Caminhos da Psicopatologia: Uma vertente psicanalítica -- ótica lacaniana

A finalidade desta abordagem é enfocar a psicopatologia sem a subjetividade dos juízos de valor... A psicopatologia psicanalítica é resultante dos produtos do fracasso da repressão psíquica. O status da teoria psicanalítica é o reconhecimento, a priori, de uma instância psíquica INCONSCIENTE... "Trago, por ilusão, meu Ser comigo. Nada sou nada posso nada sigo... "Não compreendo compreender, nem sei se hei de ser, sendo nada, o que serei (Fernando Pessoa)". Na escrita freudiana todo SINTOMA (psicopatológico) se constitui num enigma (se assim não fosse... ele não seria psicopatológico!). A origem dos distúrbios psíquicos reside na dialética do Complexo de Édipo X Medo da Castração. Portanto, o discurso psicanalítico funda uma economia libidinal... O fato primário é o de que as vicissitudes infantis, não-equacionadas, precipitam e inauguram a psicopatologia --- e esta ocorre, etiologicamente, na esfera sexual. O complexo de Édipo aparece como um fenômeno central no desenvolvimento sexual infantil. O ponto culminante é alcançado aos cinco anos de idade... Em linhas gerais, a criança possui desejos incestuosos para com o seu genitor do sexo oposto, e sente ciúmes do genitor do seu próprio sexo! A criança também enfrenta o dilema da diferença sexual (anatômica) atribuindo o caráter ativo aos possuidores de pênis, vez que é outorgado o papel passivo aos que não o tenham... Neste sentido, o feminino vem a ser sinônimo de FALTA --- percebida como Castração! Neste drama existencial a superação bem-sucedida desta charada lógico-simbólica (o mito edipiano), encaminha a criança para um desenvolvimento emocional saudável --- registre-se que na teoria freudiana, o conceito de normalidade mental está imbricado no binômio: sexual X emocional! As vicissitudes e os fracassos nesta esfera (sexual) geram RECALQUES... Que produzem SINTOMAS!
O sintoma é sinal e substituto de uma satisfação pulsional que não se realizou... O sintoma é o resultado de um RECALQUE... A PULSÃO é um conceito-limite entre o psíquico e o somático... É um representante dos estímulos procedentes do interior do corpo... Uma pulsão não pode jamais se tornar "objeto da consciência". O que pode é a representação... Que a representa (a pulsão). O conflito mental na perspectiva psicanalítica é a expressão figurada daquilo que foi recalcado --- censurado --- bloqueado em sua expressão... Original! Esta não-equação contém um significante (criptografado) a ser "re-significado" no REAL, transpondo a censura (inconsciente) que gerou o SINTOMA --- e este, o SINTOMA, produzido que fora no núcleo mental patógeno é um dos precursores da psicopatologia (psicanalítica). O sintoma é uma saída de saúde mental... É uma rota precária, mas, a única que pode garantir certa ordem psíquica do Sujeito... Então, o que é o Sujeito?
É, exatamente, o que o SINTOMA oculta... O sintoma se constitui porque não havia maneira do sujeito sobreviver diante de uma representação psíquica... Insuportável para ele! Persistindo. O que seria o sintoma, epistemologicamente, falando?
A FALTA de um simbólico para amarrar o Real e o Imaginário... Ampliando. A ausência de um simbólico adequado para tentar apaziguar o impossível (o recalcado) do Real. Enquanto o simbólico não emerge, o sintoma ganha tempo para que o sujeito (embora sofrendo) consiga, assim mesmo, tocar a sua vida... Sobreviver! Entretanto, este compromisso custa caro... Seu preço? ANGÚSTIA!
E como resolver esta aporia?
Na cena psicanalítica, o psicanalista é eleito, arbitrariamente, pelo paciente como o sujeito-suposto-saber... O paciente deduz que o psicanalista detém um Saber sobre ele (o paciente) que porá fim aos seus conflitos e angústias... Todo o processo psicanalítico visa solapar, desmitificar este suposto Saber do psicanalista sobre o paciente. O psicanalista desconhece os motivos (inconscientes) que deram origem à problemática do paciente. Se o psicanalista tentar resolver a psicopatologia do paciente, a partir de si mesmo, estará projetando no paciente os seus próprios conteúdos mentais, criando um universo psicológico fictício, alheio à realidade psíquica do paciente. O conflito mental tem que ser solucionado no próprio meio ambiente em que foi criado: a psique do paciente (reduto de sua psicopatologia). Fica evidente que a posição do psicanalista é destituída de qualquer Poder... O sobre-determinismo do inconsciente do paciente sobre o psicanalista, deixa-o um sujeito sem defesa, vulnerável...
O psicanalista dispõe para o paciente de um setting (espaço vivencial-experimental... terapêutico) onde a psicopatologia do paciente poderá se manifestar sem censura, classificação ou juízo. O paciente quer ser acolhido na diferença que reivindica...
A psicanálise emprega a sua base teórica e o seu instrumental técnico para empreender uma jornada em busca da verdade do inconsciente (do paciente). Esta Verdade está fora do alcance do psicanalista, e só o inconsciente (do paciente) pode revelar... Para o próprio paciente!
O psicanalista não sabe o que resulta a Cura... Só sabe que ela pode acontecer... A remissão dos sintomas (sem recidivas) pode ser interpretada (pelo paciente) como cura. Ainda assim, nunca haverá garantias definitivas... O psicanalista sabe apenas o que o paciente lhe disse... Para além, do que lhe foi dito... Ele não sabe nada!
O psicanalista pode e tem o direito humano de entender e aceitar como um ganho terapêutico muito significativo, a dotação para o paciente de uma relativa autonomia emocional para que ele (o paciente) possa redimensionar o seu universo psíquico em bases menos sofridas, mais positivas, presentificando sua identidade na sua realidade atual!
A psicanálise não é utópica... Ela é tópica!
Acredita-se, consensualmente, que a pessoa conhecendo-se melhor, possa fazer escolhas mais autênticas, atenuando e minimizando as influências negativas, primais, infantis, originadas de seu turbulento passado emocional-existencial. Em benefício da "lógica dos fatos", torna-se óbvio constatar que a psicanálise resiste há mais de um século, em que pese todas as controvérsias...

Reinaldo Müller