CANDOMBLÉ E EDUCAÇÃO: INFLUÊNCIA E EMPODERAMENTO PARA O ENSINO SUPERIOR

 

Naiara Aparecida da N.dos Santos[1]

 

 

 

Resumo: Ao se tratar de religiões de matriz africana no Brasil, nos fechamos observando apenas a sua dimensão mítica e lúdica em seus adeptos, não percebendo como pode ser muito mais ampla a sua contribuição para estes. Destacando nesse artigo o Candomblé, como uma comunidade-terreiro pode influenciar ao membro buscar o Ensino Superior, nesse sentido perceber como essas comunidades constituem espaços de grande pedagogia social critica, de uma educação não formal, poder e resistência para o povo de santo. 

Palavras-chaves: Candomblé, pedagogia social, educação não formal, ensino superior, empoderamento.

Abstract: In the case of religions of African origin in Brazil, we shut observing only their mythical and playful dimension in its adherents, not realizing how it can be much broader in its contribution to these. Highlighting this article Candomblé, as a community-yard may influence the member seeking higher education in this sense understand how these communities are areas of great social critical pedagogy, a non-formal education, power and strength to the people of saint.

Keywords: Candomblé, social education, non-formal education, higher education, empowerment.

Considerações Iniciais

O candomblé viajou na diáspora africana e foi recriado em terras brasileiras, sua tradição é mantida e ressignificada no cotidiano dos terreiros, seus saberes são transmitidos no conviver do dia a dia assumindo um papel importante na construção da identidade de seus praticantes e também na sua formação integral.

Com forte tradição oral, os seus conhecimentos, preceitos, rituais e mitos que norteiam as ações e a fé do povo de santo são transmitidos e preservados por meio da oralidade, que é a modalidade de uso da língua utilizada na educação dos adeptos e nos ritos de fé que também é utilizada para proteção dos terreiros, conservando a tradição. O terreiro se constitui como espaço social, nele há festas, rituais, problemas, conflitos, que abarca a sociabilidade humana nas mais variadas composições, sem negar o sagrado, a vivência e a experiência humana num espaço provedor de identidade e alteridade, além de um campo fecundo de conhecimentos particulares que podem subsidiar práticas educacionais.

O candomblé educa. Onde a educação é a socialização do indivíduo, os fazendo participantes da sociedade e da comunidade onde vivem, esse espaço de grandes representações humanas e místicas contribui de forma rica na vida de seus adeptos. Seus saberes constroem práticas socioeducacionais no ambiente que os permeiam, práticas essas que faz o povo de santo caminhar junto com as mudanças que ocorrem e a atualidade, com isso o perfil educacional de membros do candomblé vem modificando com os anos, apesar de ser de forma gradual esses membros estão mais presentes nas instituições de ensino superior dando um outro panorama a essa religião.

Este artigo possui como objetivo geral, como o cotidiano e as convivências no candomblé influenciam na busca do ensino superior de seus iniciados. Caracterizam-se, metodologicamente, como uma pesquisa de campo etnográfica, com levantamento bibliográfico, entrevistas semi-estruturadas com membros da casa. “Uma observação minuciosa do detalhe, e ao mesmo tempo um enfoque político dessas pequenas coisas, [...], podem levar consigo todo um conjunto de técnicas, todo um corpo de processos e de saber, de descrições, de receitas e dados” que contribuirão para o esmiuçamento do que se quer pesquisar. (FOUCAULT, 1975, p.121).

O artigo esta organizado em três partes centrais, nas quais serão discutidas I) As nações africanas que contribuíram para a formação do povo e da cultura baiana, II) A educação não formal encontrada nos terreiros de candomblé, III) Relatos do povo de santo sobre a vivência na religião e no ensino superior e considerações finais.

Toma-se nesse trabalho uma relação possível entre educação e religião, cabendo dizer que a religião será considerada como tema educacional, por não ser um estudo especializado na mesma e sim nos aspectos que possibilite a formação educativa. Há uma interseção aqui entre a educação e cultura, uma abertura epistemológica na teoria educacional ao campo da cultura.

 

1 - O trato de viventes e a formação do Candomblé no Brasil

 

A chegada dos escravos negros no Brasil no século XVI, período colonial, como mão-de-obra escrava foi para trabalhar em lavouras de cana-de-açúcar. Com a consolidação da economia colonial intensificou-se ainda mais o tráfico de africanos, que iria se tornar mais intenso com atividade mineradora no século XVIII, porém foi o café o grande responsável pelo aumento de escravos no Brasil.

Por ser um trabalho duro e cansativo, o plantio da cana-de-açúcar, exigia “braços fortes” e numerosos. Essa força foi buscada nos negros africanos, dando inicio ao chamado tráfico negreiro, a “solução” encontrada para resolver o problema da falta de braços na agricultura da cana. “(...) do ponto de vista do senhor, esses escravos eram iguais a maquinas de trabalho.” (Moura, 1972, p.103). “(...) dizia-se que não eram totalmente humanos, que só trabalhavam a base de chicote e que precisavam ser domesticados para deixar seus costumes bárbaros, semeando o racismo no coração dos homens brancos”. (ZALUAR, 1996, p. 55)

Os negros africanos e seus descendentes contribuíram com todos aqueles ingredientes que dinamizaram a cultura e o trabalho durante quatro séculos. Em todo esse vasto Brasil, constituíram nosso jeito e modo de ser.

Assim foram chegando e deixando suas famílias, histórias, culturas e origens, mas também lutaram para restabelecer seus valores e acabar com submissão imposta.

Estima-se que mais de 5 milhões de africanos foram trazidos como escravos para o Brasil entre os anos de 1525 e 1851. Ao longo de mais de três séculos, mesmo não sabendo ao certo quantos foram trazidos desde que o tráfico se tornou ilegal, os africanos vieram das mais diferentes áreas do continente africano abaixo do Saara (Conrad, 1985, PP 34-43). Uma multiplicidade de etnias, línguas, nações e culturas. A origem dos africanos trazidos para o Brasil dependia especialmente de tratados e acordos realizados por Portugal, Brasil, e outros países europeus. A tradição historiográfica reúne, grosso modo, os negros vindo da África em dois grandes grupos étnicos: sudaneses e bantos.

Os sudaneses constituem os povos situados nas regiões que hoje vão da Etiópia ao Chade e do sul do Egito, Uganda e o norte da Tanzânia. Ao norte representam a subdivisão do grupo sudanês oriental (que compreende os núbios, nilóticos e báris) e abaixo o grupo sudanês central, formado por inúmeros grupos lingüísticos e culturais que compuseram diversas etnias que abasteceram de escravos o Brasil, sobretudo os localizados na região do Golfo da Guiné e que, no Brasil, conhecemos pelos nomes genéricos de nagôs ou iorubas. (PRANDI, 2000)

Os bantos estão representados por povos que falam entre 700 e duas mil línguas e dialetos aparentados, estão localizados estendendo-se para o sul, logo abaixo dos limites sudaneses, compreendendo-se as terras que vão do Atlântico ao Indico até o Cabo da Boa Esperança. (PRANDI, 2000)

 Em anos recentes, estudos lingüísticos demonstraram a sobrevivência no Brasil de elementos originários principalmente do quicongo, quimbundo e umbundo, o que nos dá uma boa pista da superioridade demográfica, entre os bantos no Brasil, dos africanos provenientes do Congo e de Angola, onde estas línguas são faladas. De fato, reminiscências culturais desses grupos são conhecidas entre nós como congo, angola e cabinda, hoje usando-se genericamente o termo angola ou angoleiros para todos os bantos, sobretudo quando se trata da designação de religião afro-brasileira de origem banto ou de outra modalidade cultural, como a capoeira. (PRANDI, 2000)

Nos primeiros séculos do tráfico, chegaram ao Brasil africanos bantos, e mais tarde pelos sudaneses, cujo tráfico ficou mais forte a partir da queda do império de Oió, destruído pelos fons do Daomé e depois dominado pelos hauças.

Nina Rodrigues percebeu a maior presença dos sudaneses na Bahia. Pode ser constatado, também a predominância de outros grupos como os iorubas, também chamados de nagôs da Nigéria, dos jejes (ewe) em Daomé, além dos tapas, bornus, hauças, fulas, malês. Pela ampla predominância dos sudaneses da costa da guiné aqui é demonstrado através de elementos dessa cultura em nosso candomblé e nas influências negras de nossa linguagem. (RODRIGUES, 1976)

No caso do tráfico dirigido à Bahia, Pierre Verger estabelece quatro períodos: 1o) o ciclo da Guiné durante a segunda metade do século XVI; 2o) o ciclo de Angola e do Congo no século XVII; 3o) o ciclo da Costa da Mina durante os três primeiros quartos do século XVIII; 4o) o ciclo da baía de Benin entre 1770 e 1850, estando incluído aí o período do tráfico clandestino. A chegada dos daomeanos, chamados jejes no Brasil, deu-se durante os dois últimos períodos, enquanto a dos nagô-iorubás corresponde, sobretudo ao último (Verger, 1987).

Os negros trazidos para cá, não apenas povoaram o Brasil dando prosperidade econômica através do seu trabalho. Trouxeram também as suas culturas, deu o ethos fundamental à cultura brasileira. Os escravizados trouxeram suas várias matrizes culturais que aqui sobreviveram, essas diversidades foram consideradas exóticas, primitivas, e consentidas enquanto estivessem sob julgo do dominador. Durante a escravidão o negro transformou todos os padrões de sua cultura em uma cultura de resistência social, como na religião a qual foi utilizado o sincretismo, uma forma sutil de esconder os seus deuses para preservá-los da imposição da religião católica.

Os casamentos entre nações, a miscigenação com o branco e com o nativo da terra, a adoção da cultura nacional promoveram com intensidade a tentativa de apagamento das diferentes culturas africanas.

Essa resistência continuou após o fim da escravidão, os negros aproveitaram os valores afro-brasileiros como instrumento, isso não quer dizer que se conservasse pura a cultura, pois sofreram influencias. Negros de diversas culturas conviviam lado a lado nas senzalas o que proporcionou uma mistura nos fragmentos da nossa. Segundo Kabengele Munanga os senhores de engenhos separavam os negros vindos da mesma região da África para que eles não pudessem se organizar facilmente, desse modo pode-se considerar que o candomblé recebeu elementos de vários pontos do continente africano (MUNANGA, 1996). Para Weber o que define um grupo étnico, mais que um dado de cunho objetivo, é uma crença de caráter subjetivo em uma origem comum.

O pesquisador Reginaldo Prandi relata que o candomblé teve sua confirmação mais evidenciada com as últimas levas de negros trazidos para trabalhar nas cidades e ocupações urbanas do século XIX (PRANDI, 1996). Houve assim uma maior aproximação com os negros enraizados no Brasil, o que possibilitou a sistematização do culto das divindades. É válido ressaltar que o candomblé é uma religião brasileira com elementos do continente africano.

Entretanto é possível comprovar no Brasil as influências de duas linhas principais de religiões africanas: a dos negros bantos, que se originam das partes sul e leste de África (Angola, Congo e Moçambique); e as religiões dos negros provenientes de territórios africanos do oeste especialmente da Nigéria, cuja a influência aparece no Nordeste brasileiro. (ROSENFELD,1993).

            A oralidade é destaque na composição dessa religião, as religiões afro-brasileiras são diferentes das religiões cristãs que seguem um livro, a bíblia, e outros escritos sagrados, a sua premissa é seguir a oralidade, que tem um papel singular, pois é a partir dela que acontece a transmissão dos signos, elementos esses que são transmitidos pelos anciões da comunidade.

         “... sobre a transmissão oral dentro do Candomblé é possível perceber que não se trata apenas de um sistema religioso politeísta de origem africana. Trata-se de uma forma de resistência que atuou historicamente no Brasil há mais de quatro séculos e que sobreviveu, com seu legado, mesmo não sendo permitido (no período colonial ou imperial) ou sofrendo perseguição pelas policias ou elites políticas durante o período republicano, a partir do século XIX” (LANZA [et al.] – 2010)

            Por ser uma religião oriunda dos negros, o candomblé sofreu várias perseguições, seus cultos sempre foram perseguidos pelo Estado brasileiro com a justificativa de que eram cultos aos demônios. Taxados de falsos médicos, charlatães e feiticeiros os pais-de-santo e as mães-de-santo foram constantemente atacados e seus templos, invadidos. Seus lugares sagrados destruídos e as pessoas que se faziam presentes como praticantes ou convidadas passavam por constrangimentos e humilhações (BRAGA, 2009).

            Os terreiros de Candomblé começaram uma longa luta exigindo respeito aos seus locais de culto, com isso recorreram a homens influentes do meio social, chamando a atenção de pessoas de destaque, como o deputado por São Paulo, na época, Jorge Amado. Em 1946 por iniciativa do mesmo a liberdade de religião ou culto foi assegurada na constituição do mesmo ano. Traduzindo assim, na difusão da cultura afro-brasileira para todas as camadas do Brasil de maneira legal e sem perseguição direta. (Braga, 2009)

            O candomblé é um termo que só aparece a partir do século XIX, como sinônimo de reunião e festividade, um momento alternativo a vida difícil que levavam. Com o tempo estas reuniões tornaram-se momentos de religiosidade, culto aos antepassados.

Em 1910 foi fundando no bairro de São Gonçalo do Retiro o terreiro da nação ketu Ilê Axé Opô Afonjá, foi estruturado intimamente ligado ao terreiro da Casa Branca do Engenho Velho denominado Ilê Axé Iyá Nassô Oká, eles fundaram uma comunidade no bairro da Barroquinha, zona urbana de Salvador, chamado Ilè Asé Airá Intilè também conhecida como Candomblé da Barroquinha, esta comunidade fora fundada por três negras africanas cujos nomes são: Adetá ou Iyá Detá, Iyá Kalá, Iyá Nassô e Babá Assiká, Bangboshê Obitikô. Porém, com o desenvolvimento da cidade, negros que ocupavam a Barroquinha foram deslocados, houve a necessidade de saírem do bairro e seguir para regiões mais distantes do centro, periféricas tendo o receio da intervenção de autoridades em seu culto e devido à reurbanização feita na época, é então arrendada terras do Engenho Velho do Rio Vermelho, no trecho chamado Joaquim dos Couros, lugar onde se encontra até hoje, estabelecendo aí o primeiro Terreiro de Culto Africano na Bahia (SILVEIRA, 2007).

 A religiosidade africana sempre foi marcada por preconceitos e ignorância por parte dos escravizadores, o que suscitou um desconhecimento do verdadeiro propósito da religião, que é a formação integral do sujeito. Podem contribuir para a formação de um modelo educacional formal e não-formal baseado no resgate identitário necessário à população brasileira.

2 – Candomblé e educação

 

A história da pedagogia na modernidade evidencia uma teoria e uma prática educativa centrados em torno da escola. As preocupações acerca de método, currículo e relação ensino-aprendizagem, além de tomarem a escola como locus privilegiado da educação, é marcada por um escolacentrismo que não permite compreender a formação integral do ser humano.

A escola conservadora como o lugar do saber vem sendo criticada por vários autores de diferentes áreas e diversas perspectivas de analise, estes elaboraram uma critica simbólica, na qual situa a escola conservadora como espaço de permanência do status quo.

Um modelo centralizado de escola na formação cultural de uma sociedade moderna colabora para uma reprodução das desigualdades sócio-economicas-culturais e a constituição de um discurso pedagógico que toma a escola como instituição educativa por excelência.

Miguel Arroyo (1987) denuncia o discurso autoritário da escola conservadora que restringe a si a responsabilidade pela educação:

Antigamente se dizia: “fora da Igreja não há salvação”. Hoje, nós os profissionais da escola pontificamos: “fora da escola não há salvação”.Cuidado. Essa é e sempre foi a fala das elites, da aristocracia, da burguesia quando se dirigem às massas: “se quer ser educado vá à escola”. “Se você quer ser alguém que pensa, vá à escola.” Quem não pode ir à escola não pensa, e é tratado como ignorante, como incivilizado (ARROYO, 1987, p. 19).

Qualquer aprendizado obtido a partir dos sonhos, intuição subjetiva ou da experiência mediúnica, elementos característicos da educação no terreiro, estaria circunscrito ao âmbito da não-realidade, ficando, portanto, à margem. Tais experiências de aprendizagens têm sido tratadas de forma profunda pelo pensamento moderno ocidental (SANTOS, 2007).

Os saberes da experiência, como os produzidos nas relações cotidianas dos terreiros de candomblé precisa de um conhecimento que possibilite a compreensão de suas especificidades, bem como as relações que estabelecem com outros saberes, principalmente aqueles situados dentro da escola. Neste caso no qual diferentes modalidades de saberes e práticas marcam a forma de aprender das religiões de matriz africana.

Essas reflexões apontam formas alternativas de se elaborar as pesquisas e teorias educacionais, mas, a necessidade de se construir práticas educativas inovadoras, democráticas, participativas que respeitem os saberes populares. Na perspectiva da pedagogia social o cotidiano escolar e social, os saberes da experiência e a cultua dos sujeitos sociais têm sido consideradas questões de suma importância.

Então, a pedagogia social trabalha muito bem esse processo, pois nela o homem é concebido como um ser capaz de assumir-se como sujeito histórico de sua história e da história, como agente de transformação de si, do outro e do mundo como fonte de criação, liberdade e construção dos projetos pessoais e sociais, numa dada sociedade. Considerando a educação não-formal como um de seus núcleos básicos.

Nesse âmbito a ação educativa se forma num processo de criação e recriação partindo de uma determinada teoria dialética do conhecimento, pois parte da prática, teoriza sobre ela e volta à prática para transformá-la, ou seja, parte do concreto realiza um processo de abstração e regressa ao concreto, num movimento reflexivo crítico e sistematizador – ação/reflexão/ação (GRACIANI, 2006).

Segundo Oscar Jara:

“(...) a concepção metodológica dialética da pedagogia social põe sua atenção nas situações concretas que surgem da prática para analisá-las, fazer deduções, confrontá-las com outras experiências, conceitualizando-as, emitindo juízos críticos etc., para assim orientar eficazmente as ações de classe sobre estas mesmas situações. (...) leva-nos a pensar dialeticamente para poder assim enfrentar novas e distintas situações que a própria prática nos irá exigindo conhecer para transformar (JARA, p.104).

A pedagogia social se caracteriza por uma educação libertadora, realizada com classes sociais populares, com o objetivo de ser conscientizador com os grupos ou sujeitos, onde a troca de experiências é primordial, um intercambio de saberes, uma pedagogia baseada na identidade coletiva, na dinâmica cultural, na possibilidade de compreender o enriquecimento da participação comunitária e, uma auto-estima, autoconfiança e autodeterminação de sujeitos que tentam construir uma nova ordem social, econômica e cultural.

Os campos da educação e da cultura estão cada vez mais articulados, compreendendo-se a educação como prática social de formação cultural, política e identitária e a cultura como complexo simbólico que nomeia, julga, orienta e educa os sujeitos face ao mundo em que vivem.

Em meados da década de 1970 o conhecimento sobre educação e cultura veio ampliando seu espaço dentro da pedagogia, que antes consistia numa epistemologia historicamente limitada a preocupações escolares, não considerando uma vinculação com sistemas culturais, como a religião.

 São os processos educativos vivenciados nas relações sociais cotidianas do terreiro que dimensionam a religião como um espaço de circulação de significados, saberes e sentidos.

Nesse contexto, a educação é compreendida como prática social, para além dos muros da escola, e a pedagogia assim amplia seu campo de estudo considerando práticas educativas desenvolvidas no cotidiano social, como ambientes de trabalho, ruas/esquinas, escolas de samba, manguezais, religiões, dentre outros espaços sociais. Com essa compreensão, o saber não localiza-se um único espaço (a escola) e não é privilégio dos mais competentes (os intelectuais, os professores, os cientistas). Ele está diluído, distribuído nos pequenos ambientes da vida social. O saber é local porque tem as raízes de quem o produz e manipula, mas também universal porque esta firmado em princípios lógicos de pensamento presentes diferencialmente em todas as culturas.

Para Gramsci, a cultura é um processo coletivo e não individual como parte fundamental do processo revolucionário com vistas à construção de um novo bloco histórico.  A natureza humana não poder ser caracterizada como estática, predeterminada e fechada, o conceito de homem não pode ser a de animal racional. O homem é então compreendido como “um processo e precisamente (...) o processo dos seus atos, agente e produto da tripla relação entre a sua individualidade, os outros indivíduos e a natureza, ou ainda como o conjunto das relações sociais” (GRAMSCI, 1958).

Os saberes são produzidos nas relações sociais, e todos os indivíduos, nos diversos espaços por onde transitam, constituem-se como sujeitos do processo ensino-aprendizagem. Os grupos subalternizados, que, historicamente, foram vistos como sendo “sem cultura”, são, nessa visão, compreendidos como produtores do saber.

Nesse sentido muitas práticas culturais que podem ser entendidas como emissoras de saberes da diáspora africana no Brasil. Se os folguedos, as manifestações religiosas, “a brincadeira” eram permitidos pelo “senhor branco colonizador”, as populações negras utilizavam estas práticas para reviver os ritos, cultuar os deuses e manter-se “identificados” (SODRÉ, 1983), compartilhando uma origem comum. Os cultos religiosos foram, ao longo da História das populações africanas no Brasil, sendo lugar de negociação, de resistência – e como diria (CERTEAU, 1994) – de táticas.

Durkheim (1978) relata que a educação é como a transmissão da cultura em cada geração e que, conserva e renova essa mesma cultura, reconhecendo que há duas formas básicas de educação: a sistematizada ou a não sistematizada. A primeira, presente na escola, é significativa na aquisição de informações e entrada produtiva na sociedade, ir à busca de uma formação profissional. Paralelamente tem-se a educação não formal, não sistematizada, onde não encontramos currículos, horários, programas, etc, porém tem a importância evidenciada na formação moral do homem.

O processo educacional não se dá apenas nas escolas. “A educação se processa dentro e fora da escola” (MAIA, 1998, p. 34). Tendo em vista na atualidade como o papel da escola vem se tornando incompleto, várias outras instituições vêm auxiliando nesse processo. Como exemplos podem citar: as instituições religiosas e nisto visualizar os espaços religiosos dos terreiros como espaço educativos não-formais.

O que a nomenclatura técnica denota, hoje, como educação não-formal é aquela que não se faz definidamente, na Escola, ou seja, que não tem currículos, programas, professores, etapas explicitadas. Não deixará, portanto, de ser muitas vezes, institucionalizada, pois, para ela contribuem a Família, a Igreja, o Estado e outras agencias sociais, além do meio cultural. (MAIA, 2000 b, p.73)

Nos terreiros de candomblé, a educação se dá de forma intrínseca com a transmissão do culto e do credo para aqueles que se iniciam a transição gradual. Essa educação assumi um papel importante na construção da identidade dos praticantes, tendo a capacidade de orientar em suas ações e também fornecendo referencias para agir, refletir e o sentir.

O candomblé reflete bem o panorama da educação não-formal, aquela que se aprende "no mundo da vida", via os processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivos cotidianos (GOHN, 1999). Essa instituição religiosa possui uma intencionalidade, na ação, no ato de participar, de aprender e de transmitir ou trocar saberes. Isto se constitui um importante elemento de diferenciação dentro da educação não-formal no Candomblé, pois há um ambiente construído coletivamente em que é atribuído um papel de transmissão de informação e formação política, social e cultural do grupo. Educa-se o ser humano, uma educação em que são desenvolvidos laços de pertencimento e ajuda na construção da identidade coletiva e que pode colaborar para o desenvolvimento da auto-estima.

A educação existe onde não há a escola e por toda parte podem haver redes e estruturas sociais de transferência de saber de uma geração a outra, onde ainda não foi sequer criada a sombra de algum modelo de ensino formal e centralizado.(BRANDÃO, 1981. p. 13)

 

Então, toda religião carrega uma teleologia pedagógica, educativa, formadora, para a qual o ritual serve de instrumento e a transmissão dos mitos é a garantia de preservação não só das relações, mas da memória do grupo e da cultura. É o mito que vai ligar o presente ao passado e produzir uma idéia de futuro, garantir a união do coletivo, relacionando os sujeitos à comunidade; enfim, ordenar o que está em desordem (SEGALEN, 2002), tanto sincronicamente quanto diacronicamente.

Em Educação e sociologia (1978), Durkheim recorre à “observação histórica”, para afirmar que “cada sociedade, considerada num momento determinado de seu desenvolvimento, tem um sistema de educação que se impõe aos indivíduos”. Cada sociedade fixa um certo “ideal do homem”, do que ele deve ser, do ponto de vista intelectual, físico e moral, sendo esse ideal o próprio pólo que norteia a educação.

Segundo Durkheim (1978) não existe educação que não esteja imersa nos processos culturais onde a escola está inserida. Para que tenha educação, é necessário que haja, em face de uma geração de adultos, uma geração de jovens, crianças e adolescentes, com uma ação exercida da primeira sobre a segunda. A influência de uma geração sobre a outra.

O ensino do candomblé recria a hierarquia e a estratificação à medida que a organização é feita pelo tempo de permanência na religião, já na educação comum ha uma estratificação tradicional onde se aceita a autoridade e responsabilidade. A autoridade maior é do pai/mãe de santo. Os outros integrantes vão sendo colocados pelas funções que desempenham, isto é, ignorando a posição social e cultural externa ao terreiro.

Tal como a educação, a religião é um território de trocas de bens, de

serviços e de significados entre pessoas. Tal como as da educação, as agências culturais de trabalho religioso envolvem hierarquias, distribuição desigual do poder, inclusões e exclusões, rotinas, programas de formação seriada de pessoal e diferentes estilos de trabalhos cotidianos. (BRANDÃO, 2002, p. 152)

A educação é um processo dual, resultado de dois sistemas em constante interação, a educação não pode ser apenas igualada à escola e nem tão pouco à cultura, mas resulta desta última e a realimenta. Uma simbiose. Ela transcende o âmbito constatando sua amplitude ou abrangência na sociedade.

O percurso do povo de santo no ingresso ao ensino superior é uma história de mais ou menos 30 anos, Santos (2013) aponta que há lideranças com escolaridade de nível superior num espaço secularmente observado como de maioria negra e sem instrução, o que indica os obstáculos enfrentados por essa população no acesso a escolaridade.

Em 24 anos as religiões afro-brasileira obtiveram um crescimento significativo, mesmo os dados do IBGE de 2010, segundo Teles (2013) divulgando um pequeno percentual de indivíduos que se declaram adeptos do candomblé. Ainda é vigente um número grande de lideranças do candomblé com nível fundamental incompleto, sendo o grau de instrução mais comum, 46,9%. No ensino médio fica em torno de 25,6% das lideranças, durante essa pesquisa feita por Jocélio Teles dos Santos e Luiz Chateaubriand dos Santos, entre 2006 e 2008 foi possível perceber um aumento de lideranças religiosas ingressando no ensino superior, 42,3% freqüentando as escolas, isso variando cor e gênero.

Este fenômeno vai ser dado por alguns motivos, como a liberalização dos candomblés do controle da Delegacia de Jogos e Costumes, que faz crescer o número de terreiros no final de 1970 e a partir daí o crescimento de lideranças com curso superior completo aumenta também, e mais atual no governo FHC, com investimento privado em educação superior (faculdades e pós-graduação), especialmente pela criação de linhas de crédito para instituições de ensino. O FIES que tem por objetivo financiar a graduação de estudantes que não têm condições de arcar com os custos de sua formação e o ProUni criado em 2004 no então governo de Luis Inácio Lula a Silva, para facilitar o acesso de alunos carentes ao ensino superior,  oferecendo bolsas de estudos de 50% ou 100% da mensalidade em faculdades particulares, com isso houve um salto nos índices de brasileiros cursando nível superior.

3 – Candomblé, espaço de ensino e aprendizagem

Os estudos nos termos aqui propostos visam contribuir para uma compreensão, por parte dos educadores e adeptos, das religiões de matrizes africanas, com o objetivo de perceber como o cotidiano e as convivências no Candomblé influenciam na busca do Ensino Superior de seus adeptos. Uma pesquisa qualitativa, que trabalha com a espontaneidade do entrevistado.

Segundo Gamboa (2003), a pesquisa qualitativa se refere à coleta e tratamento de informações que permitem a definição de um horizonte de interpretações a partir do qual se pretende a busca dos sentidos que requer a recuperação dos contextos sociais e culturais, onde as palavras, os gestos, os símbolos, as figuras, as diversas expressões e manifestações humanas tem um específico significado.

            Buscou-se o contato direto e interativo do pesquisador com a situação sujeito de estudo, entendendo os fenômenos, segundo as perspectivas dos participantes da situação estudada. Utiliza um roteiro para estimular os respondentes a pensar e falar livremente sobre o tema.

            Na pesquisa os entrevistados ouvidos foram, 2 pais de santo, 4 iniciados  na religião, sendo 1 pai de santo com ensino superior e os iniciados também. A escolha por entrevistar sacerdotes e não só iniciados, foi dada para perceber melhor como se dá a relação entre estes e os filhos da casa, suas influências nas vivências pessoais do mesmo. A hierarquia no candomblé vai depender a que nação o adepto faz parte, existem pelo simples fato de ser assim, porém é a hierarquia bem aplicada que mantém o grupo unido em um objetivo ou de um líder.

Os outros entrevistados, os iniciados, foram escolhidos para verificar a influência do meio na busca pelo ensino superior, por esta razão o critério utilizado para estes participantes foi o de terem adquirido essa formação superior em conjunto com a convivência na religião, no candomblé, não importando há quanto tempo finalizaram ou iniciaram seus estudos, os que adentraram no axé já formados não foram sujeitos da pesquisa.

            Na coleta de dados, utilizei como principal instrumento a entrevista semiestruturada, que possibilita ao entrevistado discorrer sobre o tema e contextualizando suas falas. O roteiro da entrevista foi organizado a partir de três eixos principais como a) os saberes e conhecimentos nos terreiros, b) mudanças percebidas no ambiente e c) contribuição do candomblé para a busca do Ensino Superior. Levando em consideração o acesso a dados como escolaridade, entrada no candomblé, formas de ensinamento no terreiro, a experiência no ensino superior.

As formas de adesão à religião se diferenciam um pouco entre os entrevistados. Nas falas dos participantes associaram a adesão à religião ainda precoce, pois na família a prática do candomblé já estava instalada, como no caso de Verônica Nairobi.

Nasci, cresci e me criei dentro de um terreiro de Candomblé, sou neta de uma yalorixá, Antônia Aguiar, filha de Oxum. O candomblé é muito mais que uma religião, pra mim é um encontro com a ancestralidade, e sendo toda a minha linhagem familiar (materna e paterna) de axé, eu não poderia ser diferente, a minha religião chegou a mim antes mesmo de eu chegar ao mundo, e é isso que é herança hereditária. (Verônica Nairobi Sales de Aguiar, Ekedi – entrevista concedida a esta pesquisa no dia 06/05/2014)

 

Assim são socializados nos valores e na freqüência aos culto da religião, sendo o terreiro como um prolongamento de sua casa, como diz Mauricio.

Sou filho biológico da Iyalorixá e sempre estive presente nas atividades, festas do candomblé, com 21 anos de idade fui iniciado por decisão minha e tive a oportunidade de optar por esta belíssima religião. (Mauricio dos Reis, Ogan Leju – entrevista concedida a esta pesquisa no dia 08/05/2014)

No caso do pai de santo Rychelmy Imbiriba, ele já era permeado pelo ambiente do candomblé desde criança, mas sua iniciação vai dar-se na adolescência.

De iniciado eu tenho 18 anos, eu nasci em família de axé, mas não fui Rychelmy Imbiriba, uma criança de axé, minha mãe ia, mas tinha coisa de deixar a gente em casa, ia pra o candomblé e deixava alguém tomando conta d’agente. E aí a gente podia ir em festas como de erês e em algumas festividades de dia a gente ia, quando ela recolhia a gente ia lá vê-la uma vez, mas não era do candomblé eu fui entrar no candomblé aos 14 anos, quando fui iniciado e hoje eu to com 18 de iniciado indo pra 19 de iniciado. (Rychelmy Imbiriba, pai de santo – entrevista concedida a esta pesquisa no dia 23/05/2014)

Alguns dos entrevistados entraram como praticantes em momentos diferentes em sua vida. Júlia do Couto começou a freqüentar o terreiro regularmente a partir dos 20 anos, mas antes não tinha vínculo com o candomblé.

Sempre fui muito curiosa com relação a religião, li a bíblia, o livro dos espíritas, estudei a bíblia com testemunha de Jeová e já ia começar a estudar o Alcorão... a religião em si me deixava muito fascinada, até que conheci um rapaz que era de terreiro de candomblé, e comecei a namorar e freqüentar como namorada dele, aí me apaixonei pela mãe de santo e entrei pro candomblé, terminei o namoro e estou no candomblé até hoje...isso foi entre 99 e 2000. (Julia do Couto, filha de santo – entrevista concedida a esta pesquisa no dia 14/05/2014)

A ekede Andrea Montenegro relata o envolvimento familiar por parte do pai com o candomblé, mas também identifica à formação católica na sua vida.

Em 1996 aos 17 anos fui suspensa – escolhida pelo orixá Oyá, ainda que minha formação religiosa fosse católica e estivesse no terreiro como visitante. No ano seguinte, entre julho e agosto foi realizado meu processo de iniciação em companhia de meu pai biológico, que passou a ser meu irmão religioso (Andrea Montenegro, ekede – entrevista concedida a esta pesquisa no dia 08/05/2014)

O babalorixa Alagi de Oxaguian no seu relato evidencia-se como primeira opção religiosa a mesa branca de umbanda.

Na minha família costumava fazer reuniões de mesa branca de umbanda, minha mãe e minha vó recebiam muitas pessoas na casa delas foi assim que conheci a questão espiritual, algumas entidades como, o caboclo boiadeiro, quando já estava adulto fui em algumas casas de candomblé participar de festas e nesse período me encantei e fiquei numa casa e foi lá que descobri a minha missão dentro do axé. (Alagi de Oxaguian, pai de santo – entrevista concedida a esta pesquisa no dia 17/05/2014)

 

O espiritismo, praticado em reuniões com as pessoas sentadas em volta de uma mesa com toalha, por isso denominada MESA BRANCA, tornou-se elitizado e quando médiuns transmitiam comunicações de espíritos que se diziam índios, ex-escravos e gente do povo, foram acusados de praticar o baixo espiritismo e foi assim que a umbanda no Brasil vai retornar pra combater o preconceito. Na umbanda cada grupo define sua sistemática, sofre influencia do espiritismo, do candomblé, assim, as linhas primárias da umbanda (caboclos, preto-velhos e crianças) trabalham ao lado de boiadeiros, marinheiros, ciganos, exus, pombas-giras e crianças. (PRANDI, 2000)

 3.A) Formas de saberes e conhecimentos aprendidos nos terreiros

A transmissão do saber do candomblé é tida como tarefa quase exclusiva da oralidade, todo o aprendizado deveria partir do conhecimento adquirido pelos antigos através da palavra. Durantes os rituais de candomblé, várias informações são passadas através da linguagem simbólica dos costumes conservados pelos terreiros, toda essa riqueza lingüística que existe nos cultos esta escondido por gestos e procedimentos.

Questionados sobre que tipo de saberes e conhecimentos se aprende no candomblé, as respostas apontam dois tipos de conhecimento, o ligado aos rituais da religião, as práticas cotidianas do candomblé; e os saberes morais e éticos.

Conhecimentos práticos da cultura africana, no meu caso, em sua maioria de influência iorubana, que vão de práticas alimentares, da questão estética, à liturgia da religião, aspectos de autoconhecimento e afetivos, de relação com o meio ambiente, de etnobotânica, de pedagogia e sociologia e etc.” (Andrea Montenegro, ekede - entrevista concedida a esta pesquisa no dia 08/05/2014)´

Cantar e tocar nas atividades internas do candomblé. (Mauricio dos Reis, ogan - entrevista concedida a esta pesquisa no dia 08/05/2014)

Outra possibilidade encontrada segue em direção a valores morais passados na religião, por essa temática todos foram unanimes em relatar que a vivencia no candomblé possibilita um aprendizado mais amplo do que os relacionados somente aos rituais, o processo ensino-aprendizagem vai além dessa esfera.

  • o respeito à hierarquia; a solidariedade; o sentido de família; a relação com a natureza; a relação com a vida. (Veronica Nairobi, ekede – entrevista concedida a esta pesquisa no dia 06/05/2014)

Aprendi a amar o meu orixá, ter respeito e a sabedoria em escutar a natureza e os seus elementos, o cuidado com os idosos, o respeito com as pessoas, independente da idade.(Mauricio dos reis. Ogan - entrevista concedida a esta pesquisa no dia 08/05/2014 )

 Lá na roça ela preza por uma questão de disciplina né, a gente aprendeu muito, aqui em casa é tudo meio desregrado, horário não tinha, minha mãe cobrava, mas era tudo meio ...ser mãe solteira e ter que trabalhar fora, a gente era meio criado assim, meio solto, não tinha muito a presença dela com aquela coisa de ficar dizendo “não faça “ então a gente ia meio tateando, fazendo a coisas, mas ela cobrava que tinha que estudar e tal, no terreiro tem o negoço de disciplinar, tem horário, tem a questão da hierarquia que você aprende a respeitar que tá a sua frente na questão de posto, respeitar quem vai chegando agora também. (Julia do Couto, filha de santo – entrevista concedida a esta pesquisa no dia 14/05/2014)

A viver e ver a vida de uma forma diferente, mais humana, sinérgica, solidária, mais compreensiva. A reconstruir e ampliar as relações familiares... Paz, justiça, amizade, fraternidade, sacralização da natureza, disciplina, valorização do trabalho.(Andrea Montenegro, ekede - entrevista concedida a esta pesquisa no dia 08/05/2014)

O Candomblé polariza não apenas a vida religiosa, mas também a vida social, a hierárquica, a ética, a moral, a tradição verbal e não-verbal, o lúdico de seus adeptos, permeia a vida do indivíduo como um todo. Foi bastante interessante perceber na fala proferida por Júlia, que tem como profissão ser professora de inglês, o que ela aprendeu dentro da religião.

...poder ensinar coisas... Antes de entrar na faculdade de letras, aprendi a educar cá, dentro do terreiro, porque eu tive que ensinar à outras pessoas, por exemplo aprendi a enrolar um acaçá, no outro dia, no momento seguinte tinha que ensinar pra alguém, uma coisa que você aprende hoje, amanhã ensina de novo e continua passando, então essa coisa de como ensinar as pessoas, eu acho que aprendi no terreiro. (Julia do Couto, filha de santo – entrevista concedida a esta pesquisa no dia 14/05/2014)

A educação possui o papel de constituir o ser social que há em cada um de nós. A criança traz a sua natureza como indivíduo apenas, e a sociedade, de geração em geração, precisa construir tudo de novo. É aí que surge a educação que vai agregar a esse ser social valores morais e sociais, criando no ser humano um ser novo.

O candomblé possui o papel de educador social dentro de uma educação não-formal, a mediação deste processo educativo com o meio escolar (universidades) através de uma interação entre este e o território que as circunda, buscando as aprendizagens que acontecem assim geradas pelo processo acontecido é de suma relevância. Deixar de lado o meio social o qual o cidadão vive e convive é relegar a sua história e identidade.

Os saberes da educação não formal estão intimamente ligados à formação cidadã do indivíduo, para o exercício da civilidade com o outro, seus valores, sua ética perante o mundo e as pessoas, para o reconhecimento a aceitação das diferenças culturais, não importando classe, origem, ou qualquer outra forma de pertencimento social ou identidade cultural.

A educação não formal como afirma Gonh (2011, p.14) não visa substituir ou competir com a educação formal [...]” Espaços importantes da sociedade abarcam as atividades da Educação não formal e suas práticas educativas e distribuem-se em inúmeras dimensões. Os processos educativos no candomblé possibilita a seus indivíduos  serem sujeitos protagonistas da sua história, sujeitos políticos, que pensam, que agem.

O candomblé está imiscuído de interpretações e representações, ele pode ser visto como uma grande família, uma escola, uma casa terapêutica, tanto pelos filhos da casa como pelos visitantes. Um espaço o qual são exercidos vários papeis na vida do sujeito. Quando questionei aos babalorixas sobre uma definição dada à casa, ao terreiro, se eles viam a casa como uma família, uma escola ou casa terapêutica, os dois entrevistados relataram essa dinâmica múltipla presente.

Eu costumo dizer que é tudo, porque somos uma família com seus altos astrais e baixo astrais, também uma escola, tem filho que nunca tratou uma galinha e aqui teve que aprender, entendeu?...um pouco de terapia porque os pais de santo são um pouco psicólogos, tem que ouvir as pessoas... (Alagi de Oxaguian, pai de santo – entrevista concedida a esta pesquisa no dia 17/05/2014)

 

Eu acho que tá muito mais pra uma casa de família, uma casa mesmo, onde você acolhe que você tem que ensinar as pessoas a lavar louça, a lavar roupa você tem que tá em cima das pessoas pra elas cozinharem, você tem a coisa do dia a dia, da rotina e claro a gente começa a empurrar...eu sou uma pessoa que quando tenho oportunidade...eu vivo no mundo letrado então quero que as pessoas também entrem. Eu vejo a religiosidade como algo que é um encontro consigo mesmo, mas que você também tem que está bem lá fora e você só vai tá bem lá fora se você conseguir ser alguém no mundo que o mundo te cobre então você te que ir ter uma formação, você tem que ter uma profissão, o mundo vai te cobrar isso. Não adianta aqui dentro você ser um boa equede, é importante que saiba tudo e lá fora você não ser nada então você tem que empurrar essa pessoa pra ela poder tá no mercado de trabalho, pra ta na universidade crescer também, e é isso que uma família faz.(Rychelmy Imbiriba, pai de santo – entrevista concedida a esta pesquisa no dia 23/05/2014)

                    

3.B) mudanças percebidas na religião

O candomblé como qualquer outra instituição religiosa e cultural também acompanha algumas mudanças, do seu início para cá, muita coisa mudou, fazendo dessas religiões organizações de culto desprendidas das amarras étnicas, raciais, geográficas e de classes sociais. Não tardou e foram lançadas no mercado religioso, o que significa competir com outras religiões na disputa por devotos, espaço e legitimidade. (PRANDI, 2000)

O processo de mudanças na religião vai ser dado primeiro, pelo sincretismo, mistura do culto aos orixás com os santos católicos; o desaparecimento de traços negros inserindo na sociedade através da umbanda e na década de 1970 retomou origens negras para transformar o candomblé em uma religião de todos, iniciando um processo de dessincretização e assim adquirir a sua autonomia.

A religião muda a reboque da sociedade, adaptando a transformações sociais e culturais em curso, num esforço pra não perder o trem da história, quem não muda, não sobrevivi. No candomblé, cada terreiro tem plena autonomia ritual, doutrinaria e administrativa tudo vai depender das decisões pessoais da mãe-de-santo ou pai-de-santo.

Eu vim de um candomblé de onde não se perguntava, tudo se tinha a hora pra aprender aí você falava assim: “mas porque isso”? respondiam, “não tá na hora” aí passava e eu nunca mais perguntava e esperava sua hora chegar, mas eu sempre fui muito questionador então, eu procurei entender o candomblé e hoje eu converso com meus filhos. Eu não quero esse candomblé! se a gente pinta tem motivo, se faz um ebó tem motivo, se ta negativo tem motivo, se tá positivo tem motivo, então a gente vai procurar entender e dialogar sobre isso porque, se você entende aquilo que você faz, eu acho que enriquece muito, porque é como se você jogasse uma água no chão e aquela água tá refrescando a terra, pra que a terra seja prospera e se eu jogo apenas uma água e não sabe porque então vai ter uma diferença naquele ato de jogar a água.(Rychelmy Imbiriba, pai de santo – entrevista concedida a esta pesquisa no dia 23/05/2014)

Antigamente um acará feito pra Yansã, os ingredientes são comprados pronto, não se compra mais o feijão pra botar de molho e depois descascar, a facilidade pelo tempo que está muito corrido...o candomblé mudou e muito pelo fato da situação de hoje em dia, porque antigamente pra fazer um santo o que levaria um mês, 2 mês, 3 mês,hoje não da mais pra fazer isso, hoje a situação tá difícil, ninguém vai largar seu emprego. (Alagi de Oxaguian, pai de santo – entrevista concedida a esta pesquisa no dia 17/05/2014)

Assim, cada terreiro é livre pra experimentar inovações ou retornar a práticas anteriores, incorporando formas que para outros da mesma religião podem não fazer o menor sentido. Mudanças podem ocorrer, sendo que não é ao acaso, mas essas mudanças precisam ser feita de forma responsável, consciente, baseada em verdades e realidades, e sobre tudo de forma harmoniosa e bem alicerçada, para que não se desmorone, pois o fundamento, a essência, essa não pode mudar.

3.C) Contribuição do candomblé para a busca do Ensino Superior

Não dá para esconder ou negar que o Candomblé desde o seu início com a chegada do primeiro negro escravizado no Brasil até os dias atuais, sofreu mudanças e adaptações das mais variadas, e que o que vivemos na atualidade é o resultado de séculos de pensamento e prática religiosa. Hoje por mais sábio e zeloso das tradições do Candomblé que seja o sacerdote, ele possivelmente recorre às ciências médicas, utiliza dos recursos elétricos, das tecnologias, das telecomunicações, da educação etc.

Fato das últimas três décadas é a mudança no grau de escolaridade dos lideres e iniciados do candomblé, um espaço em que a maioria possuía apenas o ensino fundamental e ensino médio esta sendo muito bem ocupado por candomblecistas com nível superior de ensino e moldando uma nova conjuntura na religião.

O candomblé é um espaço não escolar, mas mutirreferencial de aprendizagens possui uma educação sinérgica sob a base de um educador que estimule os seus a saírem do estado inicial para alcançarem, atingirem a aprendizagem durante a travessia, um ambiente marcante para a formação, não há papeis muito definidos de quem ensina e quem aprende, mas uma relação de troca mutua e enriquecimento mutuo.

Para Vygotsky (1988), a importância sociocultural do processo de ensino aprendizagem deve ser particularizados de acordo com a realidade e necessidade onde o sujeito está inserido. Nessa concepção, o conhecimento adquirido por meio de um amplo processo de interação social, de aquisição de novas informações, habilidades, atitudes, valores a partir do sujeito com outras pessoas, é fator determinante para que ocorra a aprendizagem. Quando perguntados sobre a educação ou formas de ensinamento no candomblé, os entrevistados relataram.

Acredito que a educação é a transferência de valores, costumes e hábitos de uma geração para outra, independente do método. Existe educação nos terreiros, a não formal, todas desenvolvidas de forma permanente. (Andrea Montenegro, ekede - entrevista concedida a esta pesquisa no dia 08/05/2014)

Educação oral. É dessa forma que o ensinamento é transmitido no terreiro. E é reforçado pelas vivências de forma construtivista. (Julia do Couto, filha de santo – entrevista concedida a esta pesquisa no dia 14/05/2014)

                  

A educação no candomblé é completa, pois se ensina os cuidados com o corpo, a higiene, ao levantar, tomar a benção aos mais velhos, saber escutar e aprender com os mais velhos por meio da oralidade, criar vínculos com a natureza, saber se comportar nos mais diversos ambientes, pois saber que a todo o momentos estamos sendo observados e protegidos pela energia dos orixás. (Mauricio dos Reis, ogan - entrevista concedida a esta pesquisa no dia 08/05/2014)

O candomblé se configura como um centro formador de conhecimentos, no qual os sujeitos envolvidos nesse processo são motivacionados a experimentarem outras formas de aprendizado sobre um outro olhar, por meio de uma pedagogia que privilegia a fala e sobretudo a  vida comunitária com os demais membros. Irradiador de uma pedagogia social constituindo uma base teórica para a prática de uma Educação Popular, estratégia de educação que valoriza as realidades culturais e os saberes prévios do povo.

Para Paulo Freire (1980) a Educação Popular estimula o diálogo e a participação comunitária o que possibilita uma melhor leitura da realidade social, política e econômica, uma educação que visa à formação do sujeito com conhecimento e consciência cidadã. A principal característica da Educação Popular é usar o saber da comunidade como substancia básica para o ensino, o processo-ensino-aprendizagem é visto como ato de conhecimento e transformação social, sob uma perspectiva política.

Durante algum tempo esses adeptos com formação acadêmica estavam inseridos em um perfil de preponderância branca, homens adultos e que vinham de fora do terreiro para pesquisar sobre o mesmo e alí encontravam sua escolha religiosa, fazendo assim e a partir desse momento parte do candomblé como, Ogan, filho de santo e até pai de santo como ocorreu com Nina Rodrigues, Jorge Amado, Pierre Verger entre outros.

Segundo o pai de santo Rychelmy Imbiriba os adeptos e iniciados com formação superior, criados em casa de axé e que receberam toda a essência da religião tem um respaldo maior e melhor para falar/escrever sobre o candomblé.

...a gente tem um embasamento que é importante, porque a gente enfrenta preconceito da intolerância religiosa, enfrenta ... e a gente quando tem pessoas preparadas pra falar nisso, preparadas não só no nível espiritual, como no nível acadêmico, no nível de ser embasado em teorias a gente consegue ter um crescimento muito maior, a gente consegue deixar as pessoas em sobre guarda. (Rychelmy Imbiriba, pai de santo – entrevista concedida a esta pesquisa no dia 23/05/2014)

Ele também relata que esse novo panorama de candomblecistas criados na casa com ensino superior escrevendo sobre seu espaço promove uma reciprocidade e uma resistência cultural.

As pessoas se fechavam, hoje não, se você falar mal as pessoas vão pro senado, vão se mobilizar pra fazer uma reunião do que tá falando e já se fecham, como o rapaz que falou que candomblé e umbanda não eram religiões e hoje teve que se retratar porque houve uma mobilidade enorme e ele teve que se retratar, a gente sabe hoje que o negoço é mais embaixo, as pessoas precisam ter cuidado no que falam, precisam ter uma postura no axé e fora do axé, como tratam o axé ...existe toda uma preparada pra poder falar. (Rychelmy Imbiriba, pai de santo – entrevista concedida a esta pesquisa o dia 23/05/2014)

Se não fosse os evangélicos, suas agressões fez a gente buscar, mudar, ocupar um espaço político, buscar uma melhora para a religião. (Alagi de Oxaguian, pai de santo – entrevista concedia a esta pesquisa no dia 17/05/2014)

Os entrevistados em questão relataram sobre a influência da religião, o candomblé, pela busca do ensino superior em suas vidas, de que forma isso foi trabalhado neles, de forma imposta ou natural.

Eu acredito que seja de uma forma natural, minha mãe de santo ela teve dois cursos, não vive financeiramente de candomblé, não depende de jogar búzios, de fazer obrigação, mãe costuma dizer que não tem cliente, que tem filhos de santo e alguns “pacientes” que ela cuida por um tempo e essas pessoas vão embora e por ela ser assim, naturalmente ela vai incentivando pra que todos procurem estudar mesmo com os mais novos. Todo mundo do terreiro, a grande maioria é da área de educação, não é só a mãe de santo, os mais velhos, eu sou uma das pessoas mais velhas do terreiro e aí somos da área de educação ...tipo, quando entrei e eu tava na faculdade, algumas pessoas que tavam chegando e não tava ainda na faculdade, estava recebendo esse movimento de empolgação  de quem já tava lá e que tava nessa linha, nessa vibe. (Julia do Couto, filha de santo – entrevista concedia a esta pesquisa no dia 14/05/2014)

O povo de candomblé, em sua maioria, já tem a consciência de que o caminho para a continuidade, para a sobrevivência é a qualificação e a ocupação dos espaços, historicamente negados a eles. O caminho mais consistente, de maior visibilidade e mais reconhecido, apesar de mais árduo é a academia. (Andrea Montenegro, ekede - entrevista concedida a esta pesquisa no dia 08/05/2014)

Acredito que a contribuição do candomblé vai muito além somente da formação acadêmica, pois se não fosse o candomblé a identidade negra, a referência da ancestralidade, seria somente da escravidão. Os espaços de terreiros são sagrados e onde a população que ali se encontra, principalmente a população negra recebe todo um apoio e reconhecimento da comunidade, independente da posição social, o cargo que ocupa, a situação financeira, a orientação sexual. Considero que o candomblé é uma religião complexa e completa, por isso, tanta resistência e o preconceito, pois àqueles que mais combatem por meio do preconceito e intolerância religiosa, conhecem a potencialidade que é o Candomblé, por tratar de elementos presentes na vida das pessoas e a transmissão da energia de forma muito presente. (Mauricio dos Reis, ogan - entrevista concedida a esta pesquisa no dia 08/05/2014)

É pela educação que o homem se instrumentaliza em busca de uma emancipação política e também, porém em última instância, de uma emancipação humana, por meio de uma formação que esteja direcionada para questões relacionadas ao ser humano e sua integralidade no caráter político, econômico, social, cultural, moral, e ético.

Este processo educativo não está restrito a um tipo apenas de educação, sendo bem difundido pelos meios não formais, que possibilita diferentes aprendizagens, são fortalecidas pelas ações culturais, as quais perpassam o contexto do indivíduo e sua relação com o mesmo. Segundo Gohn (2006) a educação não formal acontece de um compartilhamento de experiências, em espaços e ações coletivas.

Por meio de ações educacionais e culturais pode ser promovido o empoderamento. O processo de empoderamento, neste sentido, como diz Meirelles e Ingrassia vem para “fornecer subsídios para que estes possam ultrapassar os limites da consciência ingênua, tornando-se cidadãos críticos e conscientes de sua posição enquanto indivíduo histórico, situado”. (2006, p. 3) 

O empoderamento aponta a obtenção de informações adequadas, uma tomada de consciência com relação a sua posição atual, com uma clara formulação das mudanças desejadas e da condição social a ser construída, uma mudança de atitude que impulsiona a instituição, grupo ou pessoa para a prática, abandonando assim uma antiga postura receptiva e ou reativa. Como verbo intransitivo, porque o empoderar nessa classificação a pessoa ganha influencia e controle sobre sua própria vida, auxilia os outros a desenvolver habilidades para que possa obter poder por seus próprios esforços.

...eu incentivo meu filho a trabalhar a se formar e daqui a pouco ele ta com um problema la vai vim tudo pra dentro, porque se a gente não trabalha não tem formação aí eu vou ter que segurar essa bomba então que e que eu tenho que fazer a minha obrigação ta incentivando o crescimento, ta incentivando essas coisas porque eu sei que vai ser algo bom não só pra pessoa mas pro Ebé, eu acho que a pessoa que trabalha ela traz coisas boas, traz boas experiências, retorno financeiro, existe uma reciprocidade, tem que ter esse empurrão. (Rychelmy Imbiriba, pai de santo – entrevista concedida a esta pesquisa no dia 23/05/2014)

Os cidadãos empoderados (confiantes, solidários e recíprocos) possibilitarão a formação e eficiência da comunidade política por meio da participação popular (CONTRERAS, 2012, p. 6). Nessa perspectiva o empoderamento pode ser concebido como um afloramento de uma ação social no qual os indivíduos tomam propriedade de suas próprias vidas pela interação com outros indivíduos, concebendo um pensamento critico com relação à realidade, o que favorece a construção da capacidade social e pessoal e possibilita as transformações de relações sociais de poder.  

Considerações finais

Os saberes se ligam e acabam construindo uma grande teia com o social, o político, o cultural, o afetivo e o histórico, proporcionando uma identidade própria preservada pela perduração de seus costumes e de suas tradições, com o passar dos tempos, pelos mais velhos aos mais novos. Nessas relações está à educação não se faz apenas nos espaços escolares, mas também acontece nos processos de trabalho, de organizações políticas e culturais.

O candomblé possui uma práxis socioeducativa, nele emergem inúmeros saberes, experiências e metodologias e os laços significativos criados nos terreiros possibilita uma dimensão mais ampla da religião. Há uma conexão entre educação e instituição cultural e social centralizado sobre uma perspectiva de transformação da realidade social, conscientizando sobre seu papel no mundo, incutindo assim uma atitude mais crítica capaz de provocar mudanças.

Refletir sobre a percepção dos entrevistados acerca da influência do candomblé, espaço social, na formação acadêmica de seus adeptos, permitiu um olhar novo que essa instância assume perante aos candomblecistas. Uma atitude realmente social, como esse convívio cria condições necessárias para o desenvolvimento de valores que contribuem para o processo identitário de cada indivíduo, e como cada individualidade pode contribuir para a realização da sociedade.

Na pesquisa é perceptível o reconhecimento dos entrevistados com relação à importância do candomblé em suas vidas, como o cotidiano no terreiro proporciona para estes uma gama de vivências, contribui para que sejam protagonistas da sua história, como a interação existente e diversificada faz com que seja proporcionada uma educação dialógica, uma educação para a emancipação, concebida, conforme Freire, como ação cultural para a libertação, podendo constituir em instrumento valioso em projetos e ações direcionados ao empoderamento dos sujeitos.  

 

 

 

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[1]Professora de História. Graduada em bacharelado e licenciatura em História com Habilitação em Patrimônio Cultural pela UCSAL (2009). Pós graduanda em Metodologia do Ensino Superior pela Fundação Visconde de Cairu (2014).