Introdução

Muito se tem discutido acerca da castração química enquanto meio viável de punição aos que cometem crimes sexuais. Fora do Brasil, a castração é usada há muitos anos. Muitas formas foram utilizadas para verificar a eficiência dessa pena, como é o caso da castração mecânica, com a própria inutilização do órgão genitor masculino, bem como a castração química, que, entre as duas, vem sendo mais utilizada devido a seu caráter de reversibilidade.
No Brasil, três projetos de lei e uma proposta de emenda constitucional foram encaminhados para aprovação. Muito se tem discutido acerca da (in)constitucionalidade dessa prática, com base, primordialmente, nos princípios fundamentais do homem, que devem ser levados em conta antes de se criminalizar qualquer conduta.
Entretanto, cabe analisar a conduta do pedófilo, que em um primeiro momento alega agir sob a influência de distúrbios psicológicos e, como tal, não há de entendê-lo como criminoso. Nesta senda, ter-se-ia com a castração química uma forma de conter a ação desses indivíduos, apresentando-se como medida alternativa viável de reprimenda, tendo em vista as críticas formuladas ao Sistema Penal por não cumprir sua função real, sendo o cárcere a pior saída de tratamento.

1. Breve intróito acerca da Castração Química


A castração constitui medida que já vem sendo adotada ao longo dos tempos por diversos povos ao redor do mundo. Com o decorrer do tempo, a castração foi sendo utilizada pelos mais diversos motivos. Na antiguidade, tem-se o uso da castração com o fim de punir, principalmente aos vencidos em guerra, como descreve Amlim (2010). Nos dias atuais, a castração vem sendo utilizada primordialmente com fins terapêuticos. Para uma melhor percepção do que se diz, basta pensar no caso de alguém que possui câncer de testículo e possui como único meio de assegurar a sua vida a castração, ou, ainda, nos casos onde o paciente pretende realizar cirurgia para mudança de sexo.
Ressalta-se que a castração química não pode ser confundida com a castração física. Esta, constitui o ato de inutilizar os órgãos reprodutores com agressão à integridade física do ser humano, de modo irreversível. Já aquela, consiste, como assevera Aguiar, "na aplicação de hormônios femininos (o mais usado é o acetato de medroxiprogesterona) que diminuem drasticamente o nível de testosterona" do indivíduo (2010; p.3). Nesse caso, os efeitos só se mantêm enquanto durar o tratamento.
Assim, a castração química constitui a aplicação de forma continua de hormônios sintéticos femininos ? também denominado de Depo-Provera - com o fim de inibir os impulsos sexuais, diminuindo a libido ? apetite sexual ? daquele que por algum motivo não consegue conter seus impulsos e acaba por delinquir, conforme assevera Wunderlich (2010) em seu artigo Guerra de Hormônios.
Observar-se-á que o projeto de lei que tramita acerca do assunto, baseia-se em um primeiro momento na castração química voluntária. Só nos casos de reincidência, esse método se tornaria obrigatório. Esse procedimento já é comum em alguns países, sendo essa prática desenvolvida há 20 anos como bem destaca Wunderlich,
Na verdade a castração química já existe e é aplicada há muito tempo por profissionais qualificados de forma não oficial, nas pessoas voluntárias. O estudioso italiano Francesco Bruno, professor universitário, relata que: já são vinte anos que faço castração química, naturalmente a quem me requer, com bons resultados. (2010; p.2)

Portanto, a castração química, apesar de funcionar como um tratamento com vistas à diminuição do impulso sexual daquele que pode delinquir, em primeira análise parece ser uma medida que pode ser adotada sem maiores problemas. No entanto, requer uma análise legal e social mais profunda.

