INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho pretende fazer uma análise criminológica de sobre o tema bullying, focando a atenção sobre um de seus elementos, o agressor, e sobre um dos ambientes onde ocorre essa prática, a escola. A análise, nesse sentido, parte do pressuposto de que o bullying é um fenômeno social, atendendo ao que dizem as Teorias Macrossociológicas da Criminologia, sendo ao mesmo tempo fruto e uma característica da sociedade moderna. Essa visão é sustentada por várias dessas teorias, especialmente as Teorias do Conflito que entendem que a coesão social é fundada na força e na coerção, na dominação de alguns e na sujeição de outros.

Pretende-se analisar as causas do bullying dentro da escola, estabelecendo fatores determinísticos para a ocorrência desse crime. Assim o primeiro tópico do trabalho versará sobre aspectos gerais do bullying, conceituando, detalhando seus tipos e principais consequências. Em seguida a análise da figura do agressor, os motivos que o levam a essa condição e as suas características. Assim, se faz necessária uma análise do ambiente onde esse agressor age, a escola, no sentido de definir quais fatores esse ambiente proporciona para a prática do bullying. Por fim, considerações a respeito do papel desempenhado pela criminologia a respeito dessa prática tão corriqueira na sociedade, mais precisamente no âmbito escolar.

1. ASPECTOS GERAIS DO TEMA BULLYING

 

Bullying é uma palavra de origem inglesa sem tradução exata para o português. Compreende todas as atitudes agressivas, intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais indivíduos contra outro(s), causando angústia e dor, sendo executado dentro de uma relação desigual de poder. (FANTE, 2005, p.27). No caso do universo infanto-juvenil não se trata de brincadeiras, que são próprias da infância, mas de casos de violência. No ambiente escolar as agressões podem ocorrer: nas salas de aula, corredores, pátios; mas também nos seus arredores.

Como diferenciar o bullying de uma simples brincadeira? Segundo o pesquisador Dan Olweus (apud CALHAU, 2011, p. 7-8), da Universidade de Bergen, Noruega, os critérios a serem verificados são: ações repetitivas contra a mesma vítima num período prolongado de tempo; desequilíbrio de poder; impossibilidade de defesa da vítima; ausência de motivos que justifiquem os ataques. Acrescenta ainda que devem ser considerados os sentimentos negativos mobilizados e as sequelas emocionais vivenciadas pelas vítimas de bullying. Já para o professor Gabriel Chalita (apud CALHAU, 2011, p.8), o bullying é a negação da amizade, do cuidado, do respeito.

Os personagens do bullying são: vítimas, espectadores passivos, vítimas-agressoras e agressores. Geralmente as vítimas não precisam fazer nada para ser eleitas. Suas características físicas e comportamentais, normalmente mais introvertido, introspecto tornam-se critérios para alguém se tornar uma vítima. Os espectadores passivos são aqueles que observam a prática e não fazem nada. E as vítimas-agressoras são as pessoas que já sofreram ou sofrem bullying e ao “aprender com a dor” passam a reproduzir o comportamento do agressor. Esse último personagem será analisado mais adiante em nosso trabalho.

 A prática do bullying fere vários dispositivos do artigo 5º da Constituição Federal, que trata de direitos e garantias individuais:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...] XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;” [...]

Nesse sentido o bullying escolar merece atenção especialmente pelas suas conseqüências em longo prazo, como tem sido noticiado nos últimos anos ao redor do mundo, massacres realizados por vítimas que se tornaram agressores.

2. O AGRESSOR

 

Bullying é uma prática que sempre existiu, mas que despertou a atenção da sociedade acadêmica a partir dos anos 1970, na Suécia e, em 2000, no Brasil (FANTE, 2005) como um fenômeno social que ocorre especialmente em áreas urbanas, sendo considerado um conjunto de fatores tanto ambientais quanto psicológicos determinantes para a sua prática. A partir do entendimento de que o bullying pode ser forma de calúnia e difamação e/ou de lesão corporal, ou seja, crimes — no caso do Brasil previstos no Código Penal (artigos 138, 139 e 129 respectivamente) —, a Moderna Criminologia se debruça para compreender tal fenômeno, com base no que propõem as Teorias Macrossociológicas que ponderam o ambiente como fator determinante para a prática de crimes.

