CICLOS DE FORMAÇÃO: MUDANÇA NA EDUCAÇÃO ESCOLAR


Juliana Pereira Barbosa*


Resumo: O texto procura mostrar como está sendo procedida a reorganização da escola fundamental brasileira com a perspectiva do regime de ciclos de formação. Sintetiza aspectos da concepção de ciclos. Aborda a questão da reorganização do tempo escolar, ponto marcante na proposta dos Ciclos. Tenta, também, apontar quais são as implicações da adoção desse regime para o trabalho pedagógico dos professores cuja formação foi (e ainda está sendo) ancorada no regime seriado.


Palavras - chave: Ciclos. Tempo. Professores. Proposta.


1 Introdução

A educação brasileira passou por inúmeras transformações desde seu início com a chegada dos jesuítas até os dias atuais. Ultimamente vivenciamos mudanças na educação escolar, como por exemplo, a seriação que passara a ser substituída pelo ciclos de formação ou progressão continuada. Tal mudança vem gerando grandes conflitos e de certo modo rejeição por parte de alguns educadores e até mesmo de pais de alunos.
Os Ciclos de Formação compreendem uma das formas de organização escolar do ensino fundamental, previstas na LDB. Tem como base a enturmação dos alunos com referência na idade. A partir disto, o processo de escolarização busca contribuir com o desenvolvimento integral do estudante. Nos ciclos todas as atividades desenvolvidas com os alunos devem considerar a heterogeneidade da turma, sendo esta a força motriz da aprendizagem escolar.
O presente trabalho busca abordar os fundamentos teóricos relacionados aos Ciclos de Formação, bem como os reflexos quando de sua implantação. Busca-se também compreender as dificuldades que hoje ainda se apresentam em diferentes redes de ensino, na tentativa de romper com a seriação como única forma de organização da escola de ensino fundamental.



* Aluna do curso de Geografia pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Artigo produzido no V semestre, turno noturno, na disciplina Política educacional, em Julho de 2010.

2 Ciclos de Formação

A educação, assim como outras estruturas de uma sociedade, passou por grandes mudanças. Após a Segunda Guerra Mundial, vários países se deram conta da necessidade urgente de adotar um novo modelo de educação e mudar radicalmente a cultura da escola. Mesmo com as dificuldades do pós-guerra rompem com o modelo anterior e adotam o sistema de progressão continuada da aprendizagem assegurar a permanência das crianças na escola e a formação de cidadãos críticos e criativos. (NEUBAUER, 2000).
Em 1996 No Brasil, é promulgada uma nova Lei de Diretrizes e Bases nacionais (LDB), sob a inspiração do educador Darcy Ribeiro. A nova LDB foi exaustivamente debatida pela sociedade recebeu a aprovação do Congresso Nacional, das entidades de classe e de todos os diferentes partidos políticos. (NEUBAUER, 2000).
Na LDB de 1996, estão inscritas e garantidas às diferentes formas de organização do ensino que ampliam as possibilidades de avanço e respeito à aprendizagem dos alunos. É nela que está claramente proposta a aprendizagem em progressão continuada na forma de ciclos.
Na LDB (NEUBAUER, 2000) encontram-se pontos características dos ciclos tais como: ampliação da jornada escolar, a recuperação paralela e contínua dos alunos com dificuldades de aprendizagem, as horas de trabalho coletivo remunerado do professor para avaliação e capacitação; a proposta de esquemas de aceleração de aprendizagem para alunos multirrepetentes com grande defasagem idade-série; além do direito à reclassificação de estudos para todos aqueles que conseguiram aprender independentemente da freqüência as escolas.
Os Ciclos de Formação surgiram diante da necessidade de reorganizar o tempo escolar em decorrência do baixo desempenho escolar apresentado pelos alunos do Ensino Fundamental. É uma concepção de ensino que se orienta através do desenvolvimento individual de cada educando.
Ciclos de Formação estão relacionados a uma concepção de ensino em que a escola deve integrar os conteúdos à realidade do educando e à organização social vigente, "quebrando" a rigidez na organização do tempo escolar, pois exige uma modificação na visão que o educador possui do educando, conscientizando-o de que cada aluno possui tempos diferentes de construção de seu conhecimento. Essa inovação necessita de uma reconceituação do espaço escolar, ocasionando mudanças que englobam todo o processo ensino-aprendizagem.
O ensino fundamental que se organiza em ciclos enturma crianças e adolescentes de acordo com as fases de desenvolvimento: infância ( 6 a 8 anos); pré-adolescência ( 9 a 11 anos); adolescência (12 a 14 anos). Krug assim diz:

Essa forma de organizar o ensino fundamental está presente em países como Espanha, França, Argentina, (nível federal) e alguns estados dos EUA. No Brasil, já estão em implementação escolas por Ciclos de Formação em Belo Horizonte e São Paulo (município) e, em fase de implantação, em Chapecó, Blumenau, Ipatinga, Cuiabá, Brasília, Curitiba, Santo André, Santo Cristo, Caxias, Gravataí, Alvorada e outros. (2006, p. 13).



