CASAMENTO NA SAGRADA ESCRITURA

O CASAMENTO COMO SACRAMENTO

Muitos autores e estudiosos estiveram a pesquisar e aprofundar este tema do casamento da forma mais ampla possível, a Bíblia como fonte fidedigna, não só aos que têm fé, mas a todas pessoas de boa vontade sempre alvo de muitas citações como se pode ver a seguir.
Leite ensina que, ao contrário do que se pode imaginar, o casamento cristão não é tão antigo quanto o Cristianismo, sendo uma invenção medieval. O que se conhece hoje por casamento só se tornou prática corrente no século XVIII (LEITE, 1991, p. 210).
O sacramento do Matrimônio é sinal da união de Cristo e da Igreja. Confere aos esposos a graça de se amarem com o amor com que Cristo amou a sua Igreja; a graça do sacramento aperfeiçoa assim o amor humano dos esposos, dá firmeza à sua unidade indissolúvel e santifica-os no caminho da vida eterna (Concílio de Trento, DZ 1799).

O casamento religioso foi elevado à dignidade de Sacramento (CIC, cân. 1055, § 1). A aliança matrimonial, pela qual o homem e a mulher constituem entre si uma comunhão para toda a vida, recebe da Criação seu vigor e sua força, bem como é levada a uma dignidade mais alta em favor dos fiéis, uma vez que se inclui entre os sacramentos da Igreja (RITUAL ..., 1993. p. 13).
A Sagrada Escritura se reporta a uma prática de Jesus, que foi interpretada como um sinal forte de santificação do casamento, ocorrida no episódio da festa de casamento, em Caná da Galiléia. Com a sua presença, levou a bênção e a alegria às bodas de Caná, realizando o primeiro milagre, (BIBLIA, 1993, Jo 2,1-11) - a transformação da água em vinho -, significando, antecipadamente, a hora da nova e eterna aliança.
Pelo Sacramento do Matrimônio, os cônjuges cristãos exprimem o mistério da unidade e do amor fecundo entre Cristo e a Igreja e dele participam (BIBLIA, 1993, Ef 5,25), por isso ajudam-se na santificação um ao outro na vida conjugal, como na aceitação e educação dos filhos tendo assim um dom, uma graça especial, entre os filhos de Deus (BIBLIA, 2003, 1 Cor 7,7).
O Matrimônio desejado, preparado, celebrado e vivido à luz da fé, é o que a Igreja une, a doação confirma, a bênção chancela, os anjos anunciam e o Pai ratifica.
O consentimento, pelo qual os esposos mutuamente se dão e se recebem, é selado por Deus (BIBLIA, 2003, Mc 10, 9. Da sua aliança «nasce uma justificação, também à face da sociedade, confirmada pela lei divina (BIBLIA, 2003, GS 48 § 1).

A íntima comunhão de vida e de amor, pela qual os cônjuges "já não são dois, mas uma só carne" foi estabelecida pelo Criador, instruída com suas leis e dotada com sua bênção. (BIBLIA, 2003, Mt 19,6).
A aliança dos esposos é integrada na aliança de Deus com os homens: O autêntico amor conjugal é assumido no amor divino. (BIBLIA, 2003, GS 48 § 2).

Esse vínculo sagrado não depende do arbítrio humano, mas do próprio autor do matrimônio que o quis, pela sua índole natural, se destinasse à procriação e educação dos filhos, que são na verdade, o mais excelente dom do matrimônio e muito contribuem para a felicidade dos próprios pais.
A tradição bíblica, desde as suas origens, apresenta o casamento como instituição natural que o Senhor Deus confirma e abençoa. A tendência natural à união do homem e da mulher é sancionada pela explícita palavra do Criador (BIBLIA, 2003, Gn 1,27ss; 2,18-24), dando origem à família por meio do matrimônio. O povo de Israel atribuía ao matrimônio valor sagrado. O casamento na Bíblia, no Antigo Testamento , é considerado como colaboração com o próprio Deus na realização de um plano salvífico e estava relacionado diretamente com a transmissão da vida e visto como um valor religioso.
No Novo Testamento, Jesus se reporta ao casamento em diversas oportunidades, confirmando a santidade das núpcias e instituindo a unidade e a indissolubilidade do matrimônio (BIBLIA, 2003, Mc 10,2-12). A índole sagrada do matrimônio foi reconhecida pelas subseqüentes gerações de cristãos, cabendo à Igreja regular e dirimir sobre os impedimentos e dificuldades e declarar validade e nulidade de qualquer casamento até a chegada dos impasses produzidos por Martin Lutero e os reformistas da Reforma Protestante do século XVI (BIBLIA, 2003, Mc 10,2-12).
Sandrea Todon relata que, ao lado do casamento religioso, admitia-se, uma espécie de concubinato puro, conhecido como "em pública voz e fama", que por tempo considerável era capaz de presumir a existência de matrimônio que lembrava o casamento sine manu romano (sem a subordinação da esposa à família do marido ? tradução nossa). (TODON, 2002, p. 367).
Entretanto, eram três as formas de casamento válidas no Brasil da época: o realizado perante a autoridade eclesiástica; o denominado de marido conhecido ou pública fama, em que havia publicidade, pois era realizado na presença de testemunhas, porém, sem intervenção pela autoridade religiosa. Caracterizava-se pela coabitação e pelo tratamento mútuo e recíproco como marido e mulher; o de consciência ou à morganheira, em que não havia publicidade, homem e mulher viviam maritalmente, porém essa relação era considerada ilícita (TODON, 2002, p. 367).
Anteriormente ao Concílio de Trento eram muitos os casamentos clandestinos tolerados, segundo o que Pereira determina para esse conceito: quando é contraído sem a assistência do sacerdote competente e de duas testemunhas ao menos; ou quando com a assistência do sacerdote, mas sem a presença das testemunhas em número legal; quando em presença das testemunhas, mas sem Pároco (PEREIRA, 1956, p. 46).
De acordo com o mesmo autor, resultavam gravíssimos abusos dessa prática, pois o ato em sigilo facilitava a bigamia, assim como a falta de autenticidade deixava a constituição da família como incerta (PEREIRA, 1956, p. 46).

A INDISSOLUBILIDADE DO CASAMENTO RELIGIOSO

A Igreja Católica conseguiu impor, por intermédio do Direito Canônico, a tese da indissolubilidade do casamento, sendo certo que, no século XVI, a sua visão de modelo de família, pelo casamento como um sacramento, equivalendo a uma união, com a indissolubilidade do vínculo matrimonial, foi consolidada somente a partir do Concílio de Trento (ALMEIDA, 1954, p. 29).
Neste Concílio, que marcou a Reforma da Igreja Católica, destancam-se entre os seus temas os Sacramentos, dentre eles o Sacramento do Matrimônio, estabelecendo que o perpétuo e indissolúvel vínculo matrimonial foi proclamado já na criação do mundo, quando, após criar homem e mulher, o Criador determina que eles deixem a casa de seus pais e formem uma só carne.
A respeito da Igreja no mundo contemporâneo, os Padres Conciliares não deixaram de se pronunciar acerca da questão matrimonial. A constituição pastoral Gaudim et Spes (alegria e esperança), número 48, o concílio Vaticano II, apresenta o matrimônio e seus elementos essenciais:
A íntima comunhão de vida e de amor conjugal, que o Criador fundou e dotou com suas leis, é instaurada pelo pacto conjugal, ou seja, o consentimento pessoal irrevogável. Dessa maneira, do ato humano pelo qual os cônjuges se doam e recebem mutuamente, se origina, também diante da sociedade, uma instituição firmada por uma ordenação divina... Esta união íntima , doação recíproca de duas pessoas , e o bem dos filhos exigem a perfeita fidelidade dos cônjuges e sua indissolubilidade. CONCÍLIO DO VATICANO nº 48 apud DI COLLA e VIEIRA, 2010, p.1).

A Constituição Pastoral (Gaudium et Spes), analisa ainda as principais questões que abalam a estrutura matrimonial e não respeitam a dignidade da instituição divina, lembrando que o matrimônio, enquanto instituição de amor por toda a vida entre os cônjuges é orientado por normas próprias, iniciado pelo consentimento livre de ambas as partes, gerando um contrato bilateral (COSTA, 2000, p. 51).
O vínculo gerado por esse contrato não pode ser dissolvido por nenhuma autoridade, possuindo um caráter de bem público, ou seja, "que interessa a toda sociedade, não apenas aos cônjuges e à prole". Ressalta-se ainda que o casamento não é uma instituição de caráter privado, interessando exclusivamente aos cônjuges e as filhos, mas sim um bem público, que afeta diretamente toda a humanidade, devendo ser tutelada, tendo em vista os interesses do bem comum. (COSTA, 2000, p. 51).
Assim, o amor conjugal, que deve ser a causa da união, vai se concretizar na vida do casal através da recíproca doação de um para o outro. Esta mútua doação deverá ser vivida na fidelidade e na indissolubilidade, realizando o verdadeiro consórcio de toda vida entre ambos, o que culminará com a geração e a educação da prole (BIBLIA, 2003, GS, 48).

Ariès comenta que a união indissolúvel é um modelo ocidental, que aparece como uma exceção vigorosa - na Alta Idade Média - aos modelos que o precederam na história, que davam ao homem o direito de repudiar a mulher e constituir um novo casamento e questiona essa transição, na qual está envolvida toda a nossa cultura (ARIÈS, 1987, p.163).
Estabeleceu-se que a indissolubilidade do casamento é uma invenção do cristianismo ocidental latino. No entanto, esse critério foi imposto como uma obrigação às populações submissas e que se curvavam à lei da Igreja, fazendo com que a indissolubilidade fosse instalada com o poder eclesiástico, recuando após o seu declínio (ARIÈS, 1987, p.163).
Nas palavras de Veyne, é possível distinguir uma transformação profunda de costumes e valores no casamento, nessa época, trazendo à união um valor maior de reconhecimento à sua duração, com uma moral mais exigente e mais sensível (VEYNE, 1983, p. 62).
A Igreja amadurecia, então, o estatuto de sacramento ao casamento, ao mesmo nível que o batismo e a ordem, como uma promoção extraordinária de um ato privado, "de uma união sexual organizada tendo em vista alianças de linhagens, feita e desfeita em função de interesses familiares" (ARIÈS, 1987, p. 164).
Existiam duas correntes opostas, no interior da Igreja que pregavam, primeiramente, o ascetismo de São Jerônimo, ao declarar hostilidade ao casamento, considerando-o um estado inferior, pouco tolerável. Essa corrente pertencia aos clérigos, que queriam convencer a Igreja a mudar de ideia quanto a intervir no casamento e controlá-lo, justificando essa conduta com o fato dela não ter a ver com as coisas vulgares e baixas (ARIÈS, 1987, p. 166).
A segunda, ligada a Santo Agostinho e ainda a São Paulo, via no casamento o remedium animae (remédio da alma). São Bernardo se explicaria: "Atacar o casamento é abrir as portas aos desregramentos dos concubinos, dos incestuosos, dos seminiflues dos masculorum concubitores" (homens que dormem com outro), explicando que a desvalorização do casamento pudesse instigar a vida promíscua e o aumento da homossexualidade (ARIÈS, 1987, p.166).
A doutrina do casamento teria sido desenvolvida então, conforme mostra um texto do século IX, do Hincmar, arcebispo de Reims, sobre a "nova" abordagem do casamento cristão.
"O vínculo do matrimônio legítimo existe quando é estabelecido entre pessoas livres e iguais (por conseguinte, livres nas suas decisões) e que ele une em núpcias públicas por uma fusão honesta dos sexos (honestata sexuum commixtione) (fez de maneira honrosa a mistura dos sexos), com o consentimento paterno, um homem a uma mulher livre, legitimamente provida de dote. "Note-se o epíteto honestata, diferença essencial entre a sexuus commixtio (mistura de ambos os sexos), no matrimônio, e a outra, luxuriosa, fora do casamento (tradução nossa).

Em nenhum momento a Igreja intervinha ou exercia controle judiciário ao casamento, e de acordo com Toubert, "o estado conjugal é definido como coisa essencialmente religiosa, cujo próprio nome pertence ao léxico do sagrado". Ariès finaliza, explicando que a união dos sexos torna-se mysterium (mistério), sacramento do Cristo e da Igreja, devendo a mulher saber (noscitur) (conhecido por), que o matrimônio lhe assegura essa dignidade. Da mesma forma, esse modelo assegura a indissolubilidade, a stabilitas (estabilidade), idéia nítida na aproximação entre a união sacramental do casal e a união eterna do Cristo e de sua Igreja (ARIÈS, 1987, p. 166).
A partir do Concílio de Trento, primeiramente nos países católicos, a importância passa a se dar à natureza pública e institucional do casamento, com o surgimento do ritual de casamento, com a mudança do ato matrimonial do interior da casa para as portas da Igreja (ARIÈS, 1987, p. 167).
A partir do século XII, o papel do padre, anteriormente ocasional, vai se tornar cada vez mais importante e essencial. A cerimônia às portas da igreja compreende, a partir dos séculos XIII-XIV, duas partes bem distintas: uma, que é a segunda na ordem cronológica, corresponde ao ato tradicional e essencial do casamento, antigamente o único, a donatio puellae (doação da moça). Primeiramente, os pais da moça vêm entregá-la ao padre, que a passa ao futuro esposo. Depois, numa segunda etapa, o padre substitui o pai da moça, e é ele quem coloca a mão de um na mão do outro, a dextrarum junctio (vínculo do direito). (ARIÈS, 1987, p.168).

Foi, finalmente, transferida para o interior da Igreja, a cerimônia de casamento, por volta do século XVII, tendo a clericalização o primeiro efeito de acrescentar uma cerimônia a mais nos ritos domésticos que já existiam, aumentando o tempo das bodas. Foram estabelecidos dois atos fundamentais, que consistiam na publicidade do casamento e o seu registro por escrito (ARIÈS, 1987, p. 168).
Para concluir evidencia-se que a Bíblia Sagrada e o Direito Canônico são fontes de inspiração e normatização da vida a dois que, com um amor recíproco tão forte podem se transformar em uma única realidade, um só coração e uma só alma, uma unidade perfeita, porém era necessário que houvesse reconhecimento oficial e até por motivo de contagiar outras pessoas a desejarem e buscarem este belo estado de vida, assim, foi instituído pelo Estado, os efeitos civis para o casamento religioso, o que aparece com ênfase na Constituição Federal de 1988.

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, B. O Divórcio, a Igreja e a História. São Paulo: s/Ed., 1954.

ARIÈS, Philippe. O casamento indissolúvel. In: ARIÈS, P., e BÉJIN, A., (orgs) Sexualidades Ocidentais. São Paulo: Brasiliense, 1987.

COSTA, R. M. O sacramento do matrimônio: manifestação da união esponsal cristo-igreja. [Dissertação de Mestrado]. Porto Alegre: UFRGS, 2000.

LEITE, E. O. Tratado de direito de família: origem e evolução do casamento. Curitiba: Juruá, 1991.

PEREIRA, L.R. Direitos de Família. São Paulo, Livraria Freitas Bastos S.A, 1956.

TODON, S. M. A Constituição e a dissolução das entidades familiares no Brasil Colonial. Revista Jurídica Cesumar, v.2, n. 1 ? 2002.


VEYNE, P. O Inventário das diferenças. São Paulo: Brasiliense, 1983.