Resumo

O trabalho aborda a inserção dos alunos do Serviço Social e das Ciências Sociais numa unidade prisional. Aponta as possibilidades e desafios com os quais os mesmos podem deparar-se quando se propõe a estagiar numa instituição total. Atrela os principais ordenamentos jurídicos que os alunos devem dominar e as principais diretrizes de estagio respaldadas nas entidades fiscalizadoras.
Palavras chaves: prisão, serviço social, ciências sociais, estágio

Introdução

Campo Estratégico de conhecimento é o projeto da Penitenciaria Lemos Brito situada no complexo de Gericinó- Bangu no Rio de Janeiro aos alunos de Serviço Social de diversas escolas e de Ciências Sociais da disciplina de sociologia penitenciaria da Universidade Federal Fluminense implantado na unidade prisional desde 2006, sob orientação de três grandes diretrizes de estágio: da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa do Serviço Social; da Secretaria de Administração Penitenciaria e da Universidade Federal Fluminense.
Outro elemento importante que podemos apontar é que os estagiários que pretendam atuar neste ambiente devem impreterivelmente considerar e distinguir os seus sujeitos, atores, cenários, bastidores, relações de força e, sobretudo, como estes elementos se relacionam com a estrutura social e econômica do país.

Desenvolvimento

As primeiras diretrizes da ABEPSS afirma que a associação exige um perfil profissional no qual esteja presente uma formação intelectual e cultural generalista crítica, necessária para a uma inserção propositiva no conjunto das relações sociais e no mercado de trabalho, propõe um estágio de qualidade, uma formação teórica e uma formação intelectual e cultural.
Aponta também para um Serviço Social mediado pelo projeto hegemônico, que resulte em ganhos para os diferentes segmentos de trabalhadores, isso leva a uma formação teórico-crítica que coloque possibilidades concretas de respostas àquelas demandas.
A segunda diretriz que apontamos é da política de estágio supervisionado da coordenação de inserção social da Secretaria de Administração Penitenciaria do Rio de Janeiro que aponta a importância de incentivar ações que tenham impacto social para fortalecer a cidadania da população carcerária. Estas ações devem contribuir para o aumento da auto-estima desta população e isto ocorrerá através de estudo e trabalho, fatores imprescindíveis para a reinserção social. A admissão de um estudante na qualidade de estagiário na Secretaria de Administração Penitenciaria do Rio de Janeiro requer a existência de instrumento jurídico entre a instituição de ensino e a concedente de estágio que visa estabelecer acordos para realização do estágio. Os acordos asseguram pagamento de seguro de vida obrigatório para os estagiários. Quando o estagio não é remunerado, este seguro é assumido pela universidade .
A importância do estágio de sociologia no ambiente prisional se justifica na medida em que percebemos a complexidade da problematização, do atual sistema carcerário brasileiro. O "renomado jurista e estudioso do sistema penitenciário no Brasil, Augusto Thompson, afirmou:".
A cadeia não é uma miniatura da sociedade livre, mas um sistema peculiar". Assim, considerando a realidade sui generis do sistema penitenciário, a análise sociológica, em detrimento de uma tradição criminológica de ver a instituição como ela se encontra, se propõe conceitos e pressupostos utilizados na análise desta realidade, em articulação. Devem ser construídos especificamente para este fim, não usando como parâmetro o sistema social da "sociedade livre". Para entender o funcionamento do sistema social no meio prisional não basta analisar as relações objetivas ou aparentes dos indivíduos nele inseridos, é preciso ir para além do que a realidade nos mostra, através da reconstrução de todo o conjunto de relações ? objetivas e subjetivas- que os cerca. Para tal propósito o estágio conta com um conjunto de instrumentos de pesquisa, qualitativos e quantitativos, oferecidos pelas ciências sociais. Ainda segundo Thompson, "numa perspectiva sociológica o que importa é pesquisar e descrever a penitenciaria como um sistema social em operação despido esse estudo de qualquer conotação axiológica"
Enfim, com estas diretrizes expostas que o projeto Campo Estratégico de Estágio do Serviço Social da Penitenciaria Lemos Brito esta trazendo grandes resultados. Esta interação trás benefícios entre as duas ciências que são: inter-relação entre as duas, a aproximação das duas e a relações sociais entre os alunos.
Devemos também afirmar que os principais instrumentos jurídicos que estão na esfera da execução e do cumprimento da pena por parte do Estado e do preso são: a Constituição de 1988; o Código Penal vigente; A Lei de Execução Penal; O Regulamento Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro. Deste modo, todos os estagiários, assim como os demais profissionais lotados numa penitenciária, devem pautar suas condutas nas normas que definem o que pode e o que não pode e o que deve ser realizado por ocasião do cumprimento da pena de prisão, não só por parte do preso, mas, sobretudo, por parte dos atores institucionais e pelo próprio Estado.
Os procedimentos sobre a custódia dos presos numa penitenciária estão expressos de forma prática na Lei de Execução Penal, nas resoluções e Portarias publicadas pela Secretaria de Administração Penitenciária ou pelo diretor da unidade prisional, que avocam todo o complexo das principais regras que delimitam e jurisdicionalizam a execução das medidas socializadores.
A Constituição de 1988 é à base de todo ordenamento jurídico vigente no Brasil. Nenhuma Lei esta acima dela, assim como nenhuma Lei pode dissonar dela. Em seu artigo 5º, estão expressos os direitos e as garantias fundamentais individuais e coletivas. Não obstante, ela não faz menção exclusiva aos direitos dos presos. Os mesmos são apenas aludidos no Código Penal, em seu artigo 38, a saber: "O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito a sua integridade física e moral".
Embora o Código Penal vigente seja um dos principais instrumentos jurídicos na esfera penal, ele não define quais são os direitos dos presos, mas assinalam que os mesmos são todos aqueles que a pena imposta não atingir. Estes direitos e deveres estão apresentados, exclusivamente, na Lei de Execução Penal. Esta lei possui dois objetivos: o primeiro diz respeito ao efetivo cumprimento da pena imposta ao perpetrador do delito; o segundo objetivo é o de proporcionar as condições necessárias para a harmônica integração social do condenado e do internado "(Art.1 da Lei nº 7.210)
Desta forma, esta lei normatiza a execução penal no que se refere às obrigações do estado enquanto instituição executora da pena e dos presos, enquanto sentenciados, sujeitos de direitos e deveres, bem como cumpridores da pena. Nesta direção, ela regulamenta o sistema penitenciário; os seus diversos regimes (fechado, semi-aberto); a classificação dos condenados; a assistência ao preso; a forma como o preso pode trabalhar dentro da unidade penal; os seus deveres e direitos, bem como, a disciplina dentro dos estabelecimentos penais e as possíveis sansões aplicadas por motivos de descumprimento de regras e normas.
O Regimento Penitenciário do Rio de Janeiro nada mais é do que um instrumento jurídico utilizado na execução da pena. Contem as adaptações da Lei de Execuções Penais, servindo como norte e estimulo para uma nova ordem capaz de modificar substancialmente o perfil do penitenciarismo e contribuir, assim, para a efetiva ressocialização dos apenados.
A nova regra acima citada dizem respeito às Regras mínimas no tratamento dos presos que cumprem pena em regime fechado. Essas Regras Mínimas prevêem o que deve ser indispensável no trato físico, mental emocional do preso.Da mesma forma, sugerem as condições mínimas da estrutura dos prédios prisionais.Assim, visa contemplar os princípios fundamentais a humanização .
Como podemos observar, o Sistema Penitenciário possui um conjunto de ordenamentos jurídicos que são a base para o desenvolvimento das atividades dentro de uma penitenciária.
O ambiente prisional, apesar de não ser desejável enquanto instancia de convívio, até mesmo porque quase sempre os presos são alojados em cubículos sem condições saudáveis de sobrevivência, é objeto da curiosidade de grande parte da população talvez o motivo desta "curiosidade" seja o fato de que a prisão é um ambiente fechado ao mundo externo e por ser um local onde convivem os indivíduos que cometeram crimes que muitas vezes tiveram ampla repercussão na sociedade.
Sendo assim, a fim de suprir a lacuna que a qual a prisão automaticamente remete e compartilhar com os futuros estagiários de Serviço Social e Ciências Sociais que pretendam realizar os seus estágios supervisionados numa unidade penal, assim vemos o quanto é importante a relação dessas duas ciências.
Como o Serviço Social é uma profissão de caráter eminentemente interventivo e a sociologia tem como propósito preparar profissionais capazes de realizar uma analise crítica e reflexiva da realidade que o cerca, recortando, através de uma objetiva verificação cientifica, a relação de causa e efeito dos fenômenos sociais, a integração do estudante de sociologia com os estudantes de serviço social possibilitam uma produtiva troca de informações entre as mesmas, traduzindo-se, futuramente, numa análise inter e multidisciplinar da realidade do sistema penitenciário.
O Projeto Campo Estratégico de Estágio ocorre sob supervisão técnica do assistente social da unidade prisional e da supervisão acadêmica vinculada instituição de ensino, seja da escola de serviço social ou da escola de ciências sociais.
São três os protagonistas que interagem no processo: aluno/estagiário, assistente social/supervisor técnico e professor/supervisor pedagógico. Para operacionalização do estágio há que se considerar a participação destes três sujeitos, com seus respectivos papéis e funções, cuja interação deve ser dar na direção de um processo construtivo da supervisão e do estágio. O aluno, nessa tríade, estabelece o vínculo entre a instituição e a universidade. Se isolarmos um desses atores do processo, certamente haverá uma ruptura prejudicada a relação de interdependência e cooperação para o sucesso do estágio.
Ressaltamos duas questões que trabalhamos: importância de um relacionamento correto, do ponto vista ético e profissional entre esses três atores e o planejamento do estágio do ponto de vista pedagógico e da ação profissional, é o ato primordial desse processo.
Do ponto de vista da supervisão ela passa ser a matriz de uma identidade profissional, segundo Estevão que diz "Supervisão em serviço social pode ser considerada como o processo de formação da matriz de identidade profissional".
Em relação ao estagio supervisionado e o planejamento é uma relação fundamental porque, quando planejado, as diretrizes da ação do estagiário são definidas com clareza; tanto para o supervisor técnico quanto o supervisor acadêmico tem consciência daquilo que podem esperar do aluno, alem do suporte que devem dar nas supervisões.
O risco de cair no "ativismo"; isto é, na mera execução de tarefas diárias sem uma compreensão maior do "por que" e "para que" do estágio e das atividades concernentes, fica bastante reduzido.
Não podemos deixar de ressaltar a postura que os estagiários devem ter uma postura crítica ,para Gramsci (1984), representa atuar com coerência, ou seja, um crítico só pode ser coerente na medida em que o mesmo conheça a história concreta e os cenários que envolvam a vida dos usuários de seus serviços.
Nessa direção, os estagiários não poderam ser ingênuos, sofrendo as dissimulações que alguns presos possam praticar, mas, também, o mesmo não pode culpar contumazmente os presos por suas condições inferiorizadas socialmente, uma vez que estas condições são previamente dadas e que muitas vezes são condições desfavoráveis a formação de um ser social cidadão.
Não podemos deixar de dizer que o estagiário deve ser um bom observador. A observação é um dos grandes instrumentais que os acadêmicos necessitam para apreender a realidade.
Espera-se que os estagiários tenham uma postura ética. Como já foi dito no trabalho, a penitenciária por ser um ambiente fechado, causa na população uma curiosidade muito grande. Assim, quase sempre os estagiários são questionados sobre a conduta de algum preso, principalmente os que tiveram repercussão na perpetração de seu delito. Desta forma, os estagiários devem ter um posicionamento ético quando for questionado sobre os presos reclusos. Não pode simplesmente comentar acontecimentos internos sem perceber os desdobramentos que isso possa causar.
Assim, sendo, os estagiários devem contribuir com o campo de estagio, embora sempre com cautela, pois o estagiário, por mais bem intencionado que esteja, é sempre um corpo estranho dentro de um campo de estagio, principalmente em uma unidade prisional.
Não podemos deixar de ressaltar que o instrumento fundamental que direciona o estágio, que orienta todo o processo, é o plano de estágio, para o qual alguns princípios são importantes de ser considerado:
O primeiro principio é o plano deve ser elaborado logo no início do estágio pelo supervisor técnico e supervisor acadêmico, com a participação do estagiário.
O segundo princípio deve ter duas grandes frentes, os pedagógicos voltados para o aluno; para os conhecimentos mínimos que ele deve alcançar naquele período de estágio, dentro do processo de formação profissional; os definidos no projeto específicos onde o estagiário irá atuar, em função da realidade onde ocorrerá a intervenção. São os objetivos voltados para a ação profissional. Importante ressaltar que os princípios se entrelaçam, pois se complementam à medida que viabiliza o atendimento tanto a finalidade da formação profissional do aluno, quanto do atendimento adequado ao preso.
Portanto o plano de estágio não é um plano comum, o estágio requer um planejamento especifico, no sentido de garantir o alcance dos objetivos ali presentes.
Em relação aos resultados encontrados nos estágios de serviço social e sociologia podemos afirmar do levantamento realizado sobre as ações realizadas nesses três anos do Projeto Campo Estratégico de Conhecimento no setor de serviço social, através de uma supervisão acadêmica e de campo que orienta sobre as atividades do estagio, acompanha os alunos nas suas atividades diárias na unidade e na elaboração dos relatórios referentes às analises complexas que se desenvolvem entre todas as partes constituintes do sistema carcerário e no reconhecimento da articulação entre os elementos éticos - políticos e teóricos que permitirão a construção de um conhecimento e de uma postura política e profissional que correspondam às exigências da realidade prisional.
Como resultado podemos apontar que com os alunos de ciências sociais:
Realizamos duas pesquisas, uma foi com o regime fechado onde atingimos um total de 600 presos, a outra foi no regime semi-aberto onde atingimos um total de 250 presos. Estas pesquisas tiveram como objetivo traçar o perfil desses apenados para subsidiar projetos sociais da unidade prisional. Com estas pesquisas, começamos o ano de 2008 com três projetos de intervenção, o "Resgate a cidadania", Resgatando os laços familiares "e Reflexões sobre Livramento Condicional, estes projetos estão atingindo aproximadamente 400 presos.
Com os alunos de serviço social:
Desenvolvemos dois projetos de intervenção, o projeto de cultura atingiu 50 presos, onde realizamos 20 encontros focais; o outro foi grupo com presos que iram receber a progressão de regime, com o objetivo de conscientizá-los da importância da liberdade, atingimos um total de aproximadamente 350 presos no ano de 2009.
Outro resultado obtido foi à elaboração de seis monografias oriundas dos projetos desenvolvidos.

Considerações Finais

Este projeto de estagio trouxe modificações na relação unidade prisional/ universidade, promovendo a formação profissional competente, teórica, política e técnica. Com o acompanhamento semanal do supervisor acadêmico e de campo, substanciou-se a pratica e a formação profissional imprimindo, nessa ação conjunta, a atitude investigativa com estudo e debates sobre questões do sistema prisional. Recompôs-se o processo de formação profissional na unidade prisional, como espaço de produção de conhecimentos de intervenção e pesquisa considerando, na formação do aluno de serviço social e ciências sociais, as perspectivas cognitivas, crítico-contextual e operativa.
Por fim, os desafios dirigidos aos estagiários de Serviço Social e Ciências Sociais quando adentram no ambiente prisional estão sempre voltados para a sensibilização dos atores institucionais da importância de colaborar com o preso na construção de um novo projeto de vida. Nesta mesma direção, esta sensibilização também passa a ser dirigida e dividida, principalmente com os próprios presos que precisam acreditar na importância de se tornarem protagonistas de suas próprias histórias.
Sendo assim, os estagiários que pretendam adentrar no ambiente prisional, deve sempre ter em mente que este estagio requer compromisso ético-politico com esta camada da população, e, por conseguinte, com a própria sociedade.

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