CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR COMO CAUSAS EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE POR FATO DO PRODUTO E DO SERVIÇO: O DRAMA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA NO UNIVERSO CONSUMERISTA1

 

 

Bruna Andrade Vasconcelos2

Roberto de Oliveira Almeida³

 

Sumário: Introdução; I- A responsabilidade objetiva no Código de Defesa do Consumidor; 2- Caso fortuito e força maior na seara consumerista; 3- O nexo causal em caso fortuito externo e seus desdobramentos; Conclusão; Referências.

 

RESUMO

O presente paper versa sobre a relação que há entre o caso fortuito e a força maior quando se trata de causas excludentes da responsabilidade por fato do produto e do serviço. Contudo, com uma ótica diferenciada já que explora a seara consumeirista e tenta explicitar situações que abordem a responsabilidade objetiva, isso por meio da diferenciação entre caso fortuito externo e interno.

PALAVRAS-CHAVE

Caso fortuito; Direito do Consumidor; Excludentes da responsabilidade; Força maior;
Responsabilidade objetiva.

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1 Título do Paper da disciplina de Direito do Consumidor

2 Alunos do 6° período, noturno, do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco

3 Professor da disciplina de Direito do Consumidor

INTRODUÇÃO

O caso fortuito e a força maior são utilizados como excludentes de responsabilidade no direito penal e no direito civil. Entretanto, referente ao Código de defesa do Consumidor, quanto a responsabilidade por fato de produto e serviço, não é expresso devidamente, havendo ausência em seu texto.

Diante disto, surge a responsabilidade objetiva do Código do Consumidor, baseada na teoria do risco, onde as causas de excludentes aceitas seriam somente as previstas no próprio código. Ocasionando uma análise sobre a importância em verificar possibilidade de caso fortuito ou força maior como excludentes da responsabilidade nas relações de consumo.

Cogitando a possibilidade do caso fortuito não ser aceito nas relações, a responsabilidade, daquele que não possui o resultado do dano vinculado à sua atividade, poderia ser conduzida à atribuição da culpa, o que resultaria na dispensa do nexo causal. Sendo este, um dos mais importantes elementos da responsabilidade civil.

Portanto, discute-se como relacionar esses acontecimentos com o Código do Consumidor, aplicando o caso fortuito e a força maior nas relações entre fornecedor e consumidor. Adaptando ainda, novas teorias, como a que divide o caso fortuito em interno e externo, correspondendo, os fatos, com a imprevisão ou sendo inevitáveis.

1- A RESPONSABILIDADE OBJETIVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O artigo 927 do Código Civil, expressa que aquele que por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a reparar, independente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riso para os direitos de outrem. Desta maneira o Código de Defesa do Consumidor está amparado pelo Código Civil, ao observar que o dano deve ser reparado pelo causador, independente de culpa.

Entretanto, existe uma diferença entre a legislação civil e a do Código do Consumidor, haja vista que na primeira necessita-se de uma prova da culpa, e já na segunda, essa prova é excluída, preponderando simplesmente a existência de um dano e de um ofendido. Conforme pode-se verificar no artigo 12 do CDC: "O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos". Nota-se, portanto, que decorrido o dano à parte mais frágil, a reparação será realizada, sem apresentação de culpa.

O artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor está também de acordo, "O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos". Estes artigos, objetivam proteger o lado mais vulnerável da relação de consumo, pretendendo impedir a ocorrência de abusos por conta de distribuidores, prestadores de serviços, fabricantes.

Por conta disto, têm-se requisitos mínimos a serem cumpridos a cerca da qualidade dos produtos, evitando que prejuízos possam recair sobre o consumidor. Uma vez que o fornecedor é obrigado a responder por danos ao consumidor, independente de culpa, estamos diante da teoria do risco, onde o dano tem que ser assumido de acordo com a atividade realizada.

Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do risco do negócio. Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. (CAVALIERI FILHO).

Segundo Nelson Nery, "A norma estabelece a responsabilidade objetiva como sendo o sistema geral da responsabilidade do CDC. Assim, toda indenização derivada de relação de consumo, sujeita-se ao regime da responsabilidade objetiva, salvo quando o Código expressamente disponha em contrário. Há responsabilidade objetiva do fornecedor pelos danos causados ao consumidor, independentemente da investigação de culpa".

Tudo isto s deve ao fato de que o Código de Defesa do Consumidor, adota como "princípio fundamental", a vulnerabilidade do consumidor, como se pode ver em seu artigo 4°, 1:

Art. 4° A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:

a)     por iniciativa direta;

b)     por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;

c)     pela presença do Estado no mercado de consumo;

d)     pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica, sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos

alternativos de solução de conflitos de consumo;

VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;

           VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos;

VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo.

O princípio da vulnerabilidade encontrado do Código de Defesa do consumidor, é resultado do princípio constitucional da igualdade, presente no artigo 5° da Constituição Federal, onde "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade".

2- CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR NA SEARA CONSUMEIRISTA

 

 

O caso fortuito e a força maior, estão sempre presentes como causas excludentes da responsabilidade, entretanto, agora serão abordados nas relações de consumo. Porém, o Código de Defesa do Consumidor não apresenta claramente o caso fortuito e força maior como excludentes. Mas, como já é entendido, não foram distanciadas a fim de sustentar as causas que impeçam o dever de indenizar quando o dano decorre de situação imprevisível e inevitável.

O Código Civil, em seu artigo 393 firma o caso fortuito e força maior como meio de dispensar a responsabilidade, onde o fornecedor não terá que responder por prejuízos provenientes de caso fortuito ou força maior.

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

É possível analisar que o fornecedor deverá responder por um fato que os efeitos eram previsíveis e capazes de serem impedidos. Tratando-se do significado de caso fortuito ou força maior, a lei não os elenca, por isso, geralmente são tratados como sinônimos. Entende-se por caso fortuito, como um fato que acontece alheio À vontade das partes, o qual não se era possível prever ou evitar. A necessidade do fato deve ser vista conforme a impossibilidade de que se cumpra a obrigação.

Para se considerar o caso fortuito e a força maior, podem ser precisos apresentar alguns requisitos. Caio Pereira, os analisa da seguinte maneira:

I- Necessariedade. Não é qualquer acontecimento, por mais grave e ponderável, bastante para libertar o deve do porém, aquele que impossibilita o cumprimento da obrigação.

II-Inevitabilidade. Mas não basta que à sua vontade ou à sua diligência se anteponha a força do evento extraordinário. Requer-se, Ainda que não haja meios de evitar ou impedir os seus efeitos, e estes inteiro com a execução do obrigado.

Segundo Rui Stocco, se faz necessário diferenciar caso fortuito de força maior na prática, ainda que seja para distanciar uma da outra, uma vez que a legislação brasileira trata como sinônimos e possuindo também os mesmo efeitos.

Estes e outros critérios diferenciais adotados pelos escritores procuram extremar o caso fortuito da força maior. Preferível, todavia, não obstante concordar que abstratamente se diferenciem, admitir que na prática os dois termos correspondem a um só efeito, pois nesse sentido marcham nossos Códigos Civis de 1916 e de 2002. (STOCCO, 2007).

Não há acontecimentos que possam, a priori, ser sempre considerados casos fortuitos; tudo depende das condições de fato em que se verifique o evento. O que é hoje caso fortuito, amanhã deixará de sê-lo, em virtude do progresso da ciência ou da maior previdência humana. (FONSECA apud STOCCO, 2007)

Para Cavalieri Filho, o caso fortuito pode se interno ou externo. "O fortuito interno, assim entendido o fato imprevisível e, por isso, inevitável ocorrido no momento da fabricação do produto ou da realização do serviço, não exclui a responsabilidade do fornecedor do produto ou da realização do serviço, não exclui a responsabilidade do fornecedor porque faz parte da sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento, submetendo-se a noção geral de defeito de concepção do produto ou de formulação do serviço". E quanto ao fortuito externo, observa: "Fortuito externo, assim entendido é aquele fato que não guarda nenhuma relação com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço, via de regra ocorrido em momento posterior ao da sua fabricação ou formulação".

No direito do consumidor, analisar o nível da imprevisibilidade ou de como não se pôde evitar, não é a tarefa mais urgente, sendo esta, definir se a ocorrência do fato se deu num momento produtivo-distributivo. E o caso fortuito que excluiria a responsabilidade, seria o externo, uma vez que o evento seria estranho à atividade realizada pelo empresário. Percebe-se que quanto maior o risco, maior deverá ser a inevitabilidade do acontecimento, para que haja a configuração do fortuito externo. Entretanto, o caso fortuito externo só pode ser configurado após a análise do caso, relativizando as provas e a inserção na relação consumerista.

3- O NEXO CAUSAL EM CASO FORTUITO EXTERNO E SEUS DESDOBRAMENTOS

Ao se falar em nexo causal no que tange ao direito do consumidor necessário é a diferenciação entre caso fortuito externo e interno. Logo, para respaldar essa análise os conceitos basilares de Sérgio Cavalieri Filho são mais que pertinentes, pois ensina que:

O fortuito interno, assim entendido o fato imprevisível e, por isso, inevitável ocorrido no momento da fabricação do produto ou da realização do serviço, não exclui a responsabilidade do fornecedor do produto ou da realização do serviço, não exclui a responsabilidade do fornecedor porque faz parte da sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento, submetendo-se a noção geral de defeito de concepção do produto ou de formulação do serviço. (CAVALIERI, 2010. p. 502.)