3 Reorganização do tempo na escola
Pouco se fala da questão do tempo, o qual já é determinado para cada aula. Isto é algo que vem historicamente e culturalmente implantado há muitos anos. Lima descreve que:
A temporalidade da cultura escolar vigente está de tal forma internalizada, que o tempo, tal como ele está organizado, não é sequer lembrado nas discussões pedagógicas e nunca é seriamente questionado. (LIMA, p.4, 2002).
É de extrema importância se pensar na questão do tempo quando se quer obter bons resultados no processo ensino-aprendizagem. Para tanto, é preciso analisar o modelo herdado da Europa em que a inflexibilidade do tempo faz com que as aulas e os conteúdos se adaptem ao tempo e não às necessidades dos alunos.
Lima (2002) traz uma definição bem simples, clara e objetiva para compreendermos o que vem a ser o ciclo de formação:
Ciclo de formação é conseqüência da reconceituação da escola como espaço para formação, não só de aprendizagem (...) não se trata, portanto, de justaposição de aprendizagens das várias áreas, mas concebe-se o conhecimento como parte integrante da formação humana, o que inclui, certamente, a dimensão ética da aquisição e uso do conhecimento. (p.8).
Educação por ciclos de formação é uma organização do tempo escolar de forma a se adequar melhor às características biológicas e culturais do desenvolvimento de todos os alunos. Devemos ter cuidado e pensar que educação como ciclo de formação: não significa, portanto, dar mais tempo para os mais fracos, mas antes disso, é dar o tempo adequado para todos. (LIMA, p.9, 2002).
Portanto, a idéia de ciclos confere ao processo de aprender o que é: um trabalho com conteúdos do assim chamado conhecimento formal, simultaneamente ao desenvolvimento de sistemas expressivos e simbólicos a formação.
Segundo Wallon, citado por Lima (2002) a educação por ciclo se justifica, pelo fato de que a educação deve ser adaptada ao homem e não aos interesses particulares ou transitórios da economia, da política, nacional ou internacional, das ideologias, nacionalidades ou culturas, como na verdade a educação atual ocorre.
O ponto de partida para compreendermos este ponto que autora descreve, nada mais é, do entender que o ser humano tem seu desenvolvimento diferentemente das condições de cronologia e calendário seguidos na escola.

4 Os Ciclos na prática e visão dos professores
Segundo Guilherme (2003) a reflexão no interior dos órgãos responsáveis pela educação no país, acesso e permanência dos alunos na escola, fez com que a proposta do ensino em ciclos com Progressão Continuada surgisse com mais força, ainda, na década de 90, numa tentativa de regularização do fluxo de alunos e eliminação da repetência. Assim, a proposta passa a ser vista como uma solução para o problema da evasão e repetência. Guilherme lembra que:
Ao mesmo tempo as pistas iniciais apontavam que a medida é vivenciada pelos atores educacionais como um conflito na realidade escolar, aparentemente uma medida de gabinete imposta, incoerente na prática e não entendida por não levar em conta o que pensam os professores, tomada para atender supostamente a exigência das agências internacionais de fomento à educação, viabilizadas pela política educacional de implantação de mecanismos que se propõem à melhoria da qualidade e universalização do ensino em nosso país e em outros em desenvolvimento. (2003).

A implantação dos ciclos em algumas regiões do Brasil gerou inúmeras reações por parte daqueles que estão envolvidos com a educação, principalmente dos professores que estão diretamente ligados com as mudanças ocorridas por esse novo regime. Muitos profissionais da área se sentiam inseguros e de certo modo contra a essa nova proposta por se tratar de algo que requer toda uma reestruturação do trabalho docente. Contudo, fica evidente a capacidade que os professores têm em lidar com as mudanças, pois significadamente conseguem desenvolver seu trabalho. Para Guilherme,

o professor atua nos espaços e tempos escolares com um saber construído principalmente ao longo da carreira e também orientado por decisões diárias, quase que "improvisos" que dependem dessa experiência e formação. Esta é sem dúvida a particularidade do trabalho docente e a autonomia existente na sala de aula que não é destruída pela ação externa. (2003).

