Resumo: Entende-se como interesse daqueles que ensinam matemática, saber como provocar mudanças fecundas no contexto da educação matemática. Com vistas a atender a esse objetivo é que este artigo discute sobre novas perspectivas de fazer da matemática um objeto de interesse no contexto escolar. Para tanto, assinala-se como urgência a discussão sobre a construção de uma base lingüística que dê conta da construção de conceitos matemáticos, ancorada na teoria dos campos conceituais; e, junto a isso, a discussão sobre a aprendizagem significativa no campo da educação matemática (Ausubel). Buscando fazer uma síntese dessas provocações escolheu-se como lugar onde essas devem desaguar: cenários para investigação (Skovsmose). Portanto, pode-se dizer que esta discussão em educação matemática está sobre o tripé epistemológico: teoria dos campos conceituais, aprendizagem significativa e cenários para investigação. Tendo a primeira um enfoque mais filosófico, a segunda, psicológico e a terceira, pedagógico.

Palavras-chave: Ensino da matemática.  Aprendizagem significativa.  Cenários para investigação.

 

Historicamente, o ensino da matemática esteve comprometido com exclusividade com a missão pedagógica de transferir conteúdos científicos de forma mecânica. O sucesso era obtido quando o aluno demonstrava em testes e provas os conhecimentos adquiridos mediante explicação do professor, seguindo assim, os mandamentos do pensamento behaviorista. O ensino da matemática era concebido na relação S-R (estimulo – resposta); o que justifica, por exemplo, a pratica da sabatina. Estimulo: decorar a tabuada – Resposta: a aprendizagem mecânica. Cabe ressaltar que esta resposta nem sempre era positiva e daí a punição: palmatória! Quantos não são os alunos que têm verdadeira aversão à matemática por causa da palmatória!? (quem apanhou ou os que apenas ficaram na ameaça).

Permeia no ensino da matemática uma série de dificuldade quanto à comunicação. Nota-se nas aulas de matemática uma espécie de surdez por parte de uma grande parte da turma, ou seja, por mais que o professor fale de conteúdos matemáticos, parece haver um déficit auditivo daquele que se faz receptor dessas informações. É normal se passar aulas e mais aulas trabalhando um conceito de matemática e se perceber – numa atividade avaliativa – que os alunos não aprenderam. Uma das causas disso é que o professor de matemática se coloca como um transmissor de conceitos e não um orientador na construção destes.

Daí se dizer que se não há aprendizagem é que não houve comunicação. A comunicação se efetiva no momento em que se compreende o significado dos símbolos usados. Se o aluno ao ouvir do professor que todo número elevado a zero dá 1 não consegue manipular essa informação e se o professor continua repetindo da mesma forma – sem comunicação – este aluno certamente ficará sem compreender o que significa tal teorema.

Discutir o ensino da matemática segundo Vergnaud, é trazer Piaget e Vygotsky, geralmente, vistos como teóricos antagônicos, como colaboradores dessa construção, apresentando assim uma narrativa onde suas teorias convergem para a construção do conhecimento. Os estudiosos de Piaget sabem muito bem da importância que é dado aos símbolos em sua teoria. Assim como devem saber os vygotskyanos à respeito da relevância dada à linguagem no processo de construção do conhecimento. Para Vergnaud (1998, p. 181) apud

A linguagem e os símbolos são importantes nesse processo. Os professores usam palavras e sentenças para explicar, formular questões, selecionar informações, propor metas, expectativas, regras e planos. Contudo, sua ação mediadora mais importante é a de prover situações (de aprendizagem) frutíferas para os estudantes (ibid.). Tais situações devem ser cuidadosamente escolhidas, ordenadas, diversificadas, apresentadas no momento certo e dentro da zona de desenvolvimento proximal do aluno. Sem dúvida, uma tarefa difícil, mas essencial.

