Resumo:

Nossa contemporaneidade não pode mais renegar o aparato tecnológico que a cada instante sofre mutações, tornando o homem/mulher, um vir-a-ser, buscando adequar-se ao ritmo sobre-humano de um virtualismo manifesto no campo da materialidade técnica, criando novas percepções que influenciarão de forma nunca vista a sociedade. Termos como cibercultura e hipertexto passam a vigorar, informação ágil, análises multifacetadas, relações em rede, um pluralismo que "globaliza" e ao mesmo tempo faz eclodir individualismos que depauperam o espaço público pela abrangência de sua influência transmissiva, outros contribuem com seu desenvolvimento, não podendo nem mais uma ciência isolada ou mesmo atreladas a outras, dar conta da variabilidade apresentada, seja metodológica, cotidianamente.


Introdução.

O homem deixa de fazer a tecnologia adequar-se a sua realidade, agora ele, antigo demiurgo, que busca acompanhar sua criação, com a velocidade além da concepção humana e as inúmeras possibilidades que atendem a necessidade humana de transpor limites, mesmo custando alienar-se em meio a um virtualismo tecnológico.
A tecnologia, responsável até certo ponto pelo desenvolvimento humano, torna-o escravo por dependência, aumentando o potencial de destrutividade a níveis inimagináveis. Também trazendo uma realidade atípica, possibilitando certas "conexões sociais" não imaginadas outrora, com redes de relacionamentos que ultrapassam as limitações geográficas através de fibra ótica e outros revestimentos tecnológicos, interagindo via satélite, com transmissão de dados espantosa.
Em meio aos diversos dilemas que tais adendos tecnológicos vieram incorporar a atual conjuntura, como perspectivas ainda obscurecidas do que virão acarretar a posteriori, o presente ensaio procura expor certas questões tão em voga na atualidade, com as restrições que a complexidade do assunto, assim como, sua tão recente constatação, merecem.


Cibercultura em Desenvolvimento.

