CELEBRAÇÃO COMO UM DOS REQUISITOS INDISPENSÁVEIS À EXISTENCIA DO CASAMENTO

 

Autora: Júlia Paulino Lima Calou

Co-autora: Maria Daiane da Silva Quesado

 

 

RESUMO

 

 

O presente trabalho apresenta um dos elementos referente à existência jurídica do casamento que é a celebração do casamento, o ato de celebração do casamento e suas implicações, e também veremos que a celebração é o que reverte de solenidade o casamento, assim como prescrito em lei, o caráter burocrático por si tratar de função jurisdicional para resguardar os direitos das partes, por se ato formal, analisaremos também as formas excepcionais de celebração no caso de não poder cumprir as exigências da lei e por autoridade competente. Será feita uma exposição da fase de habilitação, que os nubentes requerem em um procedimento pré-processual a habilitação para o casamento, depois de verificarmos todo procedimento, cabe-nos ressaltar detalhadamente as minúcias descritas em lei sobre o rito da celebração como por exemplo, a data, condições do local, a indispensável presença dos nubentes, testemunhas e o celebrante que é o agente representante do Estado investido de poderes para dar legitimidade ao ato da celebração e com isso a existência, e, por fim faz-se necessária uma analise das hipóteses de anulabilidade, nulidade, suspensão e até mesmo a inexistência do casamento, caso não seja obedecida as formalidades da celebração do casamento.

Palavras-chave: Celebração. Casamento inexistente. Nubentes.

 

1.       CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO

Todo ato negocial acontece em dois momentos: a deliberação e a exteriorização da deliberação; a forma que esses negócios devam assumir é o meio técnico instituído pelo direito para a exteriorização dessa vontade. E isso não é diferente no casamento.

A forma será o conjunto de requisitos materiais de que a lei entenda que deve ato negocial se revestir para ter validade ou para ser apurada sua existência. Assim, em atenção às formalidades a observar os negócios jurídicos podem ser: solenes e não solenes ou formais e não formais.

Os negócios solenes são aqueles que devem observar a forma prescrita em lei, e se assim não for, o negócio é nulo ou inexistente. Vejamos a definição de Carlos Roberto Gonçalves (2009:296):

Quando a forma é exigida como condição de validade do negócio, este é solene e a formalidade é ad solemnitatem ou ad substantiam, isto é, constitui a própria substância do ato, como a escritura pública na alienação do imóvel acima de certo valor (CC, art. 108), o testamento como manifestação de última vontade (arts. 1.864 e s.), a renúncia da herança (art. 1.806) etc.

O autor não citou, mas nós incluímos: o casamento também exige forma prescrita em lei. Além dos negócios solenes, existem os não solenes, que são os negócios de forma livre, bastando o simples consentimento para sua convalidação. A forma que é estabelecida nestes negócios é indiferente, pois mais vale que se utilize o agente de sua própria declaração de vontade.

Neste ponto, devemos ponderar sobre algo que rende muitas críticas aos sistemas jurídicos em geral: a burocracia. Afinal, a burocracia atrapalha ou ajuda? Bom, dizer que ajuda é exagero, mas com muita convicção digo que a burocracia faz-se necessária. Não em excesso. Mas faz-se. De toda forma o direito, os processos, exigem certos formalismos que não poder deixar-se banalizar. Afinal, estamos falando de atividades de Estado, funções jurisdicionais, e como é possível não querer dar um caráter burocrata a tudo isso. Óbvio que com certos limites, sabemos que às vezes o excesso de formalismo atrapalha, gera empecilhos, mas é uma forma de organizar e até mesmo de resguardar certos direitos do próprio individuo que busca apoio em atividades estatais. Vejamos a síntese bastante pedagógica do doutrinador Caio Mário (2009:418):

Os sistemas numa fase primitiva são sumamente formais, de que na escapou, neste particular, o direito romano, apesar de seu elevado teor cultural, seguido de perto pelo germânico, cujo simbolismo dominante haveria de influir no sentindo de retardar o movimento de libertação da forma, iniciada naquele. Sem perderem de vista o poder individual da vontade atribuía preponderância ao formalismo, por cuja via os atos se destacavam plasticamente no mundo dos sentidos. A declaração de vontade, emitida escrita ou oralmente, era inábil, por si só, a criar uma relação jurídica. Quando adotada a forma verbal, exigia-se a repetição literal de fórmulas e ritos; e, quando revestia aspectos gráficos, não era um escrito qualquer, senão um determinado contexto que lhe dava existência. Com o tempo e o progresso da cultura, e por imposição das necessidades comerciais, foram perdendo prestígio tais exigências, que se repetiam sem convicção, até o direito se capacitou de que a vontade, em princípio, tem o condão criador do negócio jurídico, e aptidão para o consensualismo, isto é, a libertação cada vez maior do negócio, relativamente às solenidades envolventes, o que não significa que o direito moderno se tenha dela se desprendido totalmente [...].