Interessa a Vergnaud, portanto, o estudo do funcionamento cognitivo do sujeito-em-situação, ponto no qual se afasta de Piaget. Para ele, a Aprendizagem Significativa se divide em três tipos:

- A Aprendizagem Representacional, que é basicamente uma associação simbólica primária. Atribuindo significados a símbolos como, por exemplo, valores sonoros vocais a caracteres linguísticos.

- A Aprendizagem de Conceitos é uma extensão da Representacional, mas num nível mais abrangente e abstrato, como o significado de um palavra por exemplo.

- A Aprendizagem Proposicional é o inverso da Representacional. Necessita é claro do conhecimento prévio dos conceitos e símbolos mas seu objetivo e promover uma compreensão sobre uma proposição através da soma de conceitos mais ou menos abstratos. Por exemplo o entendimento sobre algum aspecto social.

Para David Ausubel, psicólogo da aprendizagem, o que é primordial no processo de ensino é que a aprendizagem seja significativa. Isto é, o material a ser aprendido precisa fazer algum sentido para o aluno. Isto acontece quando a nova informação "ancora-se"  nos conceitos relevantes já existentes na estrutura cognitiva do aprendiz. Mas o que vem acontecendo em nossa educação matemática é que o material (conteúdo) a ser aprendido não tem sentido nem para o professor, muito menos para o aluno. O que se configura como uma das causas do desgosto atribuída à matemática.

Para Ausubel quando o material a ser aprendido não consegue ligar-se a algo já conhecido, ocorre a aprendizagem mecânica ("rote learning"). Ou seja, isto ocorre quando as novas informações são aprendidas sem interagirem com conceitos relevantes existentes na estrutura cognitiva. Assim, a pessoa decora fórmulas, leis, marretas para provas e esquece logo após a avaliação. O que é bem característico do ensino da matemática no nosso contexto brasileiro.

Dessa forma, podemos convictamente afirmar que a Aprendizagem Significativa é preferível à Aprendizagem Mecânica, ou Arbitrária. Por se constituir um método mais simples, prático e eficiente. Muitas vezes um indivíduo pode aprender algo mecanicamente e só mais tarde perceber que este se relaciona com algum conhecimento anterior já dominado. No caso ocorreu então um esforço e tempo demasiado para assimilar conceitos que seriam mais facilmente compreendidos se encontrassem uma "âncora", ou um conceito subsunçor, existente na Estrutura Cognitiva.

Como podemos notar com os conteúdos matemáticos, como por exemplo, a ideia de potência que nada mais é do que uma operação multiplicativa que objetiva representar de maneira simplificada uma multiplicação de fatores iguais (2.2.2.2.2.2.2.2.2.2, sendo o mesmo que 210) Imaginemos a situação em que o professor, de maneira oral, pergunta ao aluno: qual é o produto de dois vezes dois, vezes dois, vezes dois, vezes dois, vezes dois, vezes dois, vezes dois, vezes dois, vezes dois? Não se torna menos complicado perguntar: qual é a décima potência de dois? Isso não facilita a comunicação?

Mas sob a égide da aprendizagem mecânica o aluno assimila a ideia de que o expoente representa o número de vezes que a base deve ser repetida na multiplicação e que a base é o valor que se repete na multiplicação (210 = 2.2.2.2.2.2.2.2.2.2), como se tratasse de um conhecimento completamente novo e complexo, perdendo assim a possibilidade de tornar mais significativa a aprendizagem da multiplicação como uma âncora (conceito subsunçor) para esta nova aprendizagem, além de se configurar como um novo momento para a aprendizagem da multiplicação (momento relevante para os alunos que possuem déficit em multiplicação).

Para haver aprendizagem significativa, portanto, é preciso haver duas condições: a) o aluno precisa ter uma disposição para aprender: se o indivíduo quiser memorizar o material arbitrariamente e literalmente, então a aprendizagem será mecânica; b) o material a ser aprendido tem que ser potencialmente significativo, ou seja ele tem que ser logicamente e psicologicamente significativo: o significado lógico depende somente da natureza do material, e o significado psicológico é uma experiência que cada indivíduo tem. Cada aprendiz faz uma filtragem dos materiais que têm significado ou não para si próprio.