Não obstante, com clareza ele prossegue versando sobre o fortuito externo ao acrescentar que:

Fortuit externo, assim entendido é aquele fato que não guarda nenhuma relação com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço, via de regra ocorrido em momento posterior ao da sua fabricação ou formulação. (CAVALIERI, 2010. P. 502).

Para consubstanciar esse posicionamento surge o posicionamento de Leonardo Medeiros Garcia (2009, p.116) que corrobora com Cavalieri ao definir caso fortuito externo: "o fortuito externo é também fato imprevisível e inevitável, mas estranho a organização do negócio, não guardando nenhuma ligação com a atividade negocial do fornecedor".

Portanto, alguns caracteres já são detectados como o imponderável já que adere ao fato da imprevisibilidade e inevitabilidade, isto é, mina o controle sobre os atos posteriores que tem o condão de ruptura, já que o fato se manifesta ulteriormente, livre de qualquer relação direta com a desenvolvida pela atividade negocial do fornecedor, sendo assim quase um fato estranho ao mesmo.

Diante do exposto, já se visualiza uma crescente significativa em entender o caso fortuito externo como uma real possibilidade de causa excludente de responsabilidade contida disfarçadamente no Código de Defesa do Consumidor. Ora, isso é verificável inclusive no entendimento do Superior Tribunal de Justiça que conforme o julgado a seguir esclarece que:

RECURSO ESPECIAL - DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR — RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - FORNECEDOR - DEVER DE SEGURANÇA - ARTIGO 14, CAPUT, DO CDC — RESPONSABILIDADE OBJETIVA - POSTO DE COMBUSTÍVEIS -OCORRÊNCIA DE DELITO - ROUBO - CASO FORTUITO EXTERNO - EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE - INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

I - É dever do fornecedor oferecer aos seus consumidores a segurança na prestação de seus serviços, sob pena, inclusive, de responsabilidade objetiva, tal como estabelece, expressamente, o próprio artigo 14, "caput", do CDC.

II - Contudo, tratando-se de postos de combustíveis, a ocorrência de delito (roubo) a clientes de tal estabelecimento, não traduz, em regra, evento inserido no âmbito da prestação específica do comerciante, cuidando-se de caso fortuito externo, ensejando-se, por conseguinte, a exclusão de sua responsabilidade pelo lamentável incidente.

III - O dever de segurança, a que se refere o § 1°, do artigo 14, do CDC, diz respeito à qualidade do combustível, na segurança das instalações, bem como no correto abastecimento, atividades, portanto, próprias de um posto de combustíveis.

IV - A prevenção de delitos é, em última análise, da autoridade pública competente. É, pois, dever do Estado, a proteção da sociedade, nos termos do que preconiza o artigo 144, da Constituição da República.V -14 Recurso especial improvido. (Brasil. STJ. Ementa: Roubo. Fortuito externo. Excludente de responsabilidade. REsp 1243970 / SE. Relator: Massami Uyeda, DJe 10/05/2012).

Nesse sentido se torna evidente que a uma distinção nítida entre caso fortuito externo e interno, o que gera desdobramentos diferenciados, inclusive Ribeiro Jr. (2012) destaca o fato da "aceitação do STJ acerca da divisão do caso fortuito em externo e interno que recentemente foi editada a súmula 479 afirmando que as fraudes praticadas por terceiros no âmbito das operações bancárias são casos fortuitos internos". Assim, a súmula 479 diz que "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". (BRASIL, STJ, Súmula 479, DJe 01/08/2012).

Sendo assim, o caso fortuito ganha nova acepção haja vista que o caso fortuito externo e interno é relacionado a ideia de culpa exclusiva de terceiro como bem salienta Ribeiro Jr. (2012, p.14). Não obstante, essa relação no que tange ao caso fortuito externo é feita em relação a força maior.

Portanto, na seara do direito consumeirista, a imprevisibilidade e inevitabilidade são dois conceitos nodais, relevantes porém secundários. Ora, a tarefa primeira consiste em romper o nexo causal visualizando se o fato ocorreu durante o período de produção ou distribuição, ou seja, ele se liga primeiro a temporalidade e momentaneidade. Logo, para que nessa perspectiva o caso fortuito externo exclua a responsabilidade necessário é a demonstração que o fato estava alheio ao produtor­distribuidor.

Vale ressaltar que a demonstração do caso fortuito externo é feita em seu contexto, ou seja, analisando cada situação com suas especificidades.

CONCLUSÃO

O caso fortuito e a força maior surgem como possibilidade de aceitação para o fato de se excluir a responsabilidade nas relações de consumo, mesmo ambos não inseridos expressamente no Código de Defesa do Consumidor, o que não retira a valia dos dois institutos. Não obstante, salienta-se o fato dos dois institutos não serem conflitantes com a responsabilidade objetiva do Código, pois não tratam sobre o elemento culpa e sim o nexo causal, o que configura uma situação distinta sempre salientando o fato da teoria do risco empreendimento ter sido adotado pelo código.