O casamento é um ato jurídico que exige forma solene prescrita em lei. Caso as formalidades não sejam cumpridas, a depender da infração a qual das exigências não foi cumprida, pode gerar a anulabilidade, a nulidade e até a inexistência do casamento. Exemplo de casamento inexistente é aquele celebrado por quem não tenha competência para celebrá-lo. Mas isto é assunto que iremos tratar mais para frente.

Quando uma lei prescreve para determinado ato uma forma solene, o faz porque o Estado tem interesse em regulamentar aquela situação. Em qualquer dessas hipóteses, a emissão de vontade se vincula à forma, e não pode ser realizada diferentemente. Vejamos a seguinte jurisprudência que trata exatamente isso, a falta do cumprimento de uma formalidade exigida ao negócio tornou este, inválido, ineficaz:

FIANÇA. PESSOA CASADA. FALTA DE OUTORGA UXÓRIA. I. A anulação da fiança prestada por pessoa casada sem anuência do cônjuge acarreta a ineficácia do ato. Precedentes desta corte. CC, art. 239 [art. 1.650, CC/2002]. Ofensa não caracterizada. II. Recurso Especial não conhecido (STJ – 3.° T. – Resp 161472/SP – rel. Min. Pádua Ribeiro – j.08.05.2003 – DJ 09.06.2003, pag. 263).

O negócio jurídico que esteja a ser realizado seja qual for deve conter os requisitos sem os quais não prevalece. Os chamados elementos essenciais, porque a sua presença no ato celebrado é de fundamental importância. Fora estes, outros podem vir a surgir eventualmente, como por exemplo, a autorização para casar, a outorga uxória na alienação de um imóvel, que, por sua natureza compõe-se ao negócio firmado, ao casamento realizado.

1.1. O Casamento como Ato Formal

O ato do matrimônio é cercado de rituais estabelecidos por normas de ordem pública, normas cogentes. Como já dito, trata-se de um negócio jurídico solene e que todas as exigibilidades são necessárias para garantir à seriedade e publicidade do ato.

Maria Berenice Dias (2011:97) em suas didáticas palavras aduz:

Embora o casamento civil não seja tão solene quanto os rituais eclesiásticos, as formalidades exigidas são suficientes para enfatizar a relevância social do ato. Seja, no entanto, casamento civil ou religioso com efeitos civis, reveste-se da necessária solenidade por constituir o ato da vida civil a que a ordem jurídica atribui maior importância, sendo o ponto de partida para constituição da família. Todos os sistemas jurídicos impõem a observância de formalidades, com maiores ou menores minúcias, com a finalidade de destacar a relevância especial das bodas.

A celebração do casamento sem o atendimento dos rigores da lei torna inexistente o ato. Salvo casos excepcionais, por exemplo, na conversão da união estável em casamento.

Caio Mário (2009:421) diz que alguns atos requerem a presença do Estado, e que a participação deste não é apenas por caráter publicitário, mas sim integrativo, é uma condição de eficácia e cita como exemplo o casamento, que não chega a ter existência jurídica se não cumprir as exigibilidades da lei, se não for oficiado por autoridade competente.

Neste ponto, é interessante notar que quando falamos em união estável nós temos uma entidade familiar reconhecida pelo Estado que não seguiu nenhuma das formalidades do Estado. União esta que gera quase que todos os efeitos de um casamento, como, por exemplo, direito à herança, pensão, etc., a única diferença, grosso modo, de uma união estável comparada ao casamento é uma certidão expedida pelo Estado. Frise-se, falei grosso modo, já que ambos tem suas particularidades que não nos cabe aqui adentrar.

Na literatura americana existe um autor, E.W. Burgees (1960:61), que defende a transformação da família “instituição” em família “companheirismo”. E quando o Estado reconhece a união estável como unidade familiar, estabelece parâmetros para a família monoparental, vemos que é crescente à ideia de família “companheirismo”, baseada em relações de afeto. A família instituição ainda existe, e é nesta que estamos trabalhando neste TCC, principalmente quando falamos em inexistência de uma unidade familiar pela falta do cumprimento de um requisito estabelecido em lei. Mas precisamos mostrar também o outro lado da moeda.