1.1 Aspectos fisiológicos da Castração Química

A castração química consiste na aplicação de hormônios femininos no homem, fazendo com que os níveis de testosterona sejam reduzidos, diminuindo, assim, o impulso sexual. É um tratamento reversível, à medida que os bloqueadores de testosterona vão diminuindo no corpo a libido volta e o paciente tem sua vida normal.
O primeiro método no que tange à medida tratada surgiu nos Estados Unidos, segundo site Clinic Criminology (2010). Inicialmente aplicava-se uma substância que impedia a ereção do pênis, muitas críticas foram tecidas acerca desse método devido seu caráter de irreversibilidade.
Após estudos, ainda no site Clinic Criminology, verificou-se que a castração física seria mais viável do que o simples impedimento de ereção, já que com ela há a remoção dos testículos que é também um procedimento irreversível, reduziria em 95% a produção de testosterona. No entanto, verificou-se outro método com o mesmo resultado: a castração química, com a diminuição de testosterona no organismo humano, porém, de modo reversível.
A castração química baseou-se em estudos em que se verificou que os níveis mais elevados de testosterona em homens alcançava aqueles entre a faixa etária de 15 a 39 anos de idade. Verificou-se que a incidência de crimes sexuais encontrava-se na faixa etária de homens que tinham os níveis de testosterona elevados, como destaca o médico americano Girard (2010).
No que toca aos efeitos colaterais, o procedimento da castração química acarreta um aumento de peso no paciente, além de fadiga, trombose, hipertensão, depressão, hipoglicemia e raras doenças hepáticas, como destaca Spalding (2010). Isso ocorre principalmente pela mudança no sistema hormonal masculino.
O que cabe analisar é se os efeitos colaterais advindos desse método são mais drásticos e mais traumáticos do que aqueles que causados pelo agressor. Assim, cabe analisar essa problemática à luz dos princípios constitucionais e das medidas alternativas de sanção trazidas pela Criminologia.

2 Castração Química no Brasil

Desde o advento da Carta Magna já são três projetos e uma proposta de emenda constitucional versando sobre o tema. O primeiro projeto, em destaque no site da Câmara de Deputados, fora proposto pelo deputado Wigberto Tartuce (PL 7021/2002) e tinha por obetivo acrescentar aos antigos artigos 213 e 214 (estupro e atentado violento ao pudor) a pena de castração, mas como não havia lei que regulamentasse essa pena, não especificando o tipo de castração e nem como seria realizada, o projeto foi arquivado vinte meses depois.
O segundo projeto de lei (552/2007), proposto pelo senador Gestor Câmara, propunha a castração química como pena a pedófilos. Buscava-se a qualificação dessa conduta no Código Internacional de Doenças, alcançando àqueles que cometessem crimes sexuais contra menores de 14 anos. Esse projeto ainda está para votação, mas foi muito aceito no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça. Contudo, ainda pendem discussões sobre a possível violação de princípios fundamentais do indivíduos, a exemplo da dignidade da pessoa humana.
O terceiro projeto é o 4399/2008, proposta pela deputada Marina Maggessi. Referido projeto visa definir a pedofilia como crime, apresentando como pena a castração química. Mas ela se subdividiria em dois momentos: o facultativo e o outro obrigatório, se reincidente. Nos termo do projeto:
Art. 223-A Considera-se crime de pedofilia a prática de quaisquer dos crimes previstos nos Capítulos deste Título VI quando praticados contra criança desde que, entre o agente e a vítima haja um diferença de, pelo menos, 5 (cinco)anos.
§ 1º. Sem prejuízo dos demais requisitos estabelecidos nos artigos 34 a 36 e 83 desta Lei, os condenados pela primeira vez pelo crime de pedofilia farão jus à progressão de regime e ao livramento condicional se assinarem termo de ajustamento de conduta em que se comprometam a se submeter a um tratamento psiquiátrico, estando ciente da castração química em caso de eventual reincidência.
§ 2º. A reincidência na condenação por pedofilia implicará administração de
castração química, acompanhada por junta médica oficial, que elaborará
laudos periódicos sobre a receptividade do organismo do condenado quanto aos hormônios inoculados, sem prejuízo da aplicação concomitante das demais sanções penais cabíveis." (NR)

Esse projeto também resultou em inúmeras críticas quanto à sua constitucionalidade. Por enquanto, ainda não foi aprovado.
A Emenda Constitucional 590/1998, propunha a modificação do art. 5º, XLVII, permitindo a penalização de pedófilos que cometessem crimes de estupro. Também não vingou.
Como já foi dito alhures, a medicina psiquiatra e a psicologia, já demonstraram que os altos índices hormonais são diretamente responsáveis pelo aumento na metabolização de diversas outras substâncias no organismo humano, podendo, inclusive, repercutir temporariamente na higidez mental do indivíduo.
Por vezes, "maníacos sexuais", serial killers¸ pedófilos, alegam que não são capazes de controlar o desejo em saciar a libido. Chegam, inclusive, a alegar que estariam dominados por forças estranhas.
Diante desses e de outros relatos foram desenvolvidos estudos, onde constatou-se que parte dessas pessoas possuíam taxas do hormônio virilizante muito acima dos índices considerados normais, o que, de per si, é suficiente para demonstrar uma anormalidade nestas pessoas.
Resta, portanto, a necessidade de se analisar a repercussão jurídica diante de tais situações.
De qualquer sorte, ainda que se considere não restar evidente a configuração de uma causa excludente da culpabilidade, a previsão de uma pena de castração química não teria o condão de afrontar as diretrizes constitucionais, tampouco princípios atinentes aos direitos humanos. Isso porque ao se prever tal penalidade, o Direito Penal estaria cumprindo sua função principal (discurso oficial: intimidação, estabilização social e ressocialização), conforme destaca Baratta (1999), proporcionando ao "doente" acometido pelas hiperfunções hormonais possibilidade de tratamento e reinserção no seio da comunidade, longe do arrepio do sistema carcerário (frise-se, precário). Este sim, violador dos direitos humanos e dos princípios constitucionais. É o que se passará a ver.

2.1 A (in)constitucionalidade da castração química em relação à legislação brasileira
Como fora tratado em tópico anterior, as principais discussões a respeito da adoção da castração química em um ordenamento jurídico, perpassa precipuamente sobre a sua compatibilidade com a constituição vigente. Neste espeque, elenca-se o princípio da dignidade da pessoa humana como fulcro para análise da possibilidade de adoção da castração química, não devendo esquecer os demais incisos do artigo 5º da Carta Republicana de 1988, que preconizam os direitos fundamentais.
Assim, calha transcrição de uma das facetas, definida por Ingo Sarlet, que pode ser atribuída ao princípio da dignidade da pessoa humana:
Importa considerar, que, na condição de princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana constitui valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda a ordem constitucional, razão pela qual se justifica plenamente sua caracterização como princípio de maior hierarquia axiológico-valorativa. Sustenta-se, nesta linha de pensamento, que a concretização do programa normativo do princípio da dignidade da pessoa humana incumbe aos órgãos estatais, especialmente, contudo, ao legislador, encarregado de edificar uma ordem jurídica que corresponda às exigências do princípio. (SARLET, 2009, p.106)

A castração química como tratamento acaba sendo degradante para o apenado, em virtude dos efeitos colaterais advindos da utilização de hormônios femininos, além do que, o homem acaba por perder suas características naturais, repercutindo na ofensa à integridade física e moral do preso. Neste pormenor, destaca Aguiar:

A castração química também não é isenta de problemas. A privacidade do condenado é brutalmente atingida, pela interferência em sua integridade física. Além disso, a maior parte da doutrina nacional considera que qualquer pena que atinja o corpo do condenado é cruel e, portanto, vedada constitucionalmente. De modo mais explícito, o art. 5°, XLIX, dispõe que "é assegurado aos presos o respeito à integridade física e mental". Portanto, a castração, física ou química, é inaceitável como pena em nosso ordenamento jurídico, e os projetos de lei nesse sentido são flagrantemente inconstitucionais. (2010; p.4)

Partindo-se do que já fora analisado, chega-se a uma primeira conclusão: a de que a castração química mostra-se inviável no ordenamento jurídico pátrio, em virtude de afronta de diversos dispositivos constitucionais, portanto é tido como inconstitucional. No entanto, o objetivo principal deste artigo não é mostrar a sua inconstitucionalidade, e sim, o viés humanizador da pena para quem comete crimes sexuais, e para isto, vale-se de argumentos utilitaristas, que são benéficos ao apenado, sociedade e sistema penal.

3. Os benefícios da castração química à luz da criminologia crítica

A instituição da pena de castração química no ordenamento pátrio não tem por escopo reprimir uma dada conduta em razão do sujeito. Não há que se falar em um direito penal do inimigo. A castração química é, em verdade, uma afirmação de um direito penal garantista, na medida em que reprime a conduta indesejável pela prática do crime sexual, respeitando os direitos fundamentais do indivíduo. Tratá-lo como doente, possibilitando-lhe a convivência em sociedade como todos têm direito, bem como afastá-lo das dependências prisionais, por si só, já seria suficiente para legitimar a pena de castração química, mostrando-se, assim, benéfica ao sistema penal, benéfica ao sujeito (o doente) e benéfica à sociedade.
Dessa forma, a pena de castração química propõe a adoção de um método eficiente de ressocialização e reinserção daqueles que cometeram o crime sexual, sem que pudesse discernir a ilicitude de sua conduta, em virtude dos efeitos biológicos decorrente de sua hiperfunção hormonal.
Em outra senda, nos dizeres de Baratta, "antes de querer modificar os excluídos, é preciso modificar a sociedade excludente, atingindo assim a raiz do mecanismo de exclusão" (1999; p. 186). O que há na verdade, ao se querer penalizar severamente àqueles que praticam os crimes sexuais, é uma estigmatização desses sujeitos, o que deve ser evitado.
Como já fora susomencionado, a pena de castração química apresenta vantagens não só à sociedade, mas também ao apenado, bem como ao sistema penal em si, razões que justificam a adoção desta pena pela legislação alienígena.
a) Vantagens à sociedade: a castração química traria uma consciência jurídica à sociedade, na medida em que uma penalidade estaria sendo eficazmente aplicada. Não há que se falar em despenalização, mas sim de uma forma alternativa de pena. b) Vantagens ao apenado: a castração química serviria como um verdadeiro tratamento de uma patologia. Outra grande vantagem é o afastamento deste indivíduo do sistema prisional que, além de verdadeiro violador dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo, não surtirá efeito algum em relação à sua hiperfunção hormonal.
c) Vantagens ao sistema penal: a castração química cumpriria com a função precípua do Direito Penal (discurso oficial), principalmente quanto à efetiva possibilidade de ressocialização e reinserção do sujeito à comunidade. A função declarada da ressocialização ? sem o estigma ora existente ? teria, de fato, efetividade. Não há como se olvidar, ainda, da imensa economia financeira aos cofres públicos por não custodiá-lo, colaborando, inclusive, com o problema da superlotação dos presídios.
É, pois, de sumo relevo a adoção desta penalidade no ordenamento pátrio. Espera-se que todos esses aspectos sejam considerados pelo legislador ordinário, de modo que em um futuro muito breve a castração química se torne uma realidade no Direito Penal brasileiro.

Conclusão

O Brasil constitui-se em um Estado Democrático em que todo debate é válido quando se tem por fim o interesse coletivo, principalmente ao envolver direitos e garantias fundamentais.
As vantagens trazidas pela castração química superam as possíveis desvantagens, não sendo evidenciadas ofensas aos direitos e garantias fundamentais do apenado. Ao contrário, além de lhe proporcionar um tratamento adequado, permite sua reintegração à sociedade sem que se faça necessária a drástica intervenção prisional.
Assim, se se começar a incorporar uma visão holística nas pesquisas de novos métodos químico-biológicos, encontrar-se-á caminhos para melhor compreensão do porquê de determinados comportamentos desviantes, e aqui se destaca a castração química como alternativa de pena.

Referências


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BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos e Instituto Carioca de Criminologia, 1999.

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