Lélio Braga Calhau (2011) diz que os participantes do bullying se dividem em quatro grupos: agressores, vítimas, espectadores passivos e vítimas-agressoras. Porém, o nosso trabalho isola a figura do agressor para analisá-lo, contextualizá-lo no ambiente escolar. Cleo Fante diz que o agressor é “aquele que vitimiza os mais fracos” (2005, p. 73). Segundo a pesquisadora esse indivíduo frequentemente é membro de família desestruturada, com pouco ou nenhum relacionamento afetivo. Os pais não o disciplinam da forma correta e muitas das vezes usam da agressividade ou violência para solucionar conflitos. Acrescenta que o agressor normalmente é mais forte fisicamente que seus pares.

Ele [o agressor] sente uma necessidade imperiosa de dominar e subjugar os outros, de se impor mediante o poder e a ameaça e de conseguir aquilo a que se propõe. Pode vangloriar-se de sua superioridade real ou imaginária sobre outros alunos. É mau-caráter, impulsivo, irrita-se facilmente e tem baixa resistência às frustrações. Custa a adaptar-se às normas; não aceita ser contrariado, não tolera os atrasos e pode tentar beneficiar-se de artimanhas na hora das avaliações. É considerado malvado, duro e mostra pouca simpatia para com suas vítimas. Adota condutas anti-sociais, incluindo o roubo, o vandalismo e o uso de álcool, além de se sentir atraído por más companhias. (FANTE, 2005, p. 73)        

Ou seja, o agressor é aquele que se destaca em uma relação de poder, ou melhor, aquele que detém poder dentro de uma relação e que o usa para subjugar o outro com violência — “todo ato, praticado de forma consciente ou inconsciente, que fere, magoa, constrange ou causa dano a qualquer membro da espécie humana” (FANTE, 2005, p. 157) — objetivando gozar de popularidade ou impor medo, que ele (o agressor) confunde com respeito, de um grupo.

Fante conclui que os fatores que contribuem para a agressividade do indivíduo têm origem em como ele lida com as experiências frustrantes:

... o comportamento agressivo surge como resultado de uma elaboração afetivo-cognitiva, fruto de experiências vivenciadas pelo indivíduo, que se torna motivadora de processos inconscientes capazes de atribuição de valores e ressignificação de conteúdos à realidade, originando condutas e sentimentos de ira que, uma vez estimulados, alimentam e sustentam a conduta agressiva, fugindo muitas vezes ao controle voluntário, por ter sido condicionado a utilizá-la como forma de resolução de conflitos e de satisfação de seus desejos de realização pessoal. (2005, p.167)

Os estudos de Max Weber sobre Ação Social facilitam o entendimento sobre a conduta do agressor ou do bully, haja vista que esse estudioso cria a chamada sociologia compreensiva, na qual busca entender o que leva um indivíduo a praticar determinada conduta na sociedade. Para Weber (apud QUINTANEIRO, 2009, p. 102) a Ação Social é aquela ação realizada por um indivíduo com o objetivo de obter uma reação de quem sofre a ação, sem que o indivíduo que sofre a ação compartilhe o interesse do agente. À sociologia caberia compreender as causas da ação. Weber classifica as ações sociais em quatro tipos: ação social racional com relação aos fins, ação social racional com relação aos valores, ação social afetiva e ação social tradicional. A Ação Social Racional com Relação aos Fins é aquela ação que o agente comete racionalizando os meios para alcançar um determinado fim; a Ação Social Racional com Relação aos Valores é aquela ação em que a finalidade não orienta a ação, mas os valores do agente; a Ação Social Afetiva é a ação orientada pelas emoções; e a Ação Social Tradicional são as que tradições e costumes orientam as ações. Não sobeja lembrar que elas não são excludentes, ou seja, podem ocorrer concomitantemente embora se verifique a predominância de uma ou outra ao longo do tempo, como, por exemplo, a Ação Social com Relação aos Fins é o tipo de Ação que Weber considerou predominante ao estudar a Sociedade Capitalista.

