CASTRAÇÃO QUÍMICA X DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Conrado Alvares Ewerton *

Letícia Frota Soares *

Pacelly Nunes Diniz *

RESUMO

A castração química, atualmente, tem sido aplicada em vários países, em pessoas condenadas por crimes sexuais. No Brasil, existem muitas discussões sobre a viabilidade desse tipo de pena – ou tratamento –, levando-se em consideração a questionada eficácia desse método em reabilitar o condenado, garantindo a proteção aos interesses coletivos. Faz parte também do embate a imperatividade dos princípios constitucionais, como os que vedam as penas cruéis e degradantes e os que protegem a dignidade do ser humano.

 

PALAVRAS-CHAVE

Castração Química. Crimes Sexuais. Princípios Constitucionais.

 

INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho pretende analisar os princípios constitucionais, e com base maior a dignidade da pessoa humana, em confronto com a pena de castração química aos condenados por crimes sexuais. Para isso, identifica em que consiste tal método, suas conseqüências físicas e psicológicas para o indivíduo. O estudo é importante por vários fatores, entre os quais, vários países terem adotado tal alternativa, com as peculiaridades de seus sistemas penais, e os benefícios obtidos, principalmente as estatísticas de não reincidência. Objetiva entender o motivo de recorrer a essa séria intervenção, analisando como direito do condenado ou a simples imposição de pena. E por fim, buscar fundamentos da possibilidade ou não de adoção pelo sistema penal brasileiro diante das cláusulas pétreas e dos direitos e garantias individuais (artigos 60, § 4º, IV; 5°, XLVII, “b” e “e”, XLIX).

 

1 DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE

 

As penas privativas de liberdade, segundo os fins oficiais do Sistema Penal, têm, como maiores pretensões, as funções de (a) intimidar os membros da sociedade para não cometerem novos delitos, além de (b) promover a recuperação e, principalmente,  a (c) ressocialização[1] dos criminosos.

A intimidação pela condenação se dá através da dissuasão, em um mecanismo de retribuição, da subsequente aplicação da pena ao cometimento da conduta delituosa. Neste sentido, a pena tem função de castigo e de afirmação do poder punitivo do Estado, além de dar ensejo aos ânimos vingativos da sociedade. A pena teria, ainda, a capacidade de reforçar a validade das leis penais, ao submeter o infrator às sanções previstas para seu crime. Todavia, a prisão remete a “exercícios, e não sinais: horários, distribuição do tempo, movimentos obrigatórios, atividades regulares, meditação solitária, trabalho em comum, silêncio, aplicação, respeito, bons hábitos.” (FOUCAULT, 2006, p. 106). Têm-se um indivíduo submisso, alienado de sua condição de sujeito de direito, obediente e sujeito à ação de toda e qualquer autoridade.

A Teoria da Socialização objetiva a reintegração do criminoso através de uma neutralidade axiológica (RIBEIRO, 2006, p. 47). O indivíduo infrator deve, por meio da coação, se moldar aos valores sociais ditados pelos grupos dominantes, valores estes que acabam por serem considerados como pertencentes à maioria da população. Exatamente por serem valores tidos como de ampla aceitação, todos os indivíduos deveriam se submeter a eles. A Teoria Correcional, por sua vez, visa à completa adesão do indivíduo infrator aos valores sociais vigentes. Este objetivo seria alcançado através da manipulação. O criminoso passa de sujeito a objeto da pena.

Essas teorias — da Socialização e Correcional — se baseiam na imposição de valores hegemônicos aos indivíduos, originados a partir da realidade das classes dominantes. Esses valores refletem, primordialmente, os interesses exclusivos dessas classes. Contudo, tais teorias perdem legitimidade frente ao pluralismo de valores existentes em cada sociedade. Por sua vez, o caráter intimidador das penas também não se mostra eficaz, pois a reação dos indivíduos perante a possibilidade de uma sanção, mesmo se privativa de liberdade, é extremamente variável. Alguns indivíduos podem preferir o crime, por acharem que obtêm mais vantagens desta forma, ou simplesmente por não terem nada a perder. (TURNER, 1999, p. 186).

