Caso clínico-cirúrgico de DHA com resultados divergentes da literatura- Relato de caso. A clinical-surgical case of ALD with dissonant outcomes from the literature- Report case Geyhsy Elaynne da Silva Rocha ¹ ; Aelson Mendes de Sousa ² ¹Graduanda de Medicina da UFPB; ²Graduando de Fisioterapia da UFPB [email protected]/ [email protected] Resumo Introdução: A Doença Hepática Alcoólica (DHA) caracteriza-se pelo comprometimento anatomo-funcional do sistema hepático em que convergem fatores biológicos, epidemiológicos, clínicos e psicológicos. O objetivo deste trabalho é relatar um caso clínico-cirúrgico de DHA, cujos resultados divergiram dos prognósticos descritos na literatura corrente. Método: Este é um estudo de natureza exploratório-descritiva, baseado em um relato de caso de doença hepática alcoólica (DHA), ocorrido na cidade de João Pessoa (PB) durante um período de 6 meses, incluindo pré e pós-operatório. Utilizaram-se como instrumentos o questionário CAGE, a classificação de Child-Pugh, a escala de MELD e o índice de Maddrey (FD), calculados a partir dos exames clínicos e laboratoriais. Resultados: Em relação ao questionário CAGE, o paciente analisado respondeu afirmativamente a 75% das questões, foi classificado como Child C, apresentou FD=12,08 e MELD=10,75. Discussão: Divergências foram observadas entre autores no levantamento bibliográfico em vários aspectos, especialmente quanto à forma de monitorização da DHA. Ressaltam-se as limitações quanto à produção de fármacos e utilização de vias medicamentosas que provoquem menos efeitos colaterais e que interfiram na redução do escore de mortalidade, objetivando melhora da qualidade de vida do portador de DHA. Destaca-se ainda a notável discrepância entre os prognósticos relatados, através de instrumentos diagnósticos, no que se refere a real evolução do paciente estudado. Considerações finais: Dada a complexidade da DHA, é necessária uma análise multifatorial por meio do desenvolvimento de pesquisas que contemplem a produção de instrumentos de avaliação mais adequados, bem como fármacos mais específicos e menos lesivos ao organismo. Palavras-chave: Doença Hepática Alcoólica (DHA), alcoolista crônico, investigações futuras. Abstract Introduction: The Alcoholic Liver Disease (ALD) is characterized by the anatomical and functional impairment of the hepatic system in which converge biological, epidemiological, clinical and psychological factors. The purpose of this learning is to report a clinical-surgical case of ALD, whose results dissented from the forecasts described in the reference´s literature. Methodology: This is an exploratory and descriptive study, based in a case account of ALD, happened in João Pessoa (PB) city during a period of six months, including pre and postoperative .The CAGE questionnaire, the Child-Pugh classification, the MELD scale and the Maddrey(FD) index were used as methodological tools by the attainment of clinical and laboratory examination. Results: As regards, we used the CAGE questionnaire, the analyzed individual answered affirmatively to 75% about the questions. He also was classified like Child C and presented FD=12,08 and MELD=10,75. Discussion: Divergences were remarked between the authors in the literature in several aspects, especially regarding the monitoring of ALD. It also emphasized the restriction at about the development of drugs and utilization from drug pathways that incited few side effects and interfering to lessen the mortality score, seeking to improve the quality of life from ALD carrier. In addition, there is a remarkable disagreement among the reported prognosis, through of diagnostics instruments about the real evolution of the studied patient. Final respect: Given the complexity of ALD, a multifactorial analysis