por Devanir Vicentin e Marcia Regina de Souza

Problematização

Diante da escassez de informações plausíveis referentes à elevação da iguaria Carneiro no buraco ao status de prato típico da cidade de Campo Mourão e à origem de sua transformação em patrimônio cultural pertencente à cidade, o presente trabalho tende em demonstrar como se deu o processo de transformação do prato gastronômico Carneiro no buraco em tradição cultural à cidade de Campo Mourão, levando em conta sua origem, tradição e adaptações, a homologação da lei municipal para a promoção do mesmo em festa e sua aceitação pela população mourãoense como patrimônio cultural, bem como conhecer o cotidiano dos munícipes e sua consideração com relação ao prato.
Para tanto, se faz necessário explicitar alguns conceitos relevantes como memória individual e coletiva, identidade cultural, os quais servirão para entender e fundamentar a pesquisa, pois "o conceito de memória (...) vem se modificando e se adequando às funções, às utilizações sociais e à sua importância nas diferentes sociedades humanas ".
Para esse contexto, e sob a mesma perspectiva, Barreira (2003: 02) nos afirma que:

Repensar a cidade sob a ótica de sua "memória" ou sob o prisma de significados atribuídos à noção de patrimônio supõe compreender a lógica das prioridades sobre o uso e valorização de espaços efetivados ao longo do tempo. Prioridades que aparecem como coletivamente construídas, embora sejam objeto permanente de disputas simbólicas que revelam interesses de diferentes atores sociais. O que preserva, como mudar ou o que mudar são questões que vêm à tona atualmente com mais evidência, alimentando o plano das representações sobre a cidade, que orientam diferentes discursos.

Ainda, por essa perspectiva, o mesmo autor sustenta que "a própria idéia de patrimônio significa a tentativa de "contar" o passado adaptando-o à nova linguagem do presente", visando à construção e/ou reafirmação da identidade cultural dos indivíduos pertencentes à localidade, nesse caso Campo Mourão. Por isso, acreditamos que o cidadão mourãoense se identifica com a iguaria gastronômica da cidade, pois a constituição de seu pertencimento/identidade à localidade se dá por meio da linguagem, a qual, segundo Mello e Di Paolo (2007: 135-136):

(...) é uma rede de articulações, um emaranhado povoado de aspectos históricos e culturais (...) que podem produzir efeitos de singularizarão, conforme o local, a época, as circunstâncias de encontro, que levam a coerências e, assim, a uma "cômoda história sobre nós mesmos ou uma confortadora narrativa do eu"" (...) e que muitas vezes configuram "ciências", "teorias", "ideologias", de modo que têm nas práticas discursivas suas condições de existência, de coexistência, de manutenção, de modificação ou de desaparecimento.

Em decorrência do exposto, partiremos do princípio de que a tradição do Carneiro no buraco transcendeu seu uso doméstico, transformando-se em um elemento estratégico para o desenvolvimento do município, principalmente, nas últimas décadas e valendo-se, para que isso ocorresse, da memória e consciência histórica da população pertencente à cidade de Campo Mourão.


Justificativas

Devido à rápida transformação de seu prato típico em tradição, Campo Mourão nos passa a ideia de que o Carneiro no Buraco só foi elevado ao status de "prato típico" com o intuito de constituir uma nova atividade socioeconômica para seu município de origem, no entanto, concebe à população uma falsa ideia de prática cultural, patrimônio cultural, atividade turística, sendo que, na realidade, não passa de estratégias de desenvolvimento e transformação da cidade, sob o incentivo do poder público, tanto da esfera municipal quanto estadual.
Nesse sentido, uma das justificativas que orienta esta iniciativa é o tema estar voltado para um assunto tão presente não só na realidade dos mourãoenses, mas também dos visitantes que degustam o prato típico da cidade de Campo Mourão, além de privilegiarem a Festa Nacional do Carneiro no Buraco como patrimônio cultural da cidade.
Além disso, este trabalho justifica-se também por tentar trazer respostas de perguntas que se originam com relação à origem do prato típico e sua transformação em status de tradição e patrimônio cultural da cidade, devido ao fato de o assunto pertencer não apenas ao âmbito populacional, mas também da economia e da política, esferas intimamente ligadas para com a implantação e/ou transformação cultural do prato. Justifica-se ainda, por tentar identificar de que maneira a mídia veiculou os prós e contras referentes ao prato em questão, uma vez que ela é a responsável pela formação da identidade cultural de grande parte dos munícipes de Campo Mourão.


Objetivos

Objetivo geral: Tendo como temática o prato típico Carneiro no buraco: transformação em tradição, esta proposta de pesquisa tem como objetivo estudar como se construiu o processo de transformação dessa iguaria gastronômica em elementos estratégicos para o desenvolvimento socioeconômico do município de Campo Mourão.
Objetivos específicos:
? Averiguar o panorama gastronômico do prato típico Carneiro no buraco voltado para o turismo no período de 1990 a 2009, dando breve atenção à sua origem e rituais de preparo;
? Entender, por meio da perspectiva histórica, a questão da identidade cultural da iguaria Carneiro no Buraco em relação ao contexto cultural da localidade a que está conectada;
? Conhecer qual a consideração da população mourãoense em relação ao "prato típico" que as representa.


Metodologia

A partir das discussões a respeito dos conceitos de identidade cultural, memórias individual e coletiva, sob a perspectiva da consciência histórica, procuraremos investigar se a percepção de que a tradição da degustação do Carneiro no buraco pertencente à cidade de Campo Mourão se dá por conta de sua íntima relação com o contexto cultural local ou se somente em consequência de estratégias políticas e econômicas que a transformaram em patrimônio cultural, a partir da década de 1990, com a denominação da Festa Nacional do Carneiro no buraco, a produção e comercialização do prato em uma ferramenta de desenvolvimento regional.
Devido ao fato de esta pesquisa ser de caráter não-formal, o trabalho será desenvolvido por meio de métodos de pesquisa que envolverá a utilização de fontes primárias e documentais, disponibilizadas em sites de busca via internet, e fontes orais, por meio de entrevistas, bem como as mesmas serão gravadas como depoimentos para, posteriormente, serem transcritas. Dessa forma, acreditamos que as questões que selecionamos para fazermos as entrevistas servirão, por hora, como pontas importantes para embasarmos nossa análise, discussão, produção e difusão desta temática. Diante disso, a pesquisa será desenvolvida com base nas seguintes questões abertas:
1) Qual é a lógica de mundo que pauta sua visão referente ao prato "típico" Carneiro no Buraco?
2) De onde e como foi constituída sua visão de tradição referente ao "prato típico" Carneiro no Buraco como conhecimento histórico?
3) Onde há uma relação entre seu cotidiano e à referente tradição e implantação da festa Carneiro no Buraco?
4) Você é mora em área rural ou urbana? Como você vê a relação do homem do campo com a questão referente ao "prato típico" Carneiro no Buraco?
5) Em que medida seus conhecimentos prévios a respeito do prato Carneiro no buraco influenciam a construção de novas aprendizagens e identidades?
6) Qual influência importante você vê entre a relação do prato Carneiro no buraco com o processo da educação histórica das crianças dessa localidade?
7) "Como a receita do é transmitida de geração a geração ao longo do tempo?
8) De acordo com seus conhecimentos, como se dá a escolha dos ingredientes para a confecção do prato Carneiro no buraco? E, ainda, qual a origem dos ingredientes?
9) De acordo com seus conhecimentos, como se gerou o conhecimento das relações entre os ingredientes e a sua forma de preparo?
10) Por que o uso de carneiro, ele é um animal cuja criação é tradicional na região?
11) Você considera o prato Carneiro no buraco como sendo um prato típico da região? Justifique sua resposta.
12) Você acredita que o prato Carneiro no buraco foi uma tradição inventada pelos pioneiros da região?
13) Para você, o que fez com que esse prato se transformasse em hábito na cidade e o transformasse em identidade da população?
14) Como você vê a tipicidade no prato Carneiro no buraco? E, ainda, como você considera que ocorreu a disseminação desse prato?
15) Como você vê a participação do prato no dia-a-dia da população? E qual a importância do prato para você?
Além disso, vale ressaltar que para a aplicação deste questionário, de 15 perguntas, se faz necessário delimitar a idade para os entrevistados, de forma que se possa obter melhor aproveitamento dos resultados para o desenvolvimento da pesquisa. Outro aspecto é que os depoentes deverão ser entrevistados por, no máximo, duas pessoas por vez, priorizando sua idade (acima de 30 anos), devido ao fato de o prato contar com apenas dezenove anos de homologação, isto é, de tradição comemorativa efetivada na Festa Carneiro no Buraco, organizada pelo município de Campo Mourão, sendo esta fixada no mês de julho, uma vez ao ano.
Ainda que as respostas da população à entrevista sejam diferentes, temos o prato típico em questão como elemento semelhante a todos os munícipes, o que pode ser apontado por nós para justificar o conceito de uma identidade cultural, privilegiando, assim, a consciência histórica da localidade, já que temos em vista produzir e demonstrar qual a importância do prato típico Carneiro no buraco para a população e desenvolvimento da cidade de Campo Mourão.


Referências Bibliográficas

BARREIRA, Irlys Alencar F.. A cidade no fluxo do tempo: invenção do passado e patrimônio. Sociologias [online]. 2003, n.9, pp. 314-339. ISSN 1517-4522. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222003000100011&lng=pt&nrm=iso> Acessado em 07-08-2009 ÀS 21h:30m

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