Na cidade de Vitória da Conquista (BA), por exemplo, já vigora no ensino fundamental esse tipo de organização. No início, segundo relato de alguns professores, quando foi apresentada essa proposta ao município teve espaço sim para discussões, mas não houve consenso. Poderíamos afirmar que não houve necessariamente uma rejeição da proposta, mas sim um questionamento com relação a capacitação, ou melhor, a formação do professor para trabalhar com os ciclos. Não é de se estranhar a recusa dos professores no primeiro momento em que foi apresentado a proposta dos ciclos, já que essa não foi oferecida adequadamente. Foi uma mudança radical, levando em consideração que o professor a partir de então, passava a trabalhar numa sala com uma diversidade imensa com relação ao desempenho dos alunos. Quando de sua implantação, houve por parte do magistério séria oposição aos Ciclos, cremos pela inexistência de amplo debate, entre a Secretária de Educação e profissionais das escolas.
É sabido que em muitos casos as escolas continuam trabalhando o sistema seriado em seus aspectos positivos e negativos, e o mais grave, um sistema seriado que não admite retenção. Isso acontece devido às inúmeras impossibilidades que algumas escolas e/ou educadores se deparam ao trabalharem com os ciclos. Essa mudança não só atinge aos professores, mas diretamente aos alunos que muitas vezes não conseguem acompanhar seus colegas, ainda estando eles na mesma faixa etária.
Os pais também não compreendem tal mudança, e a cobrança por parte deles também é assídua. Já que os mesmos não foram esclarecidos efetivamente a respeito dos ciclos, passando assim a recusarem e reivindicarem a volta da seriação. Os professores por sua vez, diante dessa situação se vêem obrigados em muitas vezes a manter o trabalho que vinham realizando antes da mudança. Como conseqüência disto é que alunos são promovidos para séries seguintes sem condições de acompanhá-las - promoção automática -, contrariando os princípios contidos no Sistema de Ciclos nos quais o aprendizado deveria ser gradual, respeitando o ritmo de cada aluno.


A falta de indicativos, parâmetros e identificação dos mínimos necessários de aprendizagem em cada fase de desenvolvimento ou série fazem com que o professor baseie sua prática no referencial anterior de currículo, programas e conteúdos. Esse mecanismo de preservação do saber docente se fortalece quando os entrevistados afirmam que não participaram da elaboração da mudança, não foram devidamente capacitados para isso e, especialmente, quando falam que o regime deixa pouca autonomia para o professor tomar suas decisões. (2003).

O professor tem plenas condições de optar quando o que está em foco é a melhoria do processo ensino-aprendizagem. Ele está diretamente ligado às mudanças, sendo assim, não pode ficar de modo algum de fora de discussões escolares, ao contrário deve ser a todo o momento ativo/participativo ? algo que em diversos momentos não é levado em consideração. Sua função é de fundamental importância e tem que ser levada em conta, nas diversas dimensões pedagógicas, ainda mais quando se trata de mudanças no regimento escolar.

Quando os professores apontam as incoerências, discutem os pontos que consideram falhos no novo regime e até sugerem soluções para resolução dos problemas apontados, provam que analisam, refletem, enfim, são sujeitos do seu fazer e estão compreendendo de maneira muito acertada todas as imperfeições do regime, desde a falta de clareza da proposição até o fato da Progressão Continuada poder se tornar promoção automática pelas incoerências no seu interior. (GUILHERME, 2003).

