E lá se vão 15 anos de estabilidade econômica e com ela verifica-se uma mudança expressiva nos hábitos de pagamento do consumidor. Depois de experimentar a obsessão pela liquidez (dinheiro vivo sempre nos bolsos), embarcar na onda dos cheques pré-datados, agora parece ser a hora do dinheiro de plástico.

O ano de 2008 foi marcado pela explosão do uso do cartão de débito e da queda do uso do cheque. No ano passado, a quantidade de transações com cartões de débito cresceu 27% na comparação com 2007, período em que o número de cheques emitidos caiu 5,2%. Os cartões de crédito também cresceram em 23,5%, fôlego que garantiu a vice-liderança no ranking da expansão dos meios de pagamentos.

Os dados foram divulgados pelo Banco Central no dia 27 de abril e fazem parte do "Diagnóstico do Sistema de Pagamentos de Varejo no Brasil", estudo publicado anualmente desde maio de 2005. Para o BC, a consolidação da pesquisa indica que há continuidade do aumento da utilização de papel-moeda e dos instrumentos eletrônicos de pagamento.

Nos últimos quatro anos, o pagamento eletrônico cresceu 17% por ano, enquanto que a quantidade de cheques emitidos caiu 9,3%. Em 2008, houve 1,373 bilhão de cheques que circularam com liquidação interbancária, frente 2,136 bilhões em 2003. Já a quantidade de transações com cartões de débito saltou de 662 milhões, em 2003, para 2,1 bilhões no ano passado.

De acordo com o estudo do BC, a substituição do cheque por meios eletrônicos ocorre nas transações de menor valor. O valor médio dos cheques, no ano passado, chegou a R$ 835,00, contra R$ 716,00 em 2007. No mesmo período, o valor médio por transação com cartão de débito manteve-se em R$ 49,00, enquanto que a operação média com cartão de crédito subiu de R$ 84,00 para R$ 86,00. Ou seja, o cheque mantém-se firme em um nicho específico das transações."Há espaço para criação de facilidades adicionais que possibilitem pagamentos de maior valor comandados eletronicamente a partir de pontos de venda", cita o relatório do Banco Central, referindo-se a operações unitárias de valor menor que R$ 5 mil. Acima desse limite, as operações devem ocorrer por meio de Transferência Eletrônica Disponível (TED), mecanismo lançado em 2002 quando foi criado o novo Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB).

O potencial de expansão dos cartões foi comprovado em 2008, quando pela primeira vez os cartões de débito cresceram mais que os de crédito. Em quantidade de cartões no mercado, o crescimento foi de 14% no segmento de débito e de 12% nos cartões de crédito.

O BC prevê aumento da presença dos cartões de débito levando em consideração a "baixa frequência" de uso do produto: em 2007, cada cartão de débito registrou média de 9,3 transações por ano. Na Suécia, foram mais de 124 usos por ano, chegando a 159 na Finlândia. Já os cartões de crédito registraram, no ano passado, 18,4 transações por unidade, o que se aproxima mais do que ocorre em outros países (15,4 usos por ano, na França, e 14,6 usos, na Itália). As comparações com outros países consideram dados de 2007, devido à defasagem das informações internacionais.

O governo já está de olho
Com a expansão o governo brasileiro pretende pressionar de forma mais incisiva a indústria de cartões de crédito para promover uma redução dos custos que ela impõe aos clientes. Uma das possibilidades em estudo - e no momento é a que aparece como a mais viável - é chamar os representantes do setor para conversar e forçá-los politicamente a ajustar sua conduta. A ideia é convencer as empresas que dominam o mercado a trabalhar com preços menores, reduzir a margem de lucro e diminuir as barreiras à entrada de novos concorrentes. Caso demonstrem resistência, o governo pode partir para uma ação mais dura.

Segundo outro estudo divulgado no fim de março pelos Ministérios da Justiça e da Fazenda e pelo Banco Central o setor tem uma taxa de lucratividade muito acima da média praticada na economia brasileira e esse quadro precisa ser revisto. Segundo o levantamento, o lucro das credenciadoras (as empresas que levam os cartões para as lojas) aumentou 300% entre 2003 e 2007, passando de quase R$ 600 milhões para perto de R$ 2,5 bilhões. O estudo considera que a margem de ganho das empresas é desproporcionalmente elevada em comparação com o risco da atividade. Além disso, a margem de lucro no Brasil é bem superior à da União Europeia.

Outra opção do governo, considerada mais difícil de implementar e avaliada como mais intervencionista, é determinar a desverticalização do setor. Hoje, as empresas de cartão de crédito controlam todo o processo: credenciamento, fornecimento de terminais de pagamento, captura e processamento de transações, encaminhamento de pedido de autorização e compensação e liquidação. Isso diminuiria o poder de fogo das companhias do setor, pois a verticalização é a maior fonte do poder dessas empresas.

A alternativa mais radical, mas não desejada pelo governo, é transformar o segmento em um setor regulado, o que poderia significar o tabelamento de preços. Além dessas possibilidades, o governo estuda promover alguma regulamentação do setor, tentando fechar brechas que garantam a concentração do sistema e estimular uma maior concorrência.

Bibliografia:
Jornal Gazeta Mercantil de 28 de abril de 2009
Jornal O Estado de São Paulo de 29 de abril de 2009