Quando nos referimos à contemporaneidade, não podemos ocultar o que se chama de cibercultura, imaginando uma influência que a tecnologia vem causando ao homem/mulher, transformando o meio, alterando a percepção acerca da realidade, criando certo virtualismo ao conceber um mundo a partir do fenômeno tecnológico.
Falar de tecnologia, remonta a uma análise que busca certa genealogia em tempos primevos da origem humana, ou seja, o desenvolvimento "tecnológico" dos primeiros hominídeos, passando pelas sociedades ágrafas, a eclosão das ditas "primeiras civilizações", não desconsiderando períodos relegados a certo preconceito iluminista, como a Idade Média - alguns chegaram a conjeturar não ter havido"progresso" tecnológico -, também adentrando períodos como o Renascimento e por fim, chegando ao considerado ápice tecnológico e maior expoente da sociedade contemporânea, a chamada Revolução Industrial.
O desenvolvimento da industrialização destaca-se pelo período a partir do qual o processo de produção, sendo concebido de forma totalizante, faz eclodir uma volumosa produção de excedentes, necessitando um aumento de mão-de-obra em larga escala, que viria ser reduzida drasticamente pela mesma tecnologia, na verdade os que se servem dela, onde o sujeito despersonaliza-se em meio ao ambiente condicionado a certa normatização produtiva, desde a regulamentação do tempo, até a desvalorização daquele que produz em nome da supervalorização do produto, uma alienação.
Com a sofisticação tecnológica, onde me reservo o direito de ultrapassar diversas etapas da chamada evolução da tecnologia, chegamos a um universo de simulações, onde o indivíduo torna-se um coadjuvante, mesmo tendo sido protagonista da atual conjuntura e ainda estar implícito às simulações que o marginalizam.
Tal processo condiciona o sujeito a uma dependência tecnológica, onde passa a ser observado não a partir de si, mas do fator tecnológico determinante de sua condição em estar, projetando-o em uma realidade que desumaniza.
Não que o sujeito deixe de existir, mas considera-se ínfimo diante de uma tecnologia que irá condicionar sua conduta, tornando-o dependente a ponto de desreferenciar-se. Torna-se um apêndice por alienar-se diante de sua função como real possuidor de atributos valorativos e evidente parâmetro para a realidade tecnicista, ou seja, condutor da tecnologia, por mais que esta se autonomize.
Somado a tal perspectiva, temos todo um aparato científico, servindo-se de uma metodologia também moldada em probabilidades tecnológicas, onde questões de ordem estatística por exemplo, tornam o sujeito apático, condicionado a dados aritméticos, insensíveis aos humanos que se deparam com números despersonalizantes, onde quantificações assemelham-se a etapas do excedente fabril.
As chamadas Ciências Humanas (conforme terminologia universitária consagrada na França em1957) ou Ciências Sociais (segundo o uso anglo-saxão), não estão livres da influência despersonalizante, até por servirem-se de conceituações de outras áreas do conhecimento humano, criando um aprofundamento de caráter insensível, por estarem mais próximas da identificação do cientista, facultando intelectuais a divulgarem ideais que tornam tais processos mais "assimiláveis".
Assim como, os computadores, com sua forma analógica, condicionada a uma redução lógica-binária de construção dedutiva de bits, que atendem uma demanda social e limitações intelectuais, condicionantes também a certo materialismo sócio-temporal, dos técnicos responsáveis por seu desenvolvimento, os cientistas sociais, ou procurando ser menos generalista e mais relativista, alguns deles, fizeram suas análises pautadas em tais argumentações pasteurizantes.
Desta forma, temos análises conforme certos moldes positivistas, que procuravam ignorar toda uma conjuntura em prol de uma possível fidedignidade metodológica. Tendo como premissa, o sujeito condicionado pelo método, ignorando o que foge a uma lógica reducionista de análise, extremamente contraditória e falha, além de desumanizar tanto o cientista quanto à própria sociedade, por concebê-los em uma esfera coisificante.
A palavra "coisa" aparece como forma de apresentar algo que não pode ser identificado à princípio, apenas constatado por ser despersonalizado, um "aparte" em relação à realidade, absoluto que emerge a partir da "verdade metodológica" moldando de forma estruturalizante àquilo que percebe, deturpando a percepção que é sensível ao manifesto, criando um ideal concebido, evocando para legitimar-se, a funcionalidade do método e a materialidade domesticada do objeto, além da passividade do observador.
Atrelado a tal coisificação, temos a chamada cibercultura, aqui sendo abordada sem atributos pejorativos, apenas como recorrência de uma nova postura social, que aparece manifesta também em uma metodologia, apresentando características como: visão multifacetada, velocidade de informações, pluralismo, alienação e tantos outros pontos que poderiam ser examinados, além de uma infinidade porvir, devido a sua existência recente na contextualização histórica.
A metodologia, procurando adequar-se à cibercultura, busca paridade entre método e esta nova forma de percepção, em uma busca frenética que a chamada "Modernidade" antecede. Agora, procurando acompanhar em ritmo sobre-humano, mais condizente com a terminologia "Pós-Modernidade", na qual a velocidade de dados torna a cada instante, obsoleta a informação, necessitando assim, de uma plasticidade que procura conservar-se em meio à pluralidade de contra-argumentos, criando uma argumentação contemporânea, maleável.
Outro ponto notório nesta cibermetodologia é a impessoalidade, pela distância em que os dados são transmitidos, não ocorrendo contato direto entre transmissor e receptor, apenas um link virtual em um ciberespaço, como é o caso da internet, favorecendo o desapego a questões consideradas "distantes". Ao mesmo tempo, um aumento de acesso a áreas outrora inacessíveis, remetendo a chamada pluralidade, com uma realidade multifacetada, onde abrimos um "leque" a cada perspectiva, não podendo nem mesmo conceber a resolução de tão abrangente efeito, mesmo sob uma perspectiva de interdisciplinaridade.
Não se pode esquecer que a realidade já se manifestava como além de suas possibilidades de apreensão, entretanto, com o desenvolvimento tecnológico, a busca voraz de domesticar a natureza, em certas etapas, o homem/mulher, imaginou-se conduzindo a realidade, pelos efeitos emergenciais, simplificantes, que surgiram de acordo com as necessidades recorrentes, sendo a tecnologia, associada a fatores como o crescimento demográfico, fizeram aumentar de forma desproporcional a complexidade da chamada "sociedade civilizada", onde o próprio aparato tecnológico adquiriria certa autonomia, com intuito de remediar o caos produzido.
A tecnologia acabou criando um universo paralelo, aumentando a complexidade da realidade em relação à percepção humana, fazendo com que o sujeito se transformasse para alcançar o progresso tecnológico, ao contrário da tecnologia primeva que possibilitava ao indivíduo uma forma de equiparar-se ao que lhe escapava os sentidos, agora havia desenvolvido uma tecnologia, que apesar de ainda dependente da ação humana, ultrapassara as condições de seu criador, fazendo com que o mesmo se obstinasse em novo grau de paridade assimilativa, embora cada progresso feito, tivesse como recorrência o desenvolvimento também tecnológico, por estar condicionado a tal instrumentalização.
A metodologia se tornou tão abrangente que beira a puerilidade, necessitando de um arcabouço deveras sofisticado, tornando-se mais seleta e por conseqüência, excludente, aumentando o distanciamento entre uma elite intelectualizada e uma massa condicionada ao conhecimento técnico.
Um dos fatores instrumentais aqui destacados como ferramenta notória nesta realidade cibercultural, seria a ferramenta denominada "hipertexto", algo que poderia tornar a teoria foucaultiana de análise discursiva bem mais complexa, por ramificações e possibilidades além da realidade manuscrita. Nesta perspectiva, a materialidade escrita interage com outros processos semióticos que pululam no ciberespaço, conforme exposição de Pierre Lévy: "assim, o hipertexto seria constituído de nós (os elementos de informação, parágrafos, páginas, imagens, seqüências musicais etc.) e de ligação entre esses nós (referências, notas, indicadores, botões que efetuam a passagem de um nó para outro)" (Lévy, Pierre. 1999: 15)
Talvez autores que perceberam a interação textual tivessem antecedido certa teorização hipertextual, conforme exposição de Patrícia San Payo em seu artigo "A máquina-literatura", onde menciona nomes como Foucault e Derrida na busca de compreensão através da linguagem, não esquecendo do fenômeno material expresso nas formas, agora mais sofisticado por todo um aparato que veio agregrar-se a tal contextualização, podendo a priori mencionar objetos da prática ciberespacial, como periféricos (teclado, mouse, etc.), não esquecendo de toda uma linguagem de programação com sua interatividade em meio a uma infinidade de ícones e funcionalidades expostos em uma hipertela.
Uma hipertextualização explora conexões linguísticas, outrora limitadas pelo não conhecimento da chamada cibercultura, que viria favorecer uma percepção diferenciada acerca do espaço-temporal e suas disposições em meio a um virtualismo que permite extravasar campos com desempenho limitado, indo além, explorando lacunas que começam a aguçar feixes antes obscuros em uma lógica primástica.


