RESENHA CRÍTICA: CARTAS A UM JOVEM TERAPEUTA

 

O autor Contardo Calligaris, publica em 2008 o livro “Cartas a um jovem terapeuta”. Este inicia seu livro expondo que estas cartas se dirigem a psicoterapeutas, profissionais que tentam aliviar as dores do viver à força de escuta e diálogo.

No primeiro capítulo Calligaris (2008) fala sobre a escolha vocacional, enfatizando que enquanto os jovens não decidem qual será sua profissão, se perguntam se tem o que precisam para dar certo na profissão desejada. Um bom terapeuta precisa ter alguns traços de caráter e de personalidade que dificilmente podem ser adquiridos no decorrer da formação. Não concordo com a colocação deste, pois todo acadêmico entra na faculdade com uma visão do que é psicologia, e ao passar do tempo muda suas opiniões sobre os assuntos, muda seu pensamento, muda sua maneira de olhar para o ser humano, então por que não adquirir ao longo da formação estes traços necessários que o autor expõe.

Dando sequência ao capítulo Calligaris (2008) diz que se por alguma razão é importante para você se alimentar no reconhecimento e no agradecimento infinito dos outros, então não escolha a profissão de psicoterapeuta, por duas razões: a primeira, porque na vida social o psicoterapeuta não encontrará nada parecido com a espécie de gratidão; e segundo porque o psicoterapeuta não deve esperar a gratidão dos pacientes. O autor segue expondo que nas curas que proporciona, o psicoterapeuta é, por assim dizer, ele mesmo o remédio, então, penso que este “próprio remédio” é de certa forma a gratidão e o reconhecimento do cliente.

 Os clientes idealizam seus profissionais da saúde, quando consultam levando suas dores depositam neles toda sua confiança, esta pode ser excessiva, mas, mesmo em excesso, ela é útil para que a cura funcione. No caso da psicoterapia essa confiança vale mais ainda, é importante para que a cura aconteça. Calligaris (2008) diz que nenhum psicoterapeuta, seja ele qual for, deve almejar a dependência do cliente. Concordo com esta afirmação do autor, pois o que se deve fazer é ajuda-lo a manejar sua vida sozinho, não que dependa do psicoterapeuta para qualquer decisão a ser tomada, o cliente precisa viver com suas “próprias pernas”, até porque ele não fará terapia por toda vida. E então o autor segue, dizendo que o que se espera é que o psicoterapeuta faça seu efeito e, que o cliente pare de idealizar o terapeuta.

Para Calligaris (2008) alguns terapeutas escolheram sua profissão pela necessidade de serem admirados, e coloca isto como uma possível dependência dos clientes com o tratamento para sempre. Porém, não vejo essa necessidade de admiração como algo negativo, pois se o profissional fizer seu trabalho corretamente e tenha a eficácia esperada, qual seria o problema de querer ser admirado? Todos nós desejamos alguma coisa de qualquer atitude que tomamos frente às situações na vida.

Calligaris (2008) expõem os traços de caráter que procuraria em quem quisesse se tornar psicoterapeuta: 1) um gosto pronunciado pela palavra e um carinho espontâneo pelas pessoas, por diferentes que sejam; 2) extrema curiosidade pela variedade da experiência humana com o mínimo possível de preconceito, pois o bem e o mal de uma vida não se decidem a partir de princípios preestabelecidos, tendo em vista que um psicoterapeuta não deve ter um juízo moral preconcebido sobre tais fantasias ou preferências, caso contrário não seria capaz de respeitar a singularidade de seus pacientes. Pressupõem-se então, que, ou você escuta seu cliente sem juízo moral preconcebido, ou então, vendo ser um limite seu enquanto terapeuta é preciso ter bom senso e encaminhar para outro terapeuta, afinal de contas em algum momento irá aparecer histórias de vidas parecidas com a sua, pois mesmo sendo terapeuta você continua sendo ser humano e tendo uma vida fora do consultório, como a de seus clientes; 3) variedade de experiência humana; 4) uma boa dose de sofrimento psíquico, desaconselhando assim, a profissão para quem “está muito bem”, pois o futuro terapeuta deve ser paciente por um bom tempo, e porque no futuro, muitas vezes você duvidará da eficácia de seu trabalho.

 No segundo capítulo Calligaris (2008) complementa o primeiro capítulo em um de seus bilhetes, relatando que há momentos em que o terapeuta ou analista é levado a apontar um caminho e mesmo a empurrar o paciente na direção que parece mais certa, ou seja, na direção de seu desejo. É por isso que uma terapia leva tempo, porque, antes de empurrar, é preciso que esse desejo consiga se manifestar um pouco. Há também necessidade de carinho e aceitação por parte do terapeuta, pelas variedades das vidas com todas as suas diferenças.

O terceiro capítulo expõe sobre o atendimento ao primeiro paciente, onde o autor diz preferir encaminhar pacientes aos analistas cuja curiosidade para com o mundo, a vida e a cultura se estenda além das quatro paredes do consultório.

Calligaris (2008) enfatiza que nem sempre os clientes preferem terapeutas experientes e, que é preciso que sejamos nós mesmos na hora do atendimento, apesar de a experiência ajudar na conduta das curas, é muito bom que continuemos com muita curiosidade e vontade de escutar como um terapeuta iniciante.

O capítulo seguinte destaca os amores terapêuticos, onde o autor cita a importância dos sentimentos negativos, como o ódio, durante a terapia permitem e facilitam o trabalho psicoterápico, tanto quanto o amor. A psicanálise deu a essa paixão o nome de amor de transferência, o qual teria sido transferido, e é a “mola da cura”, pois possibilita que a cura continue apesar de alguns empecilhos, e permite ao paciente viver ou reviver, na relação com o terapeuta, a gama de afetos e paixões que são ou foram dominantes em sua vida, onde se dará a ocasião de modificar os rumos e desfechos dos padrões afetivos que assolam sua vida. Como o cliente idealiza seu terapeuta acaba se apaixonando, porém, é um equivoco, e uma relação amorosa e sexual não é boa quando construída sobre um equivoco, porque depois a decepção poderá vir de um lugar que foi idealizado além da conta. Por isso a relação amorosa e sexual com clientes é desaconselhada.

Segundo o Calligaris (2008) idealizamos nosso objeto de amor para verificar que somos amáveis aos olhos de nossos próprios ideais. Segue explicando três possibilidades de que um terapeuta aceite a proposta amorosa de um paciente, sendo elas: 1) o prazer do poder, a potência e a necessidade de demonstrar sua autoridade gozando de seu poder; 2) casar com varias clientes, uma atrás da outra, se tornando repetitivo, pois acredita ser a solução dos problemas das clientes; 3) é possível que uma cliente se apaixone por seu terapeuta sem acreditar que ele seja a cura para todos os seus males, ou seja, pode acontecer uma vez na vida.

No capítulo cinco o autor ressalta que o essencial da formação acontecerá depois da faculdade, ou, durante os estudos. Uma peça-chave da formação de um psicoterapeuta é o tratamento ao qual ele mesmo se submete. Para Calligaris (2008) o ser humano é capaz de inventar patologias para explicar seus mal-estares, por isso à necessidade que o terapeuta escolha um “fio” e o percorra detalhadamente.

É útil que o psicoterapeuta conheça os diagnósticos do Manual Estatístico Diagnóstico adotado pela Organização Mundial de Saúde, pois mesmo que não prescreva psicotrópicos irão atender clientes que fazem uso, então a necessidade de conhecer os princípios ativos dos remédios.

As novas gerações estão valorizando a reprodução e a preservação da doutrina na qual se formaram, e não o compromisso com os clientes, porém a orientação terapêutica não é uma ideologia na qual se faz necessário e obrigatório à repetição fiel (CALLIGARIS, 2008).

O sexto capítulo explana sobre curar ou não curar, onde as definições tradicionais do que é curar dizem que curar significa restabelecer a normalidade funcional ou, então, levar o sujeito a seu estado anterior à doença. Contudo a psicanálise não quer ter uma noção preestabelecida de normalidade, ou seja, o ideal de normalidade é o estado em que o sujeito se permite realizar suas potencialidades, conseguindo viver plenamente dentro de seus limites impostos pela própria história e constituição. Sendo definida desta forma, a normalidade pode ser o alvo da cura dos terapeutas

Calligaris (2008, p. 79) finaliza o capítulo com o seguinte discurso:

“Paciente é o chato que se queixa e quer ser curado, enquanto quem faz análise é “analisando” ou “analisante”, não paciente, pois ele deve esperar análise e não cura. Se tenho uma reserva diante da palavra “paciente”, é porque espero que todos sejamos impacientes com o sofrimento desnecessário que, eventualmente, estraga nossos dias.”

O capítulo seguinte explica o que fazer para ter mais pacientes. Em primeira instância faça-se conhecer. Seu compromisso é com as pessoas que confiam em você e trazem para seu consultório uma queixa que pede para ser escutada e, por que não, resolvida, ou seja, seu compromisso é com a comunidade na qual você presta serviços. Então se seu compromisso for com os clientes, não se preocupe, eles vão acabar sabendo de que você existe e está ali para ajuda-los.

No capítulo oito o autor explana sobre algumas questões práticas, como a de que quanto menor nossa intervenção na escolha e na organização do que falamos, tanto mais essa lógica interna poderá nos levar a dizer coisas inesperadas por nós mesmos, a descobrir algo que estava em nossos pensamentos sem que soubéssemos. Geralmente quando tentamos cuidar muito nosso discurso que podemos cometer um lapso revelador. A experiência de Calligaris (2008) mostra que quase sempre acaba sendo levado a falar sobre coisas que ele não previa durante a sessão. E completa quando escreve “de qualquer forma, as palavras sempre levarão seu paciente por terras imprevistas” (p.107).

Sobre o setting, quando e como pedir ao paciente que deite no divã ou que continue sentado a sua frente. Calligaris (2008) diz que a decisão possa depender simplesmente de uma questão de conforto, seu e de seu paciente. Penso que não seja uma regra, cada um trabalha da maneira que lhe convém. O autor prossegue expondo que existem pacientes que não aguentam a ideia de falar sem ver a cara de quem escuta, também tem aqueles pacientes contrários, que não aguentam encontrar o olhar de seu terapeuta. E conclui que o setting não vai curar ninguém, e seu proposito é permitir que o paciente se engaje na cura, ou seja, o setting não é condição nem garantia de nada. Uma análise ou uma terapia acontecem pelas palavras trocadas e pelas relações que elas organizam.

Nas entrevistas preliminares é possível se colocar duas questões durante os primeiros encontros com o paciente: se perguntar se neste caso poderia ser de algum auxílio; e pedir ao paciente o que espera da terapia.

Segundo o autor, uma sessão fixa tem duração de 45 ou 50 minutos, mas também pode-se fazer uma sessão com tempo variável. Particularmente Calligaris (2008) gosta de trabalhar com um tempo em que o paciente possa evocar algumas lembranças e explora-las.

O autor expõe um detalhe que não concordo, diz que acontecem atrasos em suas sessões, não só porque às vezes as sessões durem mais do que o previsto, mas, sobretudo porque ele tenta estar disponível em uma urgência. Mas e, por exemplo, os pacientes que estão aguardando para serem atendidos? O respeito com estes? Realmente é preciso ser muito bem analisado o caso de passar do tempo estipulado para as sessões, pois pode ser também que o paciente esteja inventado situações para que se prolonguem seu tempo. Calligaris (2008) finaliza dizendo que quer sobretudo encorajar-nos a inventar uma maneira de atender que seja nossa.

O capítulo nove, expõe sobre alguns conflitos inúteis, como o uso de fármacos e da neurociências. Sabe-se que a farmacologia e a neurociência esta evoluindo cada vez mais, porém creio que apenas pílulas ou intervenções cirúrgicas não bastem para que as pessoas não tenham mais transtornos. Por exemplo, como citado no livro, “todos sabemos que, por mais que eu tome a pílula magica na hora da morte de meu amigo, algum dia terei de enfrentar a dor de um luto. A não ser que decida viver para o resto de minha vida sob anestesia” (CALLIGARIS, p.130).

Calligaris (2008) pressupõem no décimo capítulo causas internas e externas da infância e atualidade. Diz que os acontecimentos da infância deixam vestígios para a vida inteira, e qualquer evento nos marca e nos transforma apenas na repetição, ou seja, quando é evocado, retomado, revivido. Os fatos de nossas vidas agem em nós pela história em que se integram. Segundo o autor, reinterpretar o passado, descobrir novos sentidos para o que aconteceu é quase sempre uma maneira de mudar nosso presente. Porem, não concordo, pois o que adianta revivermos nossos sofrimentos, se o que nos move é o hoje, o agora, sendo que o que pode ser modificado é o futuro. Tendo em vista também a questão de nossos clientes quererem soluções imediatas, como vamos reviver o passado (que é um processo demorado). Penso que, por este motivo que à necessidade de analisar o presente, para alterar o futuro.

No último capítulo o autor finaliza seu livro dizendo que no decorrer da cura, haverá momentos em que será inevitável que o paciente nos considere e nos use como modelo. São efeitos da identificação ao analista. Em um momento ou outro serviremos de exemplo para nossos clientes. Seria fácil chegar à ideia de que o terapeuta deve mostrar ao mundo uma face feita de normalidade tranquila, de bem-estar equilibrado. Com isso, sugere-nos sermos nós mesmos se nos sentirmos responsáveis por tais identificações que ocorreram futuramente.

No parágrafo final ele fez-se entender o que o livro todo queria mostrar aos jovens terapeutas: “Eles querem mudar, e você também, junto com eles, pode querer que eles mudem. Mas uma mudança não é coisa que possa ser imposta. Ela não virá da imposição do rigor abstrato da técnica que você aprendeu, do setting no qual você se formou ou da teoria com a qual você escolheu justificar suas palavras e seus atos terapêuticos. Ao contrário, para que uma mudança aconteça um dia, é preciso que uma relação comece; e uma relação só pode começar nas condições que são irrenunciáveis por seu paciente.”