Uma forma[1] plausível de trabalhar o conceito de potência seria mediante o filme “A Corrente do Bem”, pois faz uma demonstração prática da aplicação deste conceito no mundo da vida. Nesta atividade ficam destacados os três tipos de aprendizagem significativa.

É interessante frisar que Ausubel afirma que a aprendizagem mecânica é necessária e inevitável no caso de conceitos completamente novos, poderíamos aqui ilustrar, o caso de números complexos, quando vistos pela primeira vez. Mas posteriormente ela passará a se transformar em Significativa (e isso depende dos contextos de aprendizagem). E para que ocorra uma aprendizagem significativa segundo Ausubel é necessário que: a) O material a ser assimilado seja Potencialmente Significativo, ou seja, não arbitrário em si. Mesmo materiais arbitrários então, podem ser tornados significativos através de Organizadores Prévios. b) Ocorra um conteúdo mínimo na Estrutura Cognitiva do indivíduo, com subsunçores em suficiência para suprir as necessidades relacionais.c)  O aprendiz apresente uma disposição para o relacionamento e não para simplesmente memorizá-lo mecanicamente muitas vezes até simulando uma associação. Muito comum em estudantes acostumados a métodos de ensino, exercícios e avaliação repetitivos e rigidamente padronizados.

Skovsmose ao propor uma discussão sobre a matemática crítica traz para o campo da educação a ruptura da ideia absolutista. Dessa forma é que podemos nos referir a respeito do cenário para investigação. No cenário para investigação, as aulas de matemática são construídas sob o enfoque de ambientes de aprendizagem. Por isso, estamos nos referindo ao indispensável papel do professor. O professor é aquele que consciente do complexo processo de aprendizagem cria condições de aprendizagem; que sabendo da importância do desafio, não faz do conhecimento um pacote a ser entregue ao aluno. Não havendo, portanto, lugar de privilégio, mas sim de construção dialética, onde professor e aluno interagem por meio do diálogo.  

Para Skovsmose, existem várias possibilidades de ambientes de aprendizagem a partir das referências: Matemática pura, Semi-realidade e Realidade

Num cenário para investigação o aluno assume o papel de um matemático genuíno, pois é convidado a resolver um problema. Como afirmam David e Lopes ( 2000 )

o matemático fazendo matemática é desafiado por um problema e procura solução para ele. Ele analisa o problema, representa-o simbolicamente, faz conjecturas, estabelece relações, explora outras possibilidades baseadas em conceitos já conhecidos. Procura justificativas lógicas para suas soluções, discute essas soluções com os colegas, buscando alcançar uma melhor compreensão do problema que o leve a desenvolver novos conceitos matemáticos.

As atividades num cenário de investigação devem possibilitar ao aluno exercer essas habilidades. Daí se dizer que neste processo a discussão por meio da relação dialógica é condição favorável à aprendizagem. E para entrar num processo discursivo é preciso a aquisição da linguagem, a construção de conceitos, que são a base para a construção de novos conceitos.

Para Ponte (2005), o conceito de investigação matemática, como atividade de ensino-aprendizagem, ajuda a trazer para a sala de aula o espírito da atividade matemática genuína, pois na realização de uma atividade de matemática investigativa “o aluno é chamado a agir como matemático, não só na formulação de conjecturas e na realização de provas e refutações, mas também na apresentação de resultados e na discussão e argumentação com os seus colegas e o professor”(PONTE, 2005, p. 23).

Destaque-se a etapa que se refere à apresentação de resultados e a discussão e argumentação com os seus colegas e o professor. Mais uma vez se percebe que há, portanto no que diz respeito à argumentar e discutir a necessidade de conceitos que os tornem possível.