Conclusão.

A cultura, aqui evocada como cibercultura, demonstra-se além de meras deduções limitadas, surpreende, revoluciona, faz com que a tecnociência não perceba o quanto assimilou e tem assimilado das massas que ela renega, estando fadada a duas perspectivas advindas: apocalíptica, decretando o fim do homem/mulher e por consequência, seu próprio fim; ou adequando-se a seu criador, o que sugeriria uma diminuição do depauperamento humano, em outras palavras, uma socialização da tecnologia, não em emancipar o acesso à internet, mas em criar formas de prover dignidade aos que vivem em sociedade, tornando-a funcional para a realidade social humana, com meios de subsistência a grande maioria da população que vive em condições sub-humanas, mesmo em detrimento da realidade tecnológica, que se for preciso, voltemos aos métodos considerados rudimentares, resgatemos o ideal embrionário campesinato de coletivização, embora não seja a tecnologia a responsável pelas mazelas, apenas aumentou a proporção do dano causado pela ação humana.


Referências Bibliográficas:

DINIZ, Luiz Antonio Garcia. Cibercultura e literatura: hipertexto e as novas arquiteturas textuais.Alea vol.7 no.2 Rio de Janeiro July/Dec. 2005. Publicado em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517106X2005000200003&lang=pt

LÉVY, Pierre. Cibercultura. 34. ed. Tradução: Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1999.

LÉVY, Pierre. O que é o virtual? Tradução: Paulo Neves. São Paulo: Ed. 34, 2001.

FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. 15. ed. tradução: Luiz Felipe Baeta Neves. revisão: Lígia Vassalo. Petrópolis - RJ: Vozes, Lisboa, Centro do Livro Brasileiro, 1972. (epistemologia e pensamento contemporâneo)

* Bruno Leonardo Galdino de Azevedo é graduando em História pelo UGB (Centro Universitário Geraldo Di Biase, Unidade Volta Redonda-RJ).