiental. Muitas vezes estes programas são carregados de percepções pessoais (das pessoas que os desenharam) que é resultado da sua construção de indicadores sobre o que são problemas ambientais, riscos ambientais, etc. Com isso, elas podem contribuir para a construção de indicadores de risco ambiental graves na sociedade, que na verdade pode não ser um risco ambiental grave.[2] Um caso claro, temos a emissão de gases pela Mozal sem uso de filtros (CTF1 e CTF2). No meu ver, houve um alarme provavelmente acima do necessário, uma vez que após o período de emissão dos gases sem uso de filtros, o relatório vem provar que não houve emissão de gases que danificaram o meio ambiente.[3] O que quero aqui dizer é, se todos nós sabemos que a Mozal polui, e partimos deste pressuposto que ela polui, então sem os filtros consideramos que irá poluir ainda mais, por isso desenvolveram indicadores de risco ambiental graves e disseminaram na sociedade, provocando com isso pânico no seio da comunidade que vive ao redor da Mozal. Com isso, sinto que há uma grande necessidade de cuidado no processo de produção e disseminação de informação no contexto de Educação Ambiental.

Nossa percepção em relação ao risco ambiental deve ser resultado de estudos numa dimensão interdisciplinar que envolva pesquisadores de vários campos de saber. Isto porque a análise de risco ambiental envolve dimensões sociais, culturais, económicas, políticas, ambientais, tecnológicos e naturais. Infelizmente isto não acontece porque não se desenvolvem estudos ambientais nesta perspectiva e como resultado desenvolvem-se indicadores carregados de subjectividade.

Enquanto não fizermos estudos que possam subsidiar os programas de Educação Ambiental estaremos a gastar dinheiro, gentilmente doado para a construção de uma sociedade moçambicana sustentável, numa actividade que estará sendo feita no vazio. E como resultado dificilmente iremos construir e exercitar a Cidadania Ambiental, último fim, sociedade sustentável. Mas com isso não quero dizer que o fracasso da construção da Cidadania Ambiental está exclusivamente dependente da prática de Educação Ambiental, como Carvalho [4] afirma

"Mesmo reconhecendo a importância da EA, enquanto promotora de uma nova consciência [?] ambientalista, é inegável que desligada de uma política ambiental mais efectiva e acompanhada de uma legislação rígida socialmente referenciada, ou de acções voltadas para uma distribuição de renda mais igualitária ou ainda para a construção e manutenção de um contexto político-cultural favorável, estaremos agindo no "vazio", longe de vislumbrar um futuro sócioambiental menos desolador."

Gostava de concluir perguntando, será que a Cidadania Ambiental em Moçambique já é uma realidade ou ainda continua sendo um sonho muito aquém de ser concretizado? Com este texto quero convidar a todos a uma reflexão sobre Cidadania Ambiental em Moçambique.

A sociedade sustentável que tanto almejamos é construída com o envolvimento de todos, numa acção colectiva e consciente e nunca isolada, num processo de mudança de comportamentos em relação ao meio ambiente.

[1] Este texto é resultado de uma reflexão no contexto do Projecto de Investigação, em elaboração, sobre Construção da Cidadania Ambiental em Moçambique.
[2] Como afirma Beck (2001) citado por Chevitarese e Pedro (2005: 4). "[?] enquanto o olhar sobre o risco possibilitaria resguardar um vector de objectividade, a percepção subjectiva do risco poderia liberar nossas maiores e piores fantasias sobre os perigos do mundo, abrindo uma esfera passível de manipulação por diferentes segmentos sociais." (CHEVITARESE, L. & PEDRO, R.: "Risco, Poder e Tecnologia: as virtualidades de uma subjectividade pós-humana".In: Anais do Seminário Internacional de Inclusão Social e as Perspectivas Pós-estruturalistas de
Análise Social. Recife: CD-ROM, 2005, 27p. Disponível em: http://www.saude.inf.br/artigos/riscopoder.pdf.. Acedido a: 18 de Abril de 2011).
[3] Ver: Mozal Comunicado CTF's do dia 08 de Abril de 2011.
[4] 2003 citado por SOARES, et al. (S.D.). Educação Ambiental: Construindo Metodologias e Práticas Participativas. P. 8. Disponível em: http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro2/GT/GT10/ana_maria_dantas.pdf. Acedido a: 17 de Abril de 2011.