Neste ponto fala o Burgees (1960:61):

Nesta perspectiva é o novo casal e, portanto, o casamento na verdadeira acepção da palavra, que funda a família e não, como na lógica institucional, a família através da “conveniência” ou do “interesse” que impõe aos mais novos o casamento. Como afirma Burgess, no modelo institucional as preocupações patrimoniais e econômicas sobrelevam todas as outras. Com o assalariamento, possível também para um número mais significativo de pessoas através da industrialização, tende a difundir-se o “companheirismo” como nova forma de encarar a família e o casamento.

Assim, temos uma família que é fundada pelo casamento decidido pela livre escolha dos cônjuges, que instala a democracia como principio de funcionamento e que tem como finalidades o bem estar do casal e dos filhos. Mas voltando a falar do casamento como ato formal, vamos ver quais são as várias etapas de celebração do casamento para que este ato tenha validade para o Estado, seja existente.

1.2. Celebração do Casamento

O ato de celebrar o matrimônio é algo bastante técnico, formal, solene, tem seu rito todo estabelecido em lei. O descumprimento dessas formalidades gera a inexistência do ato em si.

Os nubentes passam por uma fase preliminar ao casamento, é a parte do processo em que se diz que estão habilitados ao ato. Pontes de Miranda (2001:316) quanto à celebração do casamento aduz:

Quanto à celebração do casamento, segundo requisito essencial para a existência do casamento, há duas espécies distintas: a irrealização do ato ou a celebração por pessoa que não tenha nenhuma parcela de iurisdicto, e a efetuação por autoridade incompetente. Na primeira espécie, a ausência do pressuposto afeta a existência própria do matrimônio. Na segunda, pode ser o caso previsto no art. 208, relativo à nulidade do contrato matrimonial, sanável depois de dois anos. Se um homem conduz uma mulher perante alguém, que não é autoridade para casar, simula o casamento e, depois, convive ou não convive com ela, esse fato, com significação jurídica possível, não pode ser equiparado a matrimônio. É inexistente, como casamento.

 

Então, habilitados, devem os nubentes peticionar à autoridade competente requerendo dia, hora e local de sua celebração. Quanto ao local, em geral, ocorre na sede do cartório onde se processou a habilitação dos nubentes. O casamento é um ato público, deve ser realizado “a portas abertas”, mas é consenso na doutrina, hoje, que essa publicidade não constitui formalidade essencial do casamento. Não se deve realizar casamento em prédios de apartamentos, mesmo que com portas abertas. Sabe-se que a violência, a insegurança hoje em dia não nos permite que seja permitida a entrada indiscriminada de pessoas em um prédio de apartamentos, e isso acabaria gerando empecilho à publicidade do ato.

Gonçalves (2011:99) defende que o empecilho ao ingresso de pessoas no casamento que possa impedir que alguém, em tal circunstância, manifeste oposição de algum impedimento, pela ausência de um dos seus elementos essenciais, que é a celebração na forma da lei, tem como consequência a inexistência do ato. Isso ocorre quando, por exemplo, um casamento ocorra num prédio de apartamentos em que o portão do prédio esteja fechado, mas a porta do apartamento aberta.

Quanto à hora, pode ser realizado de dia ou à noite, contanto que a celebração não ocorra de madrugada ou em altas horas noturnas. O que não pode ocorrer na celebração do casamento e que gera sua inexistência, caso ocorra, é a celebração em momento ou local que impeça de algum interessado de oferecer impugnações.

Outra presença indispensável no casamento, além da dos noivos e da autoridade competente, são as testemunhas do ato; no mínimo duas, mas podem ser quatro, se o casamento for feita em edifício particular ou se algumas dessas testemunhas não souber/puder escrever.

Quanto à autoridade competente, a Constituição federal diz que tem competência para realizar casamentos os juízes de paz, cargos de provimento eletivo (CF, artigos 98, II e30 do ADCT). A lei de organização judiciária estadual é que regulamenta a referida autoridade. Assim dispõe a Lei 12.342 de 1994:

DOS JUÍZADOS DE PAZ

Art. 99 - A Justiça de Paz, de caráter temporário,  composta de cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos, remunerados pelos cofres públicos, tem competência para verificar, de ofício ou em face de impugnaçãoo apresentada, o processo de habilitação de casamento, celebrar casamentos civis e exercer atribuições conciliatórias e outras, sem caráter jurisdicional, conforme dispuser este Código.

§ 1º -  São requisitos para o exercício do cargo:

a) nacionalidade brasileira;

b) pleno exercício dos direitos políticos;

c) alistamento eleitoral;

d) idade mínima de vinte e um (21) anos completos;

e) escolaridade equivalente ao segundo grau completo;

f) aptidão física e mental;

g) certificado de participação e aproveitamento em curso específico ministrado pela Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará;

h) domicílio eleitoral no Município onde existir a vaga e a residência na sede do Distrito para o qual concorrer.

§ 2º - A inscrição será requerida pessoalmente pelo candidato;

§ 3º - Cada Juiz de Paz será eleito com um suplente, que o sucederá ou substituirá, nas hipóteses de vacância ou de impedimento. Nos casos de falta, ausência ou impedimento do juiz de paz e de seu suplente, caberá ao Juiz de Direito competente a nomeação de juiz de paz ad hoc.

§ 4º - As eleições serão efetivadas até seis (06) meses depois da realização das eleições para Governador, Deputados Estaduais, Deputados Federais e Senadores, e serão presididas pelo Juiz Eleitoral, sendo vedada a eleição simultânea com pleito para mandatos políticos.

§ 5º - Caberá ao Tribunal de Justiça regulamentar as eleições para Juiz de Paz até quatro (04) meses antes de sua realização. O prazo de inscrição de candidatos será fixado em edital expedido pelo Juiz Eleitoral competente.

§ 6º - Verificando irregularidade ou nulidade de casamento, de ofício ou em caso de impugnação, o juiz de paz submeterá o processo ao Juiz Substituto ou Juiz de Direito competente. Na Comarca da Capital, a nulidade ou impugnação será conhecida e decidida pelos Juízes de Direito de Varas de Família indicados anualmente pelo Diretor do Foro.

§ 7º - Os autos de habilitação de casamento tramitarão no Cartório do Registro Civil do Distrito;

§ 8º -  VETADO

§ 9º - Em nenhuma hipótese, o Juiz de Paz terá competência criminal.

§ 10 - O exercício efetivo da função de Juiz de Paz assegurará prisão especial, em caso de crime comum, até definitivo julgamento.

§ 11 - É vedada a cobrança ou percepção de custas,  emolumentos ou taxa de qualquer natureza nos juizados de paz.

§ 12 - Os Juízes de Paz tomarão posse perante o Juiz de Direito da respectiva comarca do interior. Na Capital, perante o Diretor do Foro.

§ 13 - É vedado ao Juiz de Paz exercer atividade político-partidária.

§ 14 - O servidor público, no exercício do mandato de juiz de paz, ficará afastado de seu cargo, emprego ou função, contando o tempo de serviço para todos os efeitos legais, exceto promoção por merecimento, e mantido o regime previdenciário correspondente.

§ 15 - A remuneração dos juízes de paz será estabelecida em lei de iniciativa do Tribunal de Justiça.

É importante citar aqui o artigo 1.554 do Código Civil: “subsiste o casamento celebrado por aquele que, sem possuir a competência exigida por lei, exercer publicamente as funções de juiz de casamento”. Mas, regra geral, o matrimônio presidido por juiz absolutamente incompetente, não é nulo, nem anulável, é considerado pela doutrina como inexistente.

Continuando, o comparecimento dos nubentes deve ser simultâneo, a vontade deve ser expressa, na presença da autoridade competente. É o principio da atualidade do mútuo consenso. Nesse ponto, Carlos Roberto Gonçalves (2011:101) aduz:

A celebração do casamento obedece a formalidades essenciais (ad solemnitatem), que, se ausentes, tomarão o ato inexistente, como foi dito. A principal ocorre no momento em que o juiz pergunta aos nubentes, a um e após a outro, se persistem no propósito de casar. A resposta, segundo o art. 1535 do Código Civil, deve ser pessoal e oral, mas se admite, para o casamento de um surdo, perguntas e respostas escritas e no de um mudo resposta por sinal. O importante é que o consentimento seja inequívoco, por palavras, gestos ou escrito, podendo resumir-se ao “sim”.

O artigo 1.538 do Código Civil enumera três hipóteses de suspensão da celebração do matrimônio, quais sejam: I) recusa pelos noivos da solene afirmação da sua vontade; II) declaração pelos noivos que esta sua vontade não é livre e espontânea; III) manifestação de arrependimento pelos noivos. Caso ocorra alguma das situação elencadas, não será possível a retratação dos nubentes no mesmo dia. Se, apesar disso, a cerimônia prosseguir e o ato for concluído e registrado, o casamento será inexistente por faltar o elemento consentimento. O objetivo da lei é resguardar a vontade e proteger a interferência de qualquer dos nubentes. Além dessa hipótese, Caio Mário (2009:116) diz que:

 Além dos casos mencionados no art. 1.538 do Código Civil, retrotranscrito, a celebração do casamento se interromperá se os pais, tutores ou curadores revogarem a autorização concedida para o casamento respectivamente dos filhos, tutelados e curatelados, como permite o art. 1.518 do aludido diploma, bem como se, no decorrer da solenidade, for devidamente oposto algum impedimento legal cuja existência se mostre plausível ante a idoneidade do oponente, a seriedade da arguição e a robustez da prova ou informação.

