Cena Expandida: Interferência de mídias e tecnologias digitais no teatro contemporâneo.

Janailton Santos[1]

À maneira de um caleidoscópio, estilos de representação e diferentes mídias são continuamente integrados ao teatro contemporâneo apresentado uma nova poética da cena. Essa irradiação pelas mídias e as diversas possibilidades de manuseio e interação por parte delas, torna a tarefa da discussão acerca de um teatro midiático uma necessidade pontual frente a epfania de  formas de representação em um mundo globalizado.

O advento da tecnologia, tal qual sua interferência no campo do real, sugere ao sujeito pós-moderno uma radical fragmentação em diversos setores de sua existência, onde este, e todas suas manifestações de expressividade tendem a se adequar ao seu “agora” para dar vazão ao gigantesco contingente de informações geradas e compartilhadas nessa era principalmente através da internet. As transformações sugeridas aqui apontam para uma crescente modificação no campo da criação artística, onde as artes cênicas se mostram como um potencial em capacidade de interação entre campos.

Desde a Grécia,  os eventos teatrais apresentam possibilidades de hibridização com relação a ferramentas que melhoram seu discurso, um exemplo clássico que permeia esta ideia está no Deus Ex-Machina, que de maneira inusitada era introduzido repentinamente ao drama para dar continuidade à narrativa. No teatro grego havia muitas peças que terminavam com um deus sendo literalmente baixado por um guindaste até o local da encenação. Esse deus então amarrava todas as pontas soltas da história.

Revoluções que vão surgindo ao longo da história do teatro no sentido de reafirmar a cada inovação técnica o seu potencial híbrido, fazem aparecer uma diversidade de contextos que podem ser observados ao longo de seu desenvolvimento. Na corrente simbolista o entendimento que propunha que o novo teatro não poderia assemelhar-se a uma fotografia do cotidiano, como era a fórmula do teatro realista impulsinou as transformações, e fez com que o espaço do palco sofresse mudanças revolucionárias, o cenário deveria evocar imagens e originar a ação da luz no novo conceito de espaço cênico, o que tornou-se primordial, pois, a partir dos jogos de luz, configuram-se volumes e sombras alterando a noção de espaço e tempo no palco.

A medida em que avançam tais transformações , podemos destacar que uma parte da história do teatro do século XX se constitui pelos avanços tecnológicos, e já manifestado o “poder agregador” do teatro, este aproveita de imediato de todas as novas técnicas e tecnologias, desde a perspectiva até a internet. “A aliança entre arte e tecnologia amadurece, e a marcha inexorável do mundo para uma cultura digital (ou computadorizada) inclui a arte em seus passos, a arte digital é um meio mecanizado cujo potencial parece ilimitado” (RUSH, 2006).

O diálogo contundente da linguagem teatral e campos tecnológicos diversos, reverbera na sistematização de um fazer teatral contemporâneo, e na procura por este objetivo, o artigo busca apresentar uma experiência brasileira; os processos da companhia paulistana Phila 7, no qual este trato estético aparece com grande potencial expressivo.  

A companhia Phila 7 surgiu no início de 2005 com o objetivo de pesquisar novas linguagens e diferentes mídias. Desde seu primeiro trabalho, tem na dramaturgia e na tecnologia ferramentas para o desenvolvimento de novos caminhos para as artes cênicas. Em 2006, com o seu segundo espetáculo, "Play on Earth", a Phila 7 tornou-se pioneira no uso da Internet para a criação e apresentação de uma peça teatral que uniu três elencos em três continentes simultaneamente: Phila 7 em São Paulo, Station House Opera em New Castle (Inglaterra) e Cia Theatreworks em Cingapura. Três audiências, cada uma em sua cidade, assistindo as atuações em tempo real, formando um quarto espaço imaginário.

A experiência de “Play on Earth” que ocorreu em três diferentes países e ainda de “What’s Wrong With the World” da mesma série, se apropria da internet de forma a desterritorializar a encenação e interagir linguagens midiáticas no ambiente virtual estabelecendo um trânsito de narrativas na rede, esta iniciativa revela a integração de tecnologias digitais na cena, de modo a potencializar o seu discurso, e reafirmar a contemporaneidade deste fazer, apontando para uma nova poética onde a teatralidade sirva de plataforma para interação de diversos campos artísticos.

 Os elementos chave da encenação teatral, neste aspecto, são mantidos, no entanto, o jogo de organicidades entre atores e sua relação com os espectadores é expandido e suas presenças físicas são dissolvidas de modo a dar vazão ao fluxo de comunicações estabelecidas entre os participantes do evento em todas as audiências no mundo interagindo em tempo real, o que caracteriza ainda o que poderíamos chamar de plateia global. É fato portanto, que a teatralidade é estabelecida de maneira clara, e a relação entre atores e espectadores se dá em diferentes territórios: orgânico e digital. O principal aspecto da longa história do teatro, neste caso, é mantido, entretanto, a teatralidade é evolutiva.

Sem nenhuma dúvida, o teatro exige a presença de um ator e de um espectador: célula mínima que define sua essência. Mas sua história comprova que ele está ligado, por um lado, à história das outras artes do espetáculo e, por outro lado, à apropriação artística das tecnologias, enquanto novos meios de expressão (PICON, Vallin. 2008)

O teatro contemporâneo, não hesita em se contaminar com as novas possibilidades de comunicação com o espectador do século XXI, que irreversivelmente está arraigado em um processo que caminha a passos largos para o estabelecimento de uma cibercultura[2] deste modo, iniciativas como as do Phila 7, aparecem como referência na construção de poéticas potencializadas que respondam de maneira expressa à necessidade da arte de posicionar-se meio a era do dissolvimento.   

 

 

REFERÊNCIAS

LÉVY, Pierre. Cibercultura, Trad. Carlos Irineu da Costa.  – SÃO PAULO: Ed. 34. 1999.

RUSH, Michael. Novas mídias na arte contemporâneas. – SÃO PAULO: Martins Fontes. 2006.

PICON-VALLIN, Beatrice. A Cena em Ensaios. – SÃO PAULO: Perspectiva. 2008

FERNANDES, Silvia. Teatralidades Contemporâneas. – SÃO PAULO: Ed. Perspectiva. 2010.



[1] Graduado na Licenciatura em Teatro na Universidade Federal do Maranhão, encenador, produtor cultural e pesquisador das contaminações tecnológicas nas encenações contemporâneas.

[2] Termo inaugurado por Pierre Levy em sua obra “cibercultura” 1999.