Ao analisarmos a proposta dos Ciclos, podemos perceber que se for implantado de maneira correta, com discussões aberta aos professores, com recursos adequados, consequentemente terá bons resultados. O que se nota é que, nem sempre ocorre de maneira adequada a forma como se é implantado o Ciclos de Formação em determinado local.
Para que uma escola garanta acesso, permanência e sucesso, há que se verificar a existência de condições objetivas (condições efetivas de trabalho - organização da prática, materiais, salários, etc.) e subjetivas (formação do professor) a fim de que se efetive a mudança para o regime de Progressão Continuada ou qualquer outra mudança. Caso contrário, provavelmente, teremos índices que comprovarão a garantia de ensino a todos, mas sem a certeza de qualidade e sucesso para todos os alunos. (GUILHERME, 2003).
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Em Vitória da Conquista - BA, exemplo citado anteriormente, segundo alguns professores os Ciclos foi implantado sem que se desse respaldo a eles, sem dar-lhes condições necessárias para um bom trabalho, já que estamos tratando de uma forma de ensino nova e até então estranha a esses professores. Seguindo essa lógica não poderia ser outra a reação dos professores senão a de rejeição, tornando-se essa mudança algo imposto. Esse tipo de situação gera desconforto em muitos professores o que os leva em alguns casos a não conseguirem executar de forma saudável o seu trabalho. Os alunos por sua vez ficam a mercê dessas mudanças que em muitas vezes não atendem a suas necessidades, esses se transformam em meras mercadorias que com o passar do tempo serão transferidos a outros professores, suas dificuldades nem sempre vão ser sanadas e assim seguirão, ou melhor, serão "empurrados".

5 Algumas conclusões

Os Ciclos de Formação sempre apresenta dificuldades para ser assumida pelas instituições. Trata-se de uma reviravolta nos tempos e espaços das escolas. Todavia, se os alunos são escolarizados em boas condições, os ciclos oferecem uma organização do trabalho propícia a uma pedagogia diferenciada, conseqüentemente diminuindo o fracasso escolar. Para tanto, é preciso criar melhores condições e espaços e tempos de formação favoráveis a uma pedagogia diferenciada.
Um aspecto que precisa ser considerado nos conceitos de ciclo diz respeito à perda do apoio de professores e dos pais. Os primeiros se forem perdidos, afetam diretamente o processo de ensino-aprendizagem; os segundos, os pais, são vitais para a aceitação dos ciclos. É preciso envolver os pais no processo de implantação dos ciclos para que possam apreciar adequadamente o lado formativo da educação nesses ciclos e deixar de ver a escola como local em que se deva aprender apenas a ler, a escrever e efetuar contas.
Sabemos que a proposta dos ciclos é boa e por isso mesmo é apropriado que fique claro a sua importância como uma alternativa viável e recomendável, mas que para sua eficácia seja dada a verdadeira assistência até mesmo respalde os profissionais da educação oferecendo-lhes condições necessárias para que executem um bom trabalho, além de se fazer uma reorganização da escola como um todo.
São muitas as dúvidas que surgem com relação aos baixos desempenhos escolares dos alunos e dos professores na aprendizagem dos alunos, críticas ao modo como ocorreu a implantação dos Ciclos de Formação nas escolas, as conseqüências sociais na vida dos indivíduos que estão passando pelo período escolar sem dominar os conteúdos básicos, essenciais para o desenvolvimento pessoal e profissional, os interesses políticos e econômicos implícitos na proposta, entre outros. São questionamentos que serão esclarecidos no decorrer da história deixando, no entanto, cicatrizes profundas na vida dos educandos. Muito ainda precisa ser estudado, avaliado e discutido para podermos, verdadeiramente, argumentar sobre a proposta pedagógica dos Ciclos de Formação e também das políticas educacionais em geral.


Abstract:: This is to show how to reorganize the school's key Brazilian with the prospect of the system of training courses. Summarizing aspects of the design cycles. It addresses the issue of reorganization of school time, striking point in the proposal of cycles. Try, too, pointing out what are the implications of adopting such scheme for the pedagogical work of teachers whose training was (and still is) anchored in the series.

Key-Words: Cycles. Time. Teachers. Proposal.





Referências

KRUG, Andréa. Ciclos de formação: uma proposta político-pedagógica transformadora. 3ª ed. Porto Alegre: Mediação, 2001.

GUILHERME, Claudia Cristina Fiorio. A progressão continuada e a inteligência dos professores. In: REUINIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 26, Caxambu, 2003. Anais eletrônicos... Caxmabu: Anped, 2003. Disponível em: http://www.anped.org.br. Acesso em: 7 out.. 2005. (14 páginas).


LIMA, Elvira Souza. Ciclos de Formação: uma reorganização do tempo escolar. São Paulo: Sobradinho, 2002.


NEUBAUER, Rose. Quem tem medo da progressão continuada? Ou melhor, a quem interessa o sistema de reprovação e exclusão social? 2003. Disponível em: http://www.centrorefeducacional.com.br/progrcont.htm. Acesso em 9 julho 2008.