Relação entre a qualidade microbiológica da água de consumo humano e a ocorrência de um surto de Hepatite A em três bairros do município de Vitória/ES: um estudo de caso.

Lindalva Marques da Silva

Engenheira Química graduada pela Universidade Federal Fluminense em 1977; Licenciada em Química pelo CEFET de Minas Gerais em 1988; Mestre em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal do Espírito Santo em 1997; Engenheira Química da Prefeitura Municipal de Vitória; Atua no Programa Vigiágua - Secretaria Municipal de Saúde, Vitória-ES.

Endereço: Rua São Cristóvão, 27, Jacaraípe, CEP: 29.173-830. Serra/ES. Telefone: (27) 3252-3247. Fax: (27) 3382-6752. e-mail: [email protected]

Tânia Maria Arrebola

Bióloga graduada pela Universidade Federal do Espírito Santo em 1981; Especializada em Saúde Pública pela Faculdade Estácio de Sá em 2006; Bióloga da Prefeitura de Vitória/ES; Atua no Programa Vigiágua - Secretaria Municipal de Saúde, Vitória/ES. E-mail: [email protected]

Edna Hollunder de Souza

Graduada em Medicina pela Universidade Federal do Espírito Santo em 1984;
Especializada em Clínica Geral pela UFES; Médica da Prefeitura de Vitória;
Atua como Referência Técnica da Vigilância Epidemiológica/Hepatite A - Secretaria Municipal de Saúde, Vitória/ES.

Gabriel dos Anjos de Jesus

Graduado em Química Industrial pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1969; Mestre em Química Inorgânica pela Universidade de São Paulo em 1972; Licenciado em Química pelo CEFET/MG em 1988; Atua como professor de Química no Curso de Licenciatura em Química do CEFET/Campos. E-mail: [email protected]

Relação entre a qualidade microbiológica da água de consumo humano e a ocorrência de um surto de Hepatite A em três bairros do município de Vitória/ES: um estudo de caso.

RESUMO

Este trabalho analisa os possíveis fatores relacionados com as ocorrências de Hepatite A nos bairros Grande Vitória, Estrelinha e Inhanguetá localizados no município de Vitória, Estado do Espírito Santo, verificadas de abril a junho do ano de 2006, e a qualidade bacteriológica da água consumida pela população dos locais considerados. As análises microbiológicas realizadas na água consumida pelas comunidades estudadas não apresentaram resultados indicadores de contaminação por coliformes termotolerantes, dando a entender que a ocorrência do surto de Hepatite A pode estar relacionada com a deficiência nas práticas higiênicas adotadas pela população local.

INTRODUÇÃO

A Hepatite A (HA) é uma das mais antigas doenças conhecidas pelo homem e representa um problema de extrema importância para os países em desenvolvimento, devido aos altos coeficientes de incidência, assim como para os países desenvolvidos, nos quais, devido à melhoria das condições sanitárias e de higiene pessoal, observou-se um declínio da incidência da moléstia e um aumento na idade de aquisição da infecção1. As medidas preventivas inespecíficas para se evitar a exposição ao VHA (vírus da Hepatite A), tais como higiene pessoal meticulosa, melhoria dos padrões sanitários da comunidade e ausência de aglomeração humana, têm respondido pela diminuição da incidência da HA nos países desenvolvidos2. Considerando que o vírus da Hepatite A pode ser transmitido através da água, é imprescindível que esta seja submetida à desinfecção por processos adequados que representam uma etapa essencial para obtenção de água potável3. A estação de tratamento que abastece a região estudada utiliza gás cloro como produto de desinfecção.

CARACTERIZAÇÃO DOS BAIRROS ESTUDADOS

Os bairros Grande Vitória, Estrelinha e Inhanguetá ficam vizinhos à área de manguezal compondo uma área que abriga, em sua maioria, famílias de baixa renda. A região é abastecida com água da ETA I, dispõe de coleta e tratamento de esgotos, é beneficiada com coleta pública de lixo de forma regular (diária) e as ruas dos bairros são calçadas. Após a confirmação dos casos de Hepatite A detectados, a Vigilância Epidemiológica e a Vigilância Ambiental do município de Vitória iniciaram o processo de investigação e acompanhamento do episódio. Desta forma algumas informações importantes foram obtidas:

1) as ruas dos bairros que se situam mais próximas à maré são invadidas pelas águas durante alguns períodos de “maré alta”, promovendo seu contato direto com os moradores; 2) a população do local tem como prática usual o lançamento de lixo em área aterrada, próxima à maré o que provoca seu espalhamento no entorno das residências; 3) existem residências lançando seus esgotos diretamente na galeria de águas pluviais existente no local; 4) a drenagem pluvial contaminada com esgotos é lançada nas águas da maré; 5) nas residências com casos confirmados de HA verificou-se negligência com cuidados primários de limpeza e com a conservação da habitação, e, ainda grande número de pessoas residindo na mesma moradia; 6) a escola freqüentada pelas crianças acometidas pela Hepatite A, foi inspecionada por equipe da Vigilância Sanitária que não constatou a existência de fatores de riscos propícios à transmissão da doença.

CASOS DE HEPATITE A NOS BAIRROS CONSIDERADOS

A quantidade de casos de Hepatite A, que ocorreram de janeiro de 2000 a junho de 2006, nos três bairros estudados, são apresentados na tabela 1.

Tabela 1 – Casos de Hepatite A nos bairros Grande Vitória, Estrelinha e Inhanguetá, de 2000 a 06/2006

Casos de Hepatite A

Ano de ocorrência

2000

2001

2002

2003

2004

2005

06/2006

Número de casos confirmados

1

0

0

0

0

5

18

    Fonte: Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de Vitória

OBJETIVO

Analisar a relação entre a qualidade microbiológica da água de consumo humano e a ocorrência de um surto de Hepatite A em três bairros do município de Vitória/ES.

METODOLOGIA

Durante o período de ocorrência do surto de Hepatite A, de abril a junho de 2006, foram coletadas amostras de água dos locais de permanência dos indivíduos doentes, a saber: da rede de abastecimento de água, da área interna das residências e da escola freqüentada por eles.

Considerando que o vírus da Hepatite A é transmitido, exclusivamente, por via feco-oral e que os coliformes termotolerantes estão presentes, principalmente, na matéria orgânica fecal de animais de sangue quente1, optou-se por selecioná-los como bioindicadores do agravo.

Todas as amostras de água coletadas foram analisadas pelo Lacen (Laboratório Central) do Espírito Santo, para coliformes totais e termotolerantes, utilizando o método do substrato cromogênico-definido ONPG-MUG (Colilert).

As análises de cloro residual livre (CRL) foram determinadas in loco através do método de comparador colorimétrico com disco, intervalo de 0,1 a 5,0 mg/L, da Policontrol . Método do DPD (N,N dietil p-fenileno diamina).

RESULTADOS OBTIDOS

A tabela 1 apresenta a evolução dos casos de Hepatite A no período de 2000 a junho de 2006 indicando a elevação abrupta no número de casos em meados de 2006 confirmando a ocorrência do surto da doença.

A tabela 2 mostra os resultados obtidos pelo Programa Vigiágua, para os parâmetros coliformes totais, coliformes termotolerantes e cloro residual livre, na água da rede de distribuição da estação de tratamento que abastece a região dos bairros estudados. Os dados são referentes ao 1º. semestre de 2006 e não indicaram a presença de coliformes termotolerantes na água da rede da ETA I, apontando para a inexistência de contaminação por matéria orgânica de origem fecal.

Observa-se, ainda, que para cloro residual livre apenas um valor (2,5 mg/L) violou o máximo permitido pela Portaria 518/2004; os demais resultados estiveram de acordo com os limites exigidos pela legislação: 0,2 a 2,0 mg/L. Este dado é importante tendo em vista que a concentração de CRL na rede de distribuição de água indica a capacidade residual de desinfecção do sistema, caso ocorra a contaminação por matéria orgânica na água potável.

Tabela 2 – Coliformes totais, termotolerantes e CRL da ETA 1 – 1º. Semestre de 2006

 

Pontos para coleta

Resultados

Coliformes totais

(NMP/100 mL)

Coliformes termotolerantes

(NMP/100mL)

Cloro residual livre (CRL)

(mg/L)

jan

fev

mar

abr

mai

jun

jan

fev

mar

abr

mai

jun

jan

fev

mar

abr

mai

jun

P1

0

0

0

0

-

0

0

0

0

0

-

0

0,3

0,4

0,4

1,5

0,8

1,0

P2

0

200,5

0

0

-

0

0

0

0

0

-

0

-

0,4

0,3

1,5

-

1,5

P3

0

0

0

0

-

0

0

0

0

0

-

0

0,3

0,4

1,3

1,3

-

1,0

P4

0

0

0

0

-

0

0

0

0

0

-

0

0,4

0,4

1,6

1,0

-

1,0

P5

0

0

0

0

-

1,0

0

0

0

0

-

0

0,3

0,3

2,5

1,0

-

0,8

P6

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0,3

0,3

0,8

1,0

0,8

1,3

P7

0

0

0

-