Crônica

CARAJÁS, UM DOLOROSO RETRATO NA PAREDE

Para Lúcio Flávio Pinto

Edevaldo Leal

               Antes que o ano mude, antes que os ponteiros do relógio se ajustem à meia noite e 2012 seja apenas um exercício de memória,  que tal cavarmos um buraco no chão? À maneira do povo de Gana, é preciso que enterremos num buraco as nossas omissões. Por medo ou vergonha de expor a nossa altivez, quantas vezes deixamos passar oportunidades raras e adiamos a esperança?

                É preciso que enterremos, urgentemente, esse inexplicável silêncio diante do que vem ocorrendo em Carajás, no coração da Amazônia: quase toda a riqueza mineral exportada para a China. A outra parte vai para o Japão. De certo modo, vivemos sob o domínio da Ásia.

                 Sei. Não é possível frear a velocidade da ganância que transporta o nosso minério, mas ainda é possível estimular a produção de bens de consumo na região ou, ao menos, evitar que o minério continue a ser vendido a preço vil. E é nisso que, a meu ver, reside a omissão das nossas lideranças políticas e da sociedade civil. Quem dá o primeiro passo?

                 Compreendamos. Dezoito bilhões de toneladas de ferro do mais puro teor serão totalmente transferidos para o estrangeiro, como quem transfere uma muda de planta para frutificar em outro lugar. E, quando restar apenas o rejeito revolvido nos buracos, de nada vai adiantar nossa falsa indignação.

                  Leio, no Jornal Pessoal , escrito por uma única pessoa, o premiado jornalista Lúcio Flávio Pinto, que o maior trem de carga do mundo, um comboio de 400 vagões, a uma velocidade de 70 quilômetros  por hora, transporta milhões de toneladas de minério por dia, do Pará para o porto de São Luís, no Maranhão, de onde partem os navios carregados com destino à China e ao Japão.  E a previsão é a de que, em 40 anos, nada mais reste, a exemplo do que aconteceu com o manganês de Serra do Navio, no Amapá, todo transportado para os Estados Unidos.

                     Veja só a situação a que chegamos. O minério está em soberano solo brasileiro, mas os donos são de outra pátria. E nós, que fomos ensinados a pensar que a exploração colonial no Brasil era uma página virada da história, apenas concordamos.

                      Como Lúcio Flávio Pinto, para quem deixo o final desta crônica, eu me sinto: ‘’...... como se estivéssemos numa hemorragia de recursos naturais, que nunca mais vão voltar, porque minério não dá duas safras.

                       Então, o que nós estamos fazendo?

                       Estamos hipotecando o futuro.

                        Lembremo-nos de Serra do Navio, de Itabira e dos 70 anos de Cauê, que não existe mais, sendo apenas um doloroso retrato na parede em versos do mais ilustre filho da terra, o poeta Carlos Drumond de Andrade.............( Jornal Pessoal, nº 527, 2ª quinzena de dezembro de 2012)’’.