Nesse sentido os tipos de Ação Social que predominam no comportamento do agressor/ bully, dependem do seu gênero. Lélio Braga Calhau (2011) levanta esta questão ao dizer que agressores costumam agir diferentemente das agressoras. Meninas, ao contrário dos meninos, normalmente agem de forma mais elaborada, racionalizam suas ações consequentemente os efeitos psicológicos sobre as vítimas são bem piores. Já os meninos agem mais com o emprego da força, em momentos de ira nos quais descontam suas frustrações ou desejam apenas a auto-afirmação. “As agressões praticadas por meninas, regra geral, não utilizam força física, mas são bem mais elaboradas, complexas, com grande potencial de dano moral e psicológico com muita dor para as vítimas” (CALHAU, 2011, p.51).

Assim, a Ação Social realizada pelas meninas costuma ser a Racional com relação aos fins, ou seja, racionalizam os meios, arquitetam planos com a finalidade de ferir moralmente outra pessoa. Enquanto meninos costumam agir guiados por suas emoções, normalmente raiva e frustração, ou que agem de forma racional, mas considerando os valores que carregam consigo como, por exemplo a falta de ética, egoísmo, entre outros. E, à medida que a prática do bullying se perpetua no espaço/tempo verificamos ações guiadas pela tradição como, por exemplo, os trotes universitários.

3. O AMBIENTE ESCOLAR

 

A escola constitui um instrumento informal de controle social, assim como a família. Lélio Braga Calhau (2011) considera que nos últimos anos houve uma sobrecarga dessa instituição com a família desestruturada “privatizando” o seu papel nesse controle social de modo a jogar para a escola toda a responsabilidade na educação das crianças. Cleo Fante (2005, p.168) diz que o bullying nas escolas tem sido o fenômeno social mais difícil de ser compreendido por envolver crianças de todas as idades e classes. No entanto elenca alguns fatores, tanto externos quanto internos à escola, para a ocorrência desse fenômeno.

Abramoway (apud FANTE, 2005, p. 168) diz que os fatores externos “referem-se a explicações de ordem socioeconômica, ao agravamento das exclusões sociais, raciais e de gênero, à perda de referencial entre jovens, ao surgimento de ‘galeras’, ‘gangues’, ‘tráfico de drogas’, desestruturação familiar, à perda de espaços de sociabilidade”.  Os fatores elencados por Fante são: o contexto social, meios de comunicação e a família.

Segundo Fante, a violência ou o seu aumento estão ligados às desigualdades sociais, à exclusão social decorrente do desemprego. Para as crianças e jovens essa exclusão é terrível, pois, uma vez excluídos, não teriam alternativa senão a da violência. Essa seria uma forma de mostrar à sociedade que fazem parte do mesmo contexto social. Nesse sentido, a falta de oportunidades de trabalho consideradas legais favorece a busca por alternativas ilegais, como o tráfico de drogas e armas.

O fenômeno bullying estimula a delinqüência, e induz a outras formas de violência. Os jovens muitas vezes, se envolvem em atos de violência ou contrários à lei por influência de grupos de amigos, situações que dificilmente ocorreriam, se o jovem fosse atuar de forma isolada. (CALHAU, 2008, p.7).

Os meios de comunicação de massa também são considerados pela autora como fator para o aumento da violência, pois a programação exibida, cada vez mais, incentivaria a sexualidade precoce, o uso da violência como única forma de resolução de problemas e de certa forma o despertar da admiração pela vilania. Para Mariz de Oliveira, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (apud FANTE, 2005, p. 172) “a televisão enfraquece os meios inibitórios e com isso colabora para o aumento da criminalidade”.

A família é, por fim, o último fator elencado para aumentar a violência e, consequentemente, a ocorrência de bullying. Segundo Fante a relação afetiva entre pais e filho repercute na formação da personalidade do indivíduo. Diz ainda que um bom relacionamento afetivo fortalece a autoestima e a autoconfiança da criança. E que, uma postura contrária, influenciará o indivíduo, determinando seu desempenho social e sua capacidade de adaptação às normas de convivência, bem como sua habilidade de integração social. E completa: “portanto, as raízes do comportamento agressivo estão fincadas na infância, sendo o modelo de identificação familiar o elemento fundamental para a sua compreensão” (2005, p.175)

Sobre os fatores internos à escola para ocorrência do bullying, Cleo Fante elenca três categorias: o clima escolar, as relações interpessoais e a relação professor-aluno. Segundo K. Hurrelman (apud FANTE, 2005, p. 185-186)

O clima de agressividade e violência na escