Pelo menos uma vez por ano se pode assistir, em vários canais de televisão e em vários estilos diferentes, horas e horas dedicadas à captação de recursos para fins altruístas, como: construção de asilos, hospitais para deficientes físicos, hospitais fisioterápicos para crianças deficientes físicas, centros de auxilio a comunidades carentes, etc.. É uma ação linda, altruísta, generosa e nobre, e as emissoras têm o habito de sempre tentar nos fazer perceber isso montando um belo espetáculo. E, tal espetáculo, é tão lindo que nos distrai do fato de que toda essa ação é um enorme placebo.
Depois que uma emissora começou, virou moda. Uma grande rede de televisão não pode ser considerada "grande" se não tiver um programa anual que viza beneficiar uma determinada entidade sócio-beneficente. Parece até um garoto mimado com sua mascote ? mascote qual ele só alimenta uma vez por ano. Celebridades brigam com unhas e dentes por uma vaga em um programa do gênero, pois não se pode perder uma oportunidade de encabeçar um programa que, normalmente, é exibido em horário nobre, por mais de um dia e em rede nacional, e ainda sair com fama de "bom humanitário". Milhões de reais são gastos na infra-estrutura e dezenas são arrecadadas. Financeiramente falando, projetos desse meio são funcionais e viáveis. Sem esquecer-se dos rostinhos das criancinhas sorridentes que, alem de fazer um enorme bem para a consciência de certos indivíduos que se sentem completamente realizados ao fazer seu ato anual de caridade, ajudam a passar a imagem de "bom programa" para o mundo. Dá até vontade de aplaudir de pé tal iniciativa do capital privado se todo esse "pão e circo" não desviasse a atenção sobre quem realmente deveria arcar com essa responsabilidade.
Eu pensei que o desenvolvimento e assistência social a um determinado grupo de cidadãos que necessita de tal e que, por sua vez, paga seus impostos, era dever do poder publico que, em primeiro lugar, representa tais grupos necessitados junto com os que não precisam de assistência, grupo tal que concorda que o primeiro grupo citado precisa e deve ser ajudado ? tal pensamento de concordância pode ser comprovado se observarmos a quantidade de doadores existentes em programas do gênero de arrecadação e os valores arrecadados. E como essa responsabilidade de ajudar os necessitados está sendo atribuída a população comum pelo capital privado, não passaria a ser obrigatoriamente responsabilidade do poder publico já que, o próprio poder representa a população em geral? Já que isso está acontecendo, por que há a necessidade de existir um Banco Nacional para o Desenvolvimento Social (BNDS)? Pois, a partir do momento que o capital privado assume uma responsabilidade que, por obrigação, é do governo, a área governamental responsável se mostra ineficiente, incompetente ou completamente inútil. Há uma diferença tênue entre a aplicação da ajuda privada para melhorar o poder publico destinado ao desenvolvimento social, que nesse exemplo, está em um bom patamar, nessa premissa a ajuda privada se torna uma coisa boa. Já em uma outra condição, onde o desenvolvimento social pela parte publica deixa a desejar, a necessidade de ajuda por parte do capital privado não deve ser vista como algo "bom", pois não é, para ser "bom" não deveria haver a incapacidade do poder estatal em primeiro lugar. A necessidade do poder privado para se poder manter os programas de desenvolvimento social sendo que o Estado não o consegue por completo, não é algo "bom", é algo preocupante. Mas, mesmo assim, a maioria acredita que está tudo bem em deixar o capital privado assumir essa responsabilidade. Poucos ligam para o déficit administrativo que é comprovado a cada edição anual desses programas. Esses acontecimentos televisivos se tornaram uma rotina, um costume, algo comum que retrata a gentileza e generosidade do cidadão contribuinte comum e a ineficiência administrativa de certos governos.
Não pensem que toda a culpa recai apenas no poder publico. Há luz tanto provinda do céu, quanto provinda do fogo do inferno (é uma metáfora, luz representa culpa). Mesmo sendo o cidadão que desembolsa os valores, os mesmos são repassados pelo capital provado para uma conta bancaria onde essa quantia será somada a outras, e depois será distribuída pra a (as) entidade (entidades) que necessitem dela. Mas, nesse processo mencionado, quem arca com os gastos de toda a infra-estrutura e funcionamento ? só para constar: a palavra "capitalista" não é derivada da palavra "altruísmo"? Se uma emissora tivesse que arcar com todos os gastos de um projeto de tamanha magnitude como o de um programa que passa em rede nacional por dois dias seguidos em horário nobre, além de ser um projeto inviável, seria um tremendo desperdício de uma boa oportunidade de se arrecadar uma boa quantia. Pensem. Como uma emissora de televisão lucra? Vendendo horários para a exibição de comerciais, cujos preços variam de acordo com o numero de pessoas sintonizadas ? por isso os melhores programas ou "programação nobre" só passa a noite, pois é quando a maior parte da população chega do trabalho. E, digamos se, uma enorme quantidade de pessoas felizes, com uma situação econômica equilibrada (ninguém doa dinheiro sem ter dinheiro, nem sempre tudo é igual ao que acontece em certas igrejas) e muito tempo livre estiver sintonizada em um determinado canal, com o intento de ver celebridades generosas e sorridentes ajudarem pessoas que precisam, e querem ser ajudadas, arrecadando a maior quantidade de dinheiro possível. Qual a sua estimativa para o valor do horário cobrado para a exibição de um comercial durante esse programa? O dinheiro arrecadado pelos comerciais normalmente é o suficiente para cobrir não apenas todos os gastos com equipamentos, como, também é o suficiente para se ter uma pequena margem de lucro. Não se esquecendo da imagem quase digna de canonização que a emissora encarregada do projeto passa a ter pelos olhos das crianças que ajudam e das que são ajudadas, essas que, por sua vez, ensinam e educam seus amigos e, posteriormente seus filhos, a acreditar no mesmo, tornando tudo um ciclo vicioso.
Os astros do cinema e televisão encarregados de apresentar e fazer quadros esquisitos pra atrair a atenção do publico ? e junto com o publico, as doações ? também não ajudam como poderiam. Invés de utilizar sua enorme influencia sobre as massas para conscientizar a população do "por quê" das pessoas carentes continuarem carentes. Não, todas as falas que saem da boca destas ditas "celebridades" têm o propósito de alavancar o projeto "beneficente" produzido pela emissora que detém de seus contratos trabalhistas. Por horas e horas, são mostradas pessoas que foram e que vão ser ajudadas pelo projeto, celebridades fazendo loucuras para chamar a atenção e patrocinadores desembolsando "grandes" quantias com o intuito de ajudar as criancinhas ? e, algumas vezes, fazer um merchandise ?, mas nem um único minuto é dedicado para lembrar a população de que eles só estão lá, naquele exato momento, doando, desembolsando mais dinheiro além do que se é pago em impostos, por que o representante publico que o próprio contribuinte, doador, otário e etc. colocou no poder é incapaz de cuidar de toda a população. E por que eles deveriam fazer isso afinal? A população se sente útil, pessoas se sentem felizes doando; a emissora responsável ganha audiência, fama humanitária e, algumas vezes, uns trocados; políticos têm suas obrigações administrativas reduzidas; e todo o dinheiro que é arrecadado em impostos, cujo destino deveria ser um projeto publico de desenvolvimento e assistência social vai parar em algum lugar. Moral da história: crianças carentes com os olhos brilhando pedindo por ajuda são melhores em arrecadar dinheiro que alguém dizendo a verdade.