Há ainda a ideia de pena como retribuição à sociedade pelo mal causado (FOUCAULT, 2006, p. 90). Por este aspecto, o castigo é vantajoso para a sociedade, pois o criminoso é posto a serviço da comunidade com o objetivo de produzir riquezas para ela. Assim sendo, sua pena deve estar relacionada à prestação de serviços públicos. O delinquente fica associado à utilidade, pois pode ser usado pela sociedade no que ela necessitar. Por isso, se defende as penas com trabalhos forçados: Infligir sofrimento ao condenado ao mesmo tempo em que ele compensa o dano causado. O valor do infrator se limita ao trabalho por ele realizado. Se ele deixar de ser útil, como ser humano não tem nenhum valor. O motivo principal da utilização da pena não está em sua ação sobre o indivíduo — embora sem dúvida o objetivo de dissuasão também esteja presente —, mas em transformá-lo em bem público.

A publicidade da punição, por sua vez, reforça a associação entre o crime e o castigo. Sempre que um indivíduo intentar cometer um crime, lhe sobrevirá a lembrança da pena, como uma consequência natural e inevitável. A pena é um sinal, para tantos quantos tomem conhecimento da situação do condenado, das desvantagens de transgredir a lei. Foucault (2006, p. 244) chama de recodificação imediata esse resultado obtido através da punição pública: Como todo delito significa uma violação da lei, esta, através do castigo, readquire sua posição inicial diante de seu infrator e de todos os cidadãos.

Não se pode ignorar o efeito sobre os detentos do rígido controle hierárquico das prisões. Os presos devem obedecer aos agentes penitenciários e aprender toda a rotina diária da prisão, levando-os a um estado de subserviência total. As situações de enfrentamento são punidas com rigor. Nos presídios onde existem atividades técnico-profissionalizantes, com a realização de trabalhos pelos detentos, estes aprendem as técnicas da profissão e, simultaneamente, as relações de poder. São conhecimentos controlados e úteis à sociedade.   “Duplo efeito dessa técnica disciplinar que é exercida sobre os corpos: uma ‘alma’ a conhecer e uma sujeição a manter” (FOUCAULT, 2006, p. 244). Da mesma forma, existem as relações de autoridade e submissão entre os próprios presidiários. 

O Sistema Penal moderno, para operar com eficiência, se fundamenta em vários fatores. Dentre eles, os mais importantes são a estigmatização e a seletividade (PRANDO, et. al., 2002, p. 152). Esta é consequência direta daquela. A estigmatização se realiza através de símbolos — atribuídos de forma generalizada a certos indivíduos — e se dá por diversos motivos:  Grupo social ao qual a pessoa faz parte, poder aquisitivo e classe social, nível de escolaridade ou, ainda, localidade em que ela habita, dentre outros. Esses cidadãos carregam o símbolo de periculosidade, de que são uma ameaça à segurança e um entrave para o progresso e a modernidade. Da forma como é concebido, o Sistema Penal também contribui para a estigmatização do indivíduo, impedindo sua reinserção na sociedade e etiquetando-o de forma irreversível. [2]

O fato de a maioria dos condenados ter renda baixa e, em geral, morar em bairros periféricos, mostra que as leis penais só são aplicadas efetivamente a algumas pessoas. A imagem de criminoso é desigualmente distribuída entre os indivíduos (ANDRADE, 2003, p. 55). No entanto, se as leis penais têm no tipo penal uma descrição hipotética e abstrata dos comportamentos proibidos, deveriam ser igualmente aplicadas a qualquer agente que tivesse alguma conduta semelhante às descritas. “A norma não poderia tomar em consideração alguém em específico ou ser feita para uma determinada hipótese” (MARINONI, 2008, p. 29).

 

2 A TÉCNICA DE CASTRAÇÃO QUÍMICA

 

                   Para ser possível abordar o processo de castração química, é necessário, antes, o estudo do funcionamento do sistema endócrino, naquilo em que ele se relaciona com a regulação do aparelho reprodutor. O controle do corpo humano, bem como em todos os seres vivos, se dá preponderantemente através dos hormônios.[3] Para o presente trabalho, nos limitaremos ao estudo das glândulas endócrinas[4] cujos hormônios secretados regulam diretamente a atividade reprodutora e, por óbvio, a libido.

                   Os hormônios sexuais femininos, progesterona e estrogênio,[5] e os masculinos, androgênios, principalmente a testosterona,[6] são esteroides. Fazem parte dos lipídios, porém sua origem é diferente, pois enquanto aqueles são produto de uma reação química entre ácidos graxos e álcoois, esses são produzidos tendo como precursor o colesterol. Com efeito, uma parte do colesterol, no organismo animal, é transformada em testosterona e uma porção desta, por sua vez, em progesterona. Por isso, homens e mulheres possuem colesterol, testosterona e progesterona, já que nunca uma dessas substâncias antecedentes é transformada totalmente na sua subsequente. Esse processo é observado em ambos os sexos. No homem, assim como nos demais animais machos, ocorre nas gônadas masculinas, os testículos, enquanto nas fêmeas, se dá nos ovários, as gônadas femininas.

                   O que determina o surgimento das características sexuais secundárias masculinas ou femininas, é exatamente a dosagem desses hormônios no corpo humano. No homem, menor quantidade de testosterona é transformada em progesterona. Por isso ele possui mais testosterona que progesterona. Nele surgem as características sexuais secundárias masculinas. Na mulher, uma maior parte de testosterona se transforma em progesterona. Isso a faz desenvolver as características sexuais femininas, já que em sua dosagem hormonal ela possui mais progesterona que testosterona.

                   Alguns homens e mulheres, em decorrência de distúrbios hormonais, podem apresentar características sexuais secundárias do outro sexo. Assim, mulheres, com barba e voz grave e homens com notado crescimento das mamas. Isso é explicado pela alteração no balanço hormonal entre testosterona e progesterona. Se o homem passar a ter mais progesterona que testosterona, ou a mulher mais testosterona que progesterona, os distúrbios ocorrerão.

                   Para alguns fisiologistas, o fato de os homens terem mais testosterona explicaria o porquê deles terem mais desejo sexual – libido – que elas. Não se pode olvidar das explicações cujo fundo é essencialmente social e cultural (!), para as quais a intensidade do desejo é igual, uma vez que instintivo, e essencial para a preservação da espécie. A diferença estaria na liberdade e forma de expressão desses desejos, que são diferentes para cada sexo.

                   Alguns conhecedores dos efeitos do balanço hormonal, e fundados nas teorias cuja libido exacerbada é a responsável, ou uma das responsáveis, pelos crimes contra a liberdade sexual, passaram a recomendar a castração química, como forma de reabilitação dos condenados. É importante notar que essa técnica não foi desenvolvida exclusivamente para esse fim. Seus efeitos foram inicialmente notados onde se fez necessária a extirpação dos testículos, como nos casos de câncer. É provocada nas cirurgias de mudança de sexo, quando o paciente, além de retirados os testículos, passa a ingerir doses diárias de progesterona sintética.

                   A castração química é feita, basicamente, através de doses periódicas e frequentes, geralmente diárias, de versões sintéticas para o hormônio feminino progesterona, como o levonorgestrel, o gestodeno ou o enantato denoretisterona, além de uma pequena quantidade de estrogênio sintético. O efeito da castração química se inicia quando os níveis de concentração da progesterona começam a se assemelhar aos de testosterona. Ocorre que os níveis desse hormônio no sangue são regulados por um efeito de feedback negativo: uma elevação na testosterona diminui a secreção de LH,[7] a qual, por sua vez, reduz a secreção de testosterona (LOSSOW, 1990, p. 462). Como a progesterona é produzida a partir da testosterona, o aumento das concentrações daquela induzirá a uma contínua diminuição na produção dessa. Ora, com a diminuição da produção de testosterona e a ingestão contínua de progesterona, a tendência será uma manutenção das concentrações mais elevadas desse hormônio, em comparação com as daquele. Mais que isso: levará à manutenção das baixas concentrações da testosterona, tendo como consequência a diminuição da libido.

 

3. ANÁLISE CONSTITUCIONAL

 

No momento em que se decide pela introdução de uma nova norma no ordenamento jurídico em um Estado Democrático de Direito[8], faz-se imprescindível a observância dos parâmetros constitucionais, tendo em vista que no momento da aceitação do acordo social[9], restou firmado que a limitação do poder estatal se daria através de uma “[...] Constituição escrita refletidora do contrato social estabelecido entre todos os membros da coletividade.” (ZIMMERMANN, 2002, p. 64)

Em decorrência do princípio da supremacia da Constituição, toda e qualquer norma não poderá permanecer validamente no ordenamento jurídico se ficar demonstrado sua incompatibilidade com algum preceito fundamental. Assim, cada sistema de norma preserva compatibilidade com a Constituição, não sendo diferente com as normas penais, sejam elas instrumentais ou materiais.

Não se concebe o estudo do processo penal brasileiro dissociado de uma visão abertamente constitucional, inserindo-o, como merece, no contexto dos direitos e garantias fundamentais, autênticos freios aos excessos do Estado contra o indivíduo, parte verdadeiramente mais fraca nesse embate. (NUCCI, 2008, p.78)

 

Para a análise da aquiescência da pena de castração química pelo ordenamento pátrio, tendo como parâmetro a Constituição, é preciso conhecer dos princípios que cercam a questão. O princípio Dignidade Humana, de difícil conceituação, é previsto na Constituição como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CF). Em termos gerais, podemos dizer que se trata de “[...] um meio que deve ter como finalidade, dentre outras, a preservação da dignidade do Homem.” (TAVARES, 2007, p. 508).

Quando se refere a um meio, quer-se dizer de alguma forma, que os demais valores constitucionais decorrem dele. Sendo assim, todo ato presente no Estado deve observar o respeito à dignidade da pessoa, caso contrário, tal ato padecerá de vício.

A partir desse princípio pode se estabelecer as regras que protegem a pessoa do condenado, garantindo-lhe o respeito aos direitos humanos. Pois ainda que este tenha descumprido as regras de conduta impostas pelo Estado, não se justifica a vingança e penas desproporcionais ao ato praticado.

Essa visão maniqueísta da realidade, que geralmente identifica a democracia e a defesa dos direitos humanos com o caos social, a impunidade e o império do crime, criam um quadro ideologizado que acaba por identificar os movimentos de defesa dos direito humanos como defensores de marginais, que preferem dar atenção à bandidagem ao invés de se preocuparem com as suas vítimas. (ARAÚJO FILHO, 1998, p. 102)

 

 

A Constituição de 1988 buscou repelir o tratamento desumano ou degradante a qualquer pessoa (art. 5º, XLVII). Daí decorre a proibição de penas, entre outras, perpétuas e atrozes, “[...] submeter-se ao princípio da humanidade é dizer que a pena não pode ser, de modo algum, cruel ou desnaturada” (NUCCI, 2004, p.14). Assim, a criação de qualquer norma que atente, desnecessariamente, a incolumidade física ou moral de alguém deverá ser afastada.

No entanto, se a medida se mostrar necessária para a efetivação da proteção social, ainda que isso signifique restringir certos direitos considerados fundamentais, deverá ser sopesado, com vista ao atendimento de um interesse maior, qual seja, o bem comum (CAPEZ, 2008, p. 22).

Interessante mencionar, referente às cláusulas pétreas, especificamente o inciso IV do § 4º do artigo 60 da CF, que veda proposta de emenda constitucional tendente a abolir direitos e garantias individuais. Combinando essa análise com o artigo 5° da CF, o inciso XLVII veda penas cruéis e de caráter perpétuo e o XLIX diz ser assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral. Convém analisar com base nesses dispositivos a regularidade dos projetos de Lei nº 7.021/02, nº 4.399/08, nº 552/07 e a EC nº 590/98.

Tais projetos poderiam ampliar os direitos e garantias individuais, mas não limitá-los. Em vista do controle de constitucionalidade de nosso ordenamento, Luis Roberto Barroso preleciona:

 Não cabe ação direta de inconstitucionalidade contra ato normativo ainda em fase de formação, como é o caso da proposta de emenda à Constituição ou do projeto de lei em tramitação. Não há no direito brasileiro controle jurisdicional preventivo de constitucionalidade (BARROSO, 2007, p. 160).

 

 Este é o estado das propostas acima mencionadas, sendo na posição do autor que ato normativo abrange projetos de lei e emenda à Constituição. Porém, através desses esclarecimentos Barroso cita caso interessante ocorrido na ADIn (ação direta de inconstitucionalidade) 466/01 cujo relator foi o Min. Celso de Melo, em que já se admitiu como controle concreto a interposição de mandado de segurança impetrado por um parlamentar contra proposta de emenda à CF, entendendo a Suprema Corte que o Congresso Nacional  infringiu os limites estabelecidos pelo poder constituinte originário no seu poder de reforma a Constituição. (BARROSO, 2007, p. 160).

As medidas de reforma da Constituição ou da legislação infraconstitucional afrontam direitos constitucionais e por isso são limitações expressas e materiais impostas ao poder constituinte derivado reformador (LENZA, 2008, p. 360). Não entremos no mérito aqui de estabelecer a castração química como direito ou imposição de pena. Mas a partir do momento que esse direito vincula-se à concessão de benefícios, estes de forma indireta passam a ser concedidos com a imposição da pena de castração.

Logo, a tramitação dos projetos e da emenda já não é possível perante o nosso sistema constitucional, e na hipótese de aprovados poderiam ser objeto de inconstitucionalidade de forma concentrada e difusa (BARROSO, 2007, p. 46-47).

A castração química como imposição, ou seja, com o caráter repressivo, parece ferir o Princípio dispostos na Constituição brasileira de 1988, visto que irá atingir diretamente a integridade física (tendo em vista os efeitos secundários que a mesma produz) [10] do condenado, sem que este tenha dado consentimento pra tanto. Prática, como já dito, repudiada pelo ordenamento jurídico pátrio.

Em contrapartida, se a castração química se der através de tratamento em vez de punição, com anuência espontânea do criminoso sexual, é constitucionalmente aceita, não ferindo a hermenêutica constitucional.

 Porém, faz-se necessário verificar se a conduta do submetido ao tratamento é considerada intolerável pelo mesmo, fugindo ao próprio controle. “Most medical experts agree that, under proper conditions, the drugcan be an effective rehabilitative tool for a narrow category of sex offenders[11].” (SPALDING, 1997, p. 139). Ou seja, tal medida servirá somente àqueles que apresentam um comportamento sexual anormal e involuntário.

 

4. BENEFÍCIOS DA CASTRAÇÃO QUÍMICA

 

A pena de castração, na forma imposta ou de opção do indivíduo para obter benefícios, busca a diminuição da reincidência nos crimes sexuais. Recorrer à medicina sexual é um caminho alternativo que vários países têm adotado fundamentados em números de diminuição de reincidência e de levantamentos em vários setores, como na Internet, de como a sexualidade está amplamente difundida. Esses dois índices apontam possíveis benefícios para a sociedade com a adoção pelo sistema penal da castração química.