is required through the development of research that contemplate the production of assessment tools, most appropriate drugs and more specific and less harmful to the body. Keywords: Alcoholic Liver Disease (ALD), chronic alcoholism, future investigations. Introdução Diante das constantes polêmicas em torno do alcoolismo, como as mudanças que o vício produz no ambiente sócio-familiar, alterações na estrutura física e psíquica que levam ao adoecimento, pretende-se incentivar com a leitura deste relato de caso a refletir sobre as conseqüências produzidas pela doença hepática alcoólica (DHA), a qual é caracterizada como uma patologia em que convergem fatores biológicos, epidemiológicos, clínicos e psicológicos. A DHA possui como principal fator etiológico o etanol e diferenciando-se de outras doenças, pode ser evitada, desde que a ingestão etílica não ultrapasse determinados limites e permaneça estática ou mesmo regrida após abstenção alcoólica. É a causa mais freqüente de disfunção hepática nos EUA, cuja à ocorrência está também relacionada com o consumo elevado de bebidas alcoólicas, onde cerca de metade da população adulta adota esse hábito de forma que 15 a 20 milhões de indivíduos são alcoólatras. Em alguns hospitais universitários, o álcool é atualmente a principal causa da cirrose, entre os pacientes internados, configurando-se tal patologia a fase irreversível da DHA, sua incidência varia entre 12% e 30%, conforme os trabalhos consultados (Sherlock et.al, 2002). O quadro clínico típico da doença hepática alcoólica (DHA) é o de um alcoolista crônico, que passa a apresentar dor no hipocôndrio direito, febre, icterícia e hepatomegalia dolorosa, podendo ou não ter outros sinais de insuficiência hepática e/ou hipertensão portal (esplenomegalia, ascite, aranhas vasculares, eritema palmar, varizes esofagianas, etc.). Embora a desnutrição seja muito comum neste tipo de paciente, em um quarto dos casos o estado nutricional foi considerado regular ou bom no momento do diagnóstico (Gonçalves, 2006), entretanto Szelin et al. (2007) demonstrou altos índices de depleção protéica em pacientes Child C. Segundo Filho (2006), na fase avançada, o paciente apresenta hemorragias digestivas (hematêmese e/ou melena), circulação colateral, hálito hepático, edema nos membros inferiores, ascite e manifestações de encefalopatia hepática (letargia, sonolência, raciocínio lento, apatia). A análise diagnóstica da DHA deve basear-se em um conjunto de dados: anamnese, exame físico, exames laboratoriais, métodos diagnósticos por imagem, dados morfológicos e melhora marcante após abstenção alcoólica. No estudo das enzimas verificou-se que, se a AST/ALT for igual ou maior que 2, constitui quadro indicativo de hepatite ou cirrose alcoólica. Além disso, se a FALC está frequentemente elevada, associando-se a altos índices da GGT/FA, estes são mais sugestivos de DHA do que doença hepática não alcoólica (Mincis, 2010). É importante destacar que, devido à discrepância entre manifestações clínicas e alterações bioquímicas e o grau de lesão histopatológica, a monitorização da doença hepática alcoólica é fundamentalmente morfológica, tendo a biópsia hepática indicação formal (Filho, 2006). Contudo, para Mincis (2010), os dados morfológicos, sem o conhecimento dos dados clínicos (especialmente os hábitos etílicos) não possibilitam o diagnóstico de "doença hepática de etiologia alcoólica". Além disso, os dados do exame histológico não informam sobre a disfunção hepática (e desse modo não substituem os denominados testes de função hepática). Ainda em relação ao diagnóstico, ressalta-se a utilização de marcadores tumorais (ou marcadores biológicos), que são macromoléculas presentes no tumor, no sangue ou em outros líquidos biológicos, cujo aparecimento e ou alterações em suas concentrações estão relacionados com a gênese e o crescimento de células neoplásicas (Capezzoli, 2001). A abordagem terapêutica da referida patologia envolve intervenções clínicas e/ou cirúrgicas. Segundo Mincis (2010), o tratamento clínico não específico fundamenta-se na abstenção total de bebidas alcoólicas com regressão significativa da esteatose e aumento da sobrevida entre os pacientes que apresentam a forma compensada da doença. Entretanto, é importante ressaltar, a ocorrência em alguns pacientes de agitação, ansiedade, alterações de humor (irritabilidade, disforia), tremores, náuseas, vômitos, taquicardia, hipertensão arterial, alucinações, Delirium Tremens (DT), convulsões, configurando-se como síndrome da abstinência alcoólica (SAA), requerendo a utilização de benzodiazepínicos (Laranjeira et.al, 2000). O tratamento específico consiste na utilização de corticosteróides, identificando-se em estudo randomizado com 101 etilistas com DHA que a prednisona, 30 mg ao dia, foi superior ao extenso "cocktail" de antioxidantes em cujos índices de mortalidade foram 30% e 40%, respectivamente (Phillips et al., 2006). Outras drogas estão sendo avaliadas (infliximabe, SAME, pentoxifilina) quanto a sua eficácia, porém os intensos efeitos colaterais, a falta de testes bioquímicos mais específicos e o baixo índice de redução na mortalidade interferem na indicação desses medicamentos na terapêutica da DHA. Em relação ao tratamento cirúrgico, o transplante hepático é indicado, a princípio, a todos os pacientes com DHA (Mincis, 2010). Todavia, figuram como critérios de exclusão aqueles que apresentem comprometimento significativo extra-hepático, especialmente disfunção cerebral, pancreatite crônica, cardiomiopatia e alterações músculo-esqueléticas. (Mcallum et.al, 2006). Neste sentido e no contexto das ideias introdutórias aqui apresentadas, o objetivo deste trabalho é relatar um caso clínico-cirúrgico de DHA, cujos resultados diferenciam-se dos prognósticos descritos na literatura corrente. Metodologia O presente trabalho refere-se a um estudo de natureza exploratória-descritiva, baseado em um relato de caso de doença hepática alcoólica (DHA), ocorrido na cidade de João Pessoa (PB) durante um período de 6 meses, incluindo pré e pós-operatório. Resguardada a total proteção e sigilo, a pessoa física deste estudo será descrita como docente. A coleta de dados foi realizada mediante observação criteriosa dos achados encontrados na avaliação clínica associada aos exames laboratoriais. O apanhado dos dados foi promovido pelo uso dos instrumentos metodológicos de pesquisa o questionário CAGE (acrônimo referente às suas quatro perguntas- Cut down, Annoyed by criticism, Guilty e Eye-opener) sendo utilizado para screening positivo para abuso ou dependência de álcool; a classificação de Child-Pugh considerada um índice prognóstico da expectativa de sobrevida em hepatopatas crônicos ; o índice de Maddrey, preditor da gravidade e da taxa de mortalidade desses pacientes e escala de MELD (Model for End-stage Liver Disease), avaliadora da morbimortalidade perioperatória e indicadora da prioridade de transplante hepático. A análise qualitativa dos dados deu-se através da confrontação teórico-lógica entre aqueles encontrados no processo investigatório e os normalmente prescritos pela literatura vigente. É importante destacar que a análise realizada é produto de discussão coletiva dos autores sob a égide do conhecimento adquirido ao longo da suas graduações desenvolvidas na Universidade Federal da Paraíba. Caso clínico Docente de 48 anos, masculino, branco, solteiro, professor, natural de Sousa (PB), residente em João Pessoa (PB), que procurou atendimento clínico para tratamento de litíase renal. Ao exame clínico o mesmo relatou sintomas de anorexia, astenia, náuseas, vômitos, emagrecimento e dores abdominais em cólica, especialmente no hipocôndrio direito, há aproximadamente 1 ano. Negava sudorese, calafrios, prurido e alterações no hábito intestinal. Refere antecedentes familiares de câncer, diabetes mellitus, doença coronariana, alcoolismo, tabagismo. Relatou ser tabagista (40cigarros/dia) e com hábitos etílicos (320 g) há 18 anos. O paciente apresentava dieta reduzida quantitativa e qualitativamente em relação a proteínas, fibras, vitaminas e sais minerais, realizando apenas duas refeições diárias em média. Ao exame físico, o paciente apresentava-se em estado geral regular, corado, hidratado, eupnéico, anictérico, acianótico, afebril. Evidenciaram-se: telangiectasias (terço superior do tórax e pescoço), eritema palmar e plantar, hipocratismo digital, ginecomastia e esclerite. Estava normotenso (PA=120/80mmHg), sem alterações cardiorrespiratórias, com alterações neurológicas (marcha cerebelar e amnésia de fixação e evocação) e psíquicas (sonolência, letargia). Ao exame abdominal apresentava abdome globoso, ausência de circulação colateral, hepatomegalia (fígado palpável a 2 cm do rebordo costal direito e doloroso à palpação), sinal de Murphy negativo. Devido à alta ingestão de álcool, o médico suspeitou de pré-cirrose e solicitou exames, cujos resultados foram: GGT= 1263 (VR até 58); albumina=3,8 (VR até 5); Bilirrubina indireta=2,5 (VR até0,8); bilirrubina direta=1,76 (VR até 0,4); bilirrubina total=4,26 (VR até 1,2); AST=109 (VR até 39); ALT= 44 (VR até 39); FALC=209 (VR 60-300). Dada as alterações na enzimologia hepática, realizaram-se sorologias para hepatites (A, B, C, CMV e EBV), que foram negativas. Hemograma e leucograma normais, amilase dentro dos padrões da normalidade, função renal alterada (hematúria; proteinúria; corpos cetônicos; uréia=93; creatinina=1,8). Também foram solicitados marcadores tumorais CEA= 10.60 (VR 2.10 até 6.20); CA19/9 = 66.3 (VR até 33.0). A ecografia abdominal detectou fígado com característica de hepatopatia parenquimatosa crônica e imagens sugestivas de pseudocisto em projeção da cabeça do pâncreas, além de litíase renal bilateral. Na tomografia visualizaram-se áreas de alteração do coeficiente de atenuação do parênquima hepático, sinalizando infiltração gordurosa hepática (esteatose) e formação cística de inclusão peritoneal entre o fígado e o duodeno, não se afastando completamente a possibilidade de neoplasia. Diante da excessiva ingestão etílica associada à análise dos exames clínico e laboratorial, suspeitou-se de uma possível neoplasia pancreática, optando-se então por uma laparotomia exploratória, na qual foi encontrado um cisto hepático na porção inferior do lobo direito do fígado, que sofreu ressecção. Optou-se também por um estudo anatomo-patológico de fragmento hepático, o qual foi compatível com esteato-hepatite, estadiamento grau 4 (cirrose); negativo para hemocromatose. O paciente encontra-se atualmente sob acompanhamento clínico, em abstinência alcoólica e evoluindo com melhora do quadro. Resultados Como ferramentas metodológicas foram desenvolvidas vários modelos padronizados voltados à detecção dos transtornos decorrentes do uso de álcool, como o questionário CAGE, a classificação de Child-Pugh, a escala de MELD, o índice de Maddrey, entre outros. O questionário CAGE (acrônimo referente às suas quatro perguntas- Cut down, Annoyed by criticism, Guilty e Eye-opener) é utilizado com um ponto de corte de duas respostas afirmativas, sugerindo screening positivo para abuso ou dependência de álcool. Duas ou mais respostas positivas, sugerem dependência de álcool com uma sensibilidade de 70 a 96% e uma especificidade de 91 a 99% (Paz Filho et.al, 2001). O indivíduo analisado respondeu afirmativamente a 75% das questões, o que comprova sua dependência alcoólica, conforme demonstrado na tabela 1. Tabela 1- Questionário CAGE Questões Resultados C Alguma vez o Sr já sentiu que deveria diminuir a quantidade de bebida ou parar de beber? Positivo A As pessoas o aborrecem porque criticam seu modo de beber? Positivo G O Sr sente-se culpado/chateado com o Sr mesmo pela maneira como costuma beber? Negativo E O Sr costuma beber pela manhã para diminuir o nervosismo ou a ressaca? Positivo Fonte: Pesquisa Direta, 2011. A classificação funcional de Child-Pugh, especialmente quando expressa em sua forma de pontuação, é considerada um indicador de grande valor prognóstico em relação à expectativa da sobrevida de pacientes hepatopatas crônicos (Parise et.al, 2004). Na casuística em questão, o paciente foi classificado como Child C, visto que apresentou confusão mental, ausência de ascite, albumina (Alb=3,8), bilirrubina total (BbT=4,26), tempo de protrombina (TP=14,1). Em um estudo realizado com 268 pacientes cirróticos, subdivididos nos grupos A, B e C de Child, evidenciou-se que 72% dos indivíduos do grupo C apresentavam depleção protéica (DP) quando comparados com 43% e 42% nas classes B e A respectivamente (P < 0.0001). Em relação ao percentual de gordura corporal (PGC), observou-se maior diminuição dessa taxa no Child C em comparação aos demais grupos. Já em relação à densidade mineral óssea (DMO), constatou-se que os homens sofreram maior perda óssea do que as mulheres (P < 0.0001). Além disso, vale ressaltar que os pacientes com DHA apresentaram maior DP (P < 0.0001), quando comparados àqueles com cirrose de etiologia viral, doença colestática e outras patologias. (Szelin et.al, 2007). (ver dados da tabela 2) Tabela 2 - Critérios para classificação de Child-Pugh Critérios Resultados Encefalopatia ausente confusão mental coma Ascite ausente moderada* importante** Albumina > 3,5 g/dl >2,8<3,5 g/dl <2,8g/dl Bilirrubina Total < 2mg/dl >2 < 3mg/dl > 3mg/dl Tempo/protrombina < 4seg >4 <6seg > 6seg Pontos/parâmetro 1 2 3 Pontos totais 5-6 7-9 10-15 Classificação A B C *ascite compensada com uso de diurético; **ascite descompensada apesar do uso de diurético. Fonte: Parise et al.,2004. De acordo com Haslett et al.(2002), há uma correlação direta entre a classificação de Child-Pugh, a taxa de sobrevivência e o percentual de dano hepático, na qual é possível constatar que à medida que nos aproximamos do Grau C, o dano hepático é substancialmente maior, refletindo-se em diminuições drásticas da probabilidade de sobrevivência, conforme exemplificado na tabela 3. Tabela 3- Sobrevivência na DHA relacionada ao grau na Classificação de Child-Pugh e dano hepático hepa hepaticohepático Grau Child-Pugh Sobrevivência (%) Dano hepático (%) 1ano 5anos 10anos A 82 45 25 43 B 62 20 7 72 C 42 20 0 85 Fonte: Haslett et al.,2002. Estudos recentes têm proposto que o MELD (Model for End-stage Liver Disease), parâmetro calculado a partir de três variáveis bioquímicas (bilirrubina total, creatinina e INR), é utilizado na definição de prioridade para transplante hepático (Freeman, 2005; Malinchoc et.al, 2000), pode constituir um fator preditivo de morbimortalidade operatória, além de ser particularmente importante na avaliação do risco cirúrgico de pacientes cirróticos (Teh et.al, 2007; Cucchetti, 2006) .No relato de caso em questão, o paciente apresentou escore (E=10,75) na classificação de MELD, o que justifica a intervenção cirúrgica ao qual foi submetido. (ver dados na tabela 4) Tabela 4 - Valores de referência na Escala de MELD Valores Indicação a procedimento cirúrgico <10 apto >10 <15 requer cuidados especiais* >15 contra-indicado *Fatores de pior prognóstico: varizes esofagianas, ascite, esplenomegalia e plaquetopenia (Bruix et.al, 2005). Fonte: Pesquisa Direta, 2011. A gravidade da doença e o risco de mortalidade em pacientes com hepatite alcoólica pode ser estimado usando uma fórmula de função discriminante (pontuação de Maddrey) calculada da seguinte forma: Função discriminante (FD) = (4,6 x [tempo protrombina - controle PT]) + [bilirrubina sérica] (Gonçalves 2009). Quando a presença de um resultado de FD é maior que 32, observa-se uma mortalidade de 50% nos dois meses após o início dos sintomas, conforme Akriviadis et.al (2000). Na aplicação desse instrumento obteve-se resultado desfavorável à mortalidade, FD=12,08. Discussão Observou-se que no levantamento bibliográfico realizado, ocorre discrepância de opinião dos autores quanto à monitorização da DHA, já que na visão de Filho (2006) esta deveria ser fundamentalmente morfológica (biópsia), enquanto Mincis (2010) valoriza o conhecimento dos dados clínicos para a confirmação diagnóstica. Com base em estudos semiológicos há consenso de que deve existir uma complementaridade entre os dados adquiridos através da anamnese (85%), exame físico (10%) e exames complementares (5%) com a finalidade de se ter um diagnóstico mais preciso. Dada a importância da avaliação nutricional em hepatopatas, torna-se necessária uma análise mais criteriosa, referenciada em ferramentas estatísticas e outros critérios de classificação, como exemplifica Szelin et al. (2007) ao utilizar a classificação de Child-Pugh para avaliar a depleção protéica da amostra estudada diferindo das idéias de Gonçalves (2006). As restrições no desenvolvimento e no aprimoramento de fármacos adequados e outras formas de tratamento constituem-se ainda fator limitante à aquisição de uma terapêutica eficiente voltada para a qualidade de vida do portador de DHA, visto que poucos medicamentos interferem na redução das taxas de mortalidade, segundo Mincis (2010). O questionário CAGE (Paz Filho, et.al, 2001) mostrou-se um recurso prático ao screening para dependência alcoólica, mas para o estudo em questão apenas confirmou o que os hábitos etílicos (320g) já sinalizavam. Em relação à classificação Child-Pugh houve discordância com os dados da literatura no que se refere à expectativa de sobrevida e prognóstico, pois mesmo enquadrando-se como Child-C, o paciente vem evoluindo significativamente na retomada das suas atividades de vida diárias (AVDs). Não obstante, esse teste foi válido quanto à depleção protéica em virtude da existência de proteinúria e corpos cetônicos nos exames laboratoriais, como proposto por Szelin et al. (2007). Ao utilizar o índice de Maddrey (Gonçalves, 2009) constataram-se valores referentes ao baixo percentual de mortalidade, já que apresentou escore de 12,08. Apesar de ser um instrumento prático e de fácil aplicação, destaca-se sua abrangência temporal ínfima em relação à taxa de mortalidade de forma que não constitui um modelo de avaliação viável em hepatopatas crônicos. Com base nos exames laboratoriais, a escala de MELD (Teh et.al, 2007; Cucchetti, 2006) mostrou-se compatível na avaliação de risco cirúrgico, pois o paciente se submeteu a laparotomia exploratória com possível gastroduodenopancreatectomia cefálica(GDP) e apresentou pós-operatório transcorrido sem anormalidades com cicatrização eficiente e continuação do acompanhamento clinico. Em relação aos marcadores tumorais, estes podem ser úteis no manejo clínico dos pacientes com DHA para avaliar a possibilidade de carcinoma hepatocelular, auxiliando nos processos de diagnóstico, estadiamento, avaliação de resposta terapêutica, detecção de recidivas e de prognóstico (Silveira, 2005; Mattos et al., 2005; Alonzo, 2005), além de auxiliar no desenvolvimento de novas modalidades de tratamento (Pachecco et al., 2002). O marcador CA 19.9 possui sensibilidade variável com a localização do tumor: pâncreas 70% a 94%, vesícula biliar 60% a 79%, hepatocelular 30% a 50%, gástrico 40% a 60% e colorretal 30% a 40%. Em menor freqüência, positiva-se também no câncer de mama, de pulmão e de cabeça e pescoço. O CEA também é útil na detecção das neoplasias já referidas (Cecil & Ausiello, 2005). Na casuística em questão, o paciente apresentava a tríade sintomática (astenia, anorexia, emagrecimento) sugestiva de neoplasia (Porto, 2009), bem como marcadores tumorais discretamente elevados (CEA= 10.60; CA19/9= 66.3), o que constitui fator importante na iniciativa de realização do procedimento cirúrgico. Todavia, algumas doenças como cirrose hepática, pancreatite, doença inflamatória intestinal, doenças auto-imunes, tabagismo, insuficiência renal, doença fibrocística da mama e bronquite podem elevar o CA 19.9 e o CEA sem ultrapassar 120U/ml3 segundo esses mesmos autores. Dessa forma, esses exames necessitam de maior acurácia na comprovação dos resultados, visto que a suspeita de neoplasia maligna afeta a estrutura biopsicossocial do paciente, podendo refletir negativamente na conduta terapêutica e, por conseguinte, retardar o processo de cura. A indústria farmacêutica tem contribuído significativamente no desenvolvimento de fármacos voltados a terapêutica da DHA, embora ainda exista muitas restrições quanto à utilização desses medicamentos, em virtude dos inúmeros efeitos colaterais relacionados à administração dos mesmos (Mincis, 2010), podendo ser localizados, a exemplo da hepatotoxicidade que induz a depleção hepática, além da promover a indução do complexo CYP450, o qual aumenta a biotransformação de fármacos, alterando as concentrações plasmáticas e repercutindo em efeitos colaterais sistêmicos, como o favorecimento de infecções, septicemia, pancreatite aguda, quadros psicóticos, doenças auto-imunes, osteoporose, síndrome metabólica, entre outros(Goodman & Gilman, 2006). De acordo com os dados da literatura (Mincis, 2010) a abstenção alcoólica constitui-se uma boa indicação terapêutica, pois a lesão hepática, dependendo de sua intensidade, pode desaparecer após uma a seis semanas de abstenção e dieta normal. A DHA pode regredir e o fígado se apresentar histologicamente normal após período de cessação de ingestão etílica. Essa cessação é importante, embora não suficiente em muitos casos, para a regressão dessa patologia. Este relato clínico demonstrou limitações por apresentar uma amostra unitária, o que não possibilita a generalização de resultados, além da divergência entre autores aliada à dificuldade de encontrar modelos metodológicos dotados de maior sensibilidade, especificidade, acurácia para tratamento mais apurado dos dados estatísticos, proporcionando, dessa forma, uma fundamentação teórica mais concreta. Considerações finais Da experiência do estudo realizado é possível se estabelecer alguns insights, os quais possam servir de marcadores teórico-acadêmicos para investigações futuras, tais como: discordância entre os achados clínicos e laboratoriais em relação à intervenção cirúrgica, a demanda existente em se descobrir uma via medicamentosa que atenue os efeitos colaterais e que interfira positivamente na redução dos índices de mortalidade, além do desenvolvimento de instrumentos metodológicos mais adequados ao portador de DHA. Em virtude de a DHA caracterizar-se como um a patologia de análise complexa, fundamentada numa perspectiva multifatorial em que convergem aspectos biológicos, epidemiológicos, clínicos e psicológicos, configura-se necessária a interligação dos conhecimentos científicos e transdisciplinares no intuito de promover avanços na qualidade de vida, refletindo na melhor evolução do quadro clínico. Referências bibliográficas Alonzo TA. 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