Fechando o ciclo do estudo das formalidades na celebração do casamento, nós temos o assento do casamento no livro de registros, que além de ser tratado no Código Civil, também é regulamentado pela Lei dos Registros Públicos (6.015/73).

O registro do casamento tem como finalidade dar publicidade ao ato, sendo que a lavratura daquele não compõe a substância do casamento, visto que o livro é assinado após a celebração concluída e aperfeiçoada. Quando não é assinado o livro, não significa que o casamento inexistiu, isto porque o registro servirá, apenas, como prova que o ato foi celebrado, e não como requisito para o reconhecimento da existência ou da validade do casamento.

Não podemos encerrar este capitulo antes de falar sobre a celebração de casamento religioso e de seus efeitos civis. Se formos às origens do casamento, veremos que ele era uma instituição, em sua primariedade, estritamente religiosa. Não nos cabe aqui tratar dos pormenores desta origem histórica do contrato de matrimônio, mas acaso sobrevenha curiosidade ao leitor, recomendamos uma boa leitura sobre o padroado e a influência da igreja sobre o Estado.

Mas, voltando a cerne da questão, cada religião têm suas peculiaridades, ritos de celebração do casamento. E como o Direito trata dessa questão da forma como explica Carlos Roberto Gonçalves (2011:134) citando Lafayette de forma tão peculiar e didática, que não podemos deixar de transcrever:

[...] nenhuma seita religiosa pode exigir que o Estado só aceite como válido o casamento celebrado conforme as suas prescrições, assim como o Estado, por seu turno, não tem o direito de impor que os contraentes se casem segundo as prescrições da religião que professam. Entre muitos povos, todavia, prevalece ainda o princípio de que a autoridade religiosa é a única competente para regular as formalidades e a celebração do casamento, e decidir sobre sua validade, limitando-se a legislação temporal a definir-lhe os efeitos puramente civis.

Foi somente após a proclamação da República que foi instituído o casamento civil no Brasil. No dia 24 de janeiro de 1890 o Decreto n. 181 estatuiu que “A República só reconhecerá o casamento civil, cuja celebração será gratuita”. Até aquela data, quem ditava as regras do casamento era a Igreja (leia-se Igreja Católica). A partir de então todo esse processo do qual a gente vem falando passou a ter sentindo. Caso contrário, estaríamos tratando aqui não do Código Civil, mas sim do Código Canônico e das normas do Concílio de Trento. A Lei n. 1.144 de 11 de setembro de 1861, que foi regulamentada pelo Decreto 3.069, de 17 de abril de 1863 regulamentou o casamento entre membros de seitas, celebrados de acordo com as formalidades estabelecidas por suas respectivas religiões.

O casamento religioso para ser existente para o Direito tem que se conjugar com a necessidade habilitação civil, seja prévia, seja posterior à celebração religiosa. Sempre será exigido o processo de habilitação e a celebração será presidida pela autoridade religiosa da religião professada pelos nubentes. A existência do casamento, da celebração do casamento religioso está condicionada à habilitação e ao Registro Civil das Pessoas Naturais. Essa análise foi feita à luz da doutrina de Carlos Alberto Bittar, em sua obra “Os novos rumos do Direito de Família” (2008:129).

Assim, no decorrer deste capítulo, pudemos investigar as formalidades exigidas para a celebração do casamento. Não há como deixar de registrar que o ato matrimonial é algo estritamente técnico, legalista, porquanto regido por normas cogentes, de ordem pública, não comportando, assim, muitas mitigações à vontade das partes, em razão do que, caso o casamento venha a ser celebrado sem as exigências da lei, ele será inexistente juridicamente, independentemente dos laços afetivos que tenham levado os nubentes ao matrimônio.

REFERENCIAS:

BRASIL. (1998). Constituição Federal do Brasil. Brasília.

BURGESS Ernest & LOCKE, Harvey J. The Family: From Institution to Companionship. New York: American Book, 1961.

DIAS, Maria Berenice, Manual de Direito de Família – 8ª Edição, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 2011.

DINIZ, Maria Helena. Teoria Ge ral das Obrigações. São Paulo: Ed. Saraiva. 2008.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010.

PEREIRA, Caio Mário Da Silva. Institutos do Direito Civil – volume I. São Paulo: Ed. Forense, 2009.

PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito de Família. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 2001