O grande inspirador na discussão sobre cenário para investigação é Ole Skovsmose. Para Skovsmose , o paradigma do exercício (explicação – exemplo – exercício – correção) não dá conta de educar matematicamente as pessoas do tempo atual.

Professor tem de se saber inconcluso, como o é todo e qualquer ser humano. Ter consciência de nossa inconclusão é o que nos faz caminhar, buscar. E como nos diz Paulo Freire (1996), não há busca desesperançada.  Professor não que se sabe detentor de conhecimento não educa, apenas faz transferência de conteúdo; não contribui na formação do cidadão, apenas ensina-lhe a ser passivo, a acreditar que o outro tem de nos dá, enquanto a gente apenas recebe.

Superar o paradigma da Matemática que põe o professor como aquele transmissor da Matemática absoluta, verdadeira, descoberta, exata, objetiva e distante de nossos problemas diários é um dos grandes desafios da educação no início deste século (XXI). É preciso, portanto, conhecer uma diversidade de tendências que estão ainda de maneira muito tímida coexistindo no cenário da educação matemática.

 

REFERÊNCIAS

BICUDO, Maria Aparecida Viggiani & BORBA, Marcelo de Carvalho. Educação Matemática: pesquisa em movimento. São Paulo: CORTEZ, 2004.

ERNEST, Paul. A Filosofia da Matemática e a Didática da Matemática. (trad. Wilson Pereira de Jesus). 335-349. 1994

____________. Construtivismo Social como uma Filosofia da Matemática. (trad. Antonio Miguel). Ed. Falmer Press, 1995.

FALCÃO, Jorge Tarcísio da Rocha. Psicologia da Educação Matemática. Coleção Tendências em Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

MOREIRA, Marco Antonio. A Teoria Dos Campos Conceituais de Vergnaud, O Ensino de Ciências E a Pesquisa Nesta Área. Instituto de Física, UFRGS. 2002.

PONTE, João Pedro da; BROCARDO, Joana & OLIVEIRA, Hélia. Investigações Matemáticas na Sala de Aula. COLEÇÃO Tendências em Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

SKOVSMOSE, Ole. Cenários para Investigação. Bolema, n.14, p.66-91, 2000.

SKOVSMOSE, Ole. Educação Matemática Crítica. Coleção: Perspectivas Educação Matemática. Papirus. 2001.


[1] Relato de experiência de Investigações do Filme “A corrente do Bem”: Os alunos[1] assistiram ao filme “A Corrente do Bem”, se atendo a duas cenas: 1ª o professor solicita de uma turma de 7ª série que tenham uma idéia para mudar o mundo e que a coloque em ação; 2ª um dos alunos, Travor, tem a idéia da corrente do bem: cada pessoa beneficiada deve passar a diante à três pessoas uma boa ação e assim, sucessivamente. Todos os grupos, com exceção de um, chegaram à conclusão de que se tratava de uma P.G. (progressão geométrica), pois a corrente seguia a razão 3 compondo assim a seqüência: 1,3,9,27,81,... Um dos grupos apenas conseguiu ver com seu olhar matemático a potência 3x. Alguns grupos avançaram, escrevendo sua Lei de associação: F(n) = 3n.  Concluíram, portanto que a idéia de Travor poderia também ser representada por uma função exponencial.  Para esses grupos também foi tranqüilo falar sobre equação exponencial, através de alguns exemplos: Ex: para determinar o número de vezes que a corrente consegue atingir 243 pessoas, armou-se a seguinte equação: 3= 243, logo 3n = 35 (pois fatorando 243, encontra-se 25). Então n = 5. Concluíram que “A corrente do bem” é um excelente filme para introduzir os seguintes conceitos matemáticos: potência, progressão geométrica, função exponencial e equação exponencial. Depois de ter feito esse diagnóstico o desafio dos grupos foi o de elaborar situações-problema que envolvesse os conteúdos envolvidos na discussão.