Pesquisas indicam que a reincidência de criminosos sexuais cai de 75% para 2%, após a aplicação do hormônio feminino. Esse número tem justificado em alguns países a aplicação de tais métodos (MOREIRA, 2007, p. 5).  Mais da metade dos criminosos sexuais condenados que acabam de cumprir pena voltam para a penitenciária antes de um ano. Em dois anos esse percentual sobe para 77,9%. A taxa de reincidência varia entre 18% e 45%. Quanto mais violento o crime, maior a probabilidade do criminoso repeti-lo. (SERAFIM, 2009, p. 8).

Junto a esses números, importantes são os dados do site Desaparecidos do Brasil, expõe um levantamento apresentado pela Rede Safernet:

Nos primeiros seis meses de 2008, foram feitas 114.961 denúncias anônimas de casos de pedofilia no site de relacionamento Orkut. Os casos envolvem 22.761 endereços diferentes, sendo 2.551 comunidades da página e 20.210 perfis de usuários. A maioria deles – 15.138 – já foi removida pelo próprio Google e 4.389 estão sob investigação. Sustenta ainda que os dados da Interpol, de que a pornografia infantil virtual movimenta cerca de US$ 5 bilhões anualmente. O Brasil em 2004 já ocupava o quarto lugar no ranking mundial de sites com pornografia infantil. Este número pode dobrar se não forem tomadas medidas imediatas que inibam este crime horrendo, pois é somente uma estimativa, com base na internet, sem considerar clubes e entidades que reúnem pedófilos do mundo inteiro (BOLDEKE, 2009, p. 3).

Na análise do Direito Comparado o sexólogo José Rodríguez, quando da implementação da medida na província argentina de Mendoza, disse que “[..] os tratamentos farmacológicos podem diminuir quase 60% da reincidência dos violadores, segundo estudos de Estados Unidos, França e Espanha” (O Globo, 2010, p. 1).  A prisão pode aumentar tendências agressivas, enquanto a castração química se dirige para a raiz da causa do desvio sexual compulsivo. A matéria do O Globo também informa que “O governo da província tomou a decisão depois de constatar que 70% dos condenados por ataques sexuais são reincidentes” (O Globo, 2010, p. 01).

A castração é um meio eficaz, o pedófilo não tem o controle mesmo depois de tratamentos médicos, assim justifica o PL nº 552/2007:

Menores são psicológica e fisicamente torturados por indivíduos cuja formação psíquica apresenta tal deformidade a ponto de os impedirem de reabilitar-se perante a sociedade, mesmo se submetidos aos mais modernos e refinados tratamentos clínicos. Mesmo em países cujo sistema carcerário apresenta o que há de melhor em termos de estrutura física e de assistência médica já se propõe que tais indivíduos sejam, finalmente, castrados, visando a impedir a reincidência do crime, tida por certa, em face das lastimosas estatísticas. (CARDOSO, 2009, p. 5).

Diante desse quadro, a medicina sexual visa à prevenção e ao tratamento das disfunções sexuais e de outras condições patológicas correlacionadas. . (LARA, 2009, p. 2) Não se objetiva com tais argumentos sustentar as medidas médicas como substituição do devido controle das publicações da Internet e outros meios. Assim como o papel das demais instituições, como escola, em educar os indivíduos, seu comportamento e socialização. Essa última questão é citada como meio preventivo (LARA, 2009, p. 1).

Última consideração a ser feita é a dificuldade no controle da compulsão, este é o fator de maior vulnerabilidade para a ocorrência de condutas criminosas. O controle médico vem auxiliar nesse acompanhamento, até porque o indivíduo pode ter várias condutas. Altos níveis de testosterona, incapacidade em manter relação conjugal estável, traumatismo cranioencefálico, retardo mental, psicoses, abuso de álcool e substâncias psicoativas, reincidência de crimes sexuais e transtornos da personalidade são outros fatores conhecidos de vulnerabilidade para as condutas sexuais criminosas. Os fatores expostos são combatidos com o uso da castração. (SERAFIM, 2009, p. 6).  

Nesse aspecto, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo à consulta n. 20.613/94 temos que, das várias formas de esterilização, é antiético o procedimento que contrariar legislação específica (refere-se ao CP) e que não levar em consideração o quadro clínico do paciente. (HENTZ, 2005, p. 4).

 

5. A CASTRAÇÃO QUÍMICA NO DIREITO COMPARADO

 

Há locais nos Estados Unidos já preveem em sua legislação a possibilidade do uso da castração química (pena facultativa para os réus primários, e obrigatória aos reincidentes), para o tratamento de criminosos sexuais. A exemplo, os estados da Califórnia, Flórida, Geórgia, Lusiania, Montana e no Texas.

Na Europa, a tratativa da questão é diferenciada, conforme o país que tenha adotado a pena de castração química. Assim, na Grã-Bretânia, ela é utilizada, sempre, facultativamente conforme o interesse do condenado, que na hipótese de negação do tratamento permanecerá preso. Na França existe apenas o tratamento com voluntários, sendo que existe um projeto de lei no sentido de tentar implantar essa pena, sem o consentimento do condenado (ASSEMBLÉIA NACIONAL FRANCESA, 2007, p.1). É aplicada também, sob forma de pena, na Itália e na Alemanha.

No que diz respeito à América Latina, se tem o registro da proposta de lei prevendo a aplicação da castração química aos condenados por crimes conta a liberdade sexual. Segundo o projeto, a pena se protrairia, mesmo após o cumprimento da pena, com aplicação da substância a cada seis meses, juntamente com acompanhamento médico e psicológico. Além da Colômbia, Mendonza, província da Argentina, aprovou um plano integral para tratar estupradores reincidentes. Nele está previsto o uso do método da castração química (ESTADÃO, 2010, p. 1).

 

CONCLUSÃO

 

                   Tendo em vista o fracasso do Direito Penal, através de suas penas, em concretizar seus objetivos declarados, se faz necessário novas formas de intervenção do Direito. No entanto, com base na dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III da CF) e da cláusula pétrea do § 4º, inciso IV do art. 60, entende-se que o legislador, usando de seu poder constituinte derivado reformador, não poderá restringir direitos e garantias fundamentais. Com base nessa posição, os projetos de lei mencionados e a emenda à Constituição Federal não poderiam sequer tramitar no Congresso Nacional, por ser expressa a vedação do dispositivo citado na expressão “não será objeto de deliberação proposta de emenda”, estendendo tal entendimento também para as leis infraconstitucionais, obviamente, já que através de EC não se pode restringir tais direitos, por lei com flagrante inconstitucionalidade.

                         

 

ABSTRACT


The chemical castration, currently, has been applied in several countries, people convicted of sex crimes. In Brazil, there are many discussions on the feasibility of such a penalty - or treatment - taking into account the questioned effectiveness of this method in rehabilitating the offender, ensuring the protection of collective interests. It is also part of the imperativeness clash of constitutional principles, such as forbidding the cruel and degrading treatment and protecting the dignity of human beings.

 

 

 

KEY WORDS


Chemical castration. Sex Crimes. Constitutional Principles.

 

 

 

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ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Direito penal brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

ZIMMERMANN, Augusto. Curso de direito constitucional. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002.

 

 

 

 

 

 

 

 



* Alunos do 6º período do curso de Direito da UNDB.

[1] A ressocialização, por sua vez, pode ocorrer por duas formas: através de uma conformação do infrator aos valores sociais vigentes — Teoria da Socialização —, ou de uma efetiva mudança “das atitudes e convicções internas do condenado, correspondendo, portanto, à adesão aos valores hegemônicos” (RIBEIRO, 2006, p. 47). — Teoria Correcional.

 

[2] Em geral, já que a seleção dominante corresponde a estereótipos, a pessoa que se enquadra em algum deles não precisa fazer um esforço muito grande para colocar-se em posição de risco criminalizante. Ao contrário, deve esforçar-se muito para evitá-lo, porquanto se encontra em um estado de vulnerabilidade sempre significativo (ZAFFARONI, 2003, p. 49).

[3] Hormônios são classes de compostos químicos de diversas naturezas, como esteróides, proteínas e derivados de aminoácidos, ou peptídeos, todos sintetizados a partir do colesterol. Normalmente, são produzidos por órgãos específicos, as glândulas endócrinas. Liberados em pequeníssimas concentrações, por meio da corrente sanguínea, são transportados a diversas partes do corpo, onde agem sobre vários órgãos e tecidos, exercendo efeitos reguladores sobre processos celulares.

[4] As glândulas endócrinas presentes no corpo humano são: hipotálamo, hipófise, tireóide, paratireoide, supra-renal, ilhotas de Langerhans do pâncreas, ovários, testículos, glândula pineal e a placenta. Cada uma delas produz, e secreta, um ou mais hormônios. Essa produção pode ser regulada através da ação de outros hormônios sobre elas. Assim, há um efeito de feedback, onde o funcionamento de uma glândula controla o de outra(s) (LOSSOW, 1990, p. 456 – 459).

[5] O estrogênio leva ao desenvolvimento das características sexuais secundárias femininas, observadas a partir da puberdade, tais como o amadurecimento dos órgãos sexuais, crescimento das mamas, arredondamento das curvas do corpo, pelo aumento de tecido adiposo nas camadas sub-epteliais, alargamento dos quadris, dentre outras.

[6] A testosterona é a responsável pelo surgimento das características sexuais secundárias masculinas, dentre elas o engrossamento da voz, aumento na quantidade de pelos e da massa muscular, amadurecimento dos órgãos reprodutores, dentre outras. Está relacionada também com a libido. Para alguns pesquisadores, é exatamente a libido, acentuada ou desequilibrada, uma das responsáveis pelos desvios de comportamento que levam à prática dos crimes contra a liberdade sexual. O excesso de pelos corporais e, paradoxalmente, a calvície, estão relacionados à produção excessiva da testosterona, que também, segundo alguns estudiosos, leva ao aumento da libido.

[7] O LH, também conhecido como hormônio luteinizante, controla a produção testicular da testosterona. Na mulher, atua conjuntamente com o FSH, sendo responsável pela maturação do folículo ovariano.

[8]  A despeito de inúmeras divergências conceituais da expressão, ela é posta no sentido da garantia de controle dos governantes, contra qualquer tentativa arbitrária de “absolutização” do poder. Tal controle é exercido através da Constituição que permite a convivência entre a participação do povo no exercício do poder e a existência de normas jurídicas que regulamentam esse processo político.

[9]  Idéia desenvolvida no século XVII, por teóricos como Hobbes, Locke e Rousseau, funda-se num pacto social entre os homens para a formação da sociedade política. Associa-se as ideias de Constituição e acordo social com a limitação do domínio político e legitimação das instituições existentes.

10 Utilizado em homens, o MPA, elimina eficazmente as ereções, ejaculações, e reduz a freqüência e a intensidade da libido. Os efeitos colaterais incluem aumento do apetite, ganho de peso de quinze a vinte quilos, fadiga, depressão mental, hiperglicemia, impotência, espermatozóides anormais, diminuição do volume ejaculatório, insônia, pesadelos, dispnéia (dificuldade respiratória), ondas de calor e de frio, perda de pêlos no corpo, náuseas, cãibras nas pernas, a função da bexiga e da bílis irregular, diverticulite, agravamento da enxaqueca, hipogonadismo, elevação da pressão arterial, hipertensão, flebite, seqüelas diabéticas, trombose (levando a um ataque cardíaco), e o encolhimento da próstata. (SPALDING, 1997, p. 125)

[11] Spalding (1997, p. 139) revela que o tratamento químico somente é recomendável a uma categoria restrita de criminosos sexuais, os quais sofrem de distúrbios psicossexuais, essa afirmação baseia-se nos argumentos do Dr. Fred Berlin, fundador da Clínica Psicológica Biosexual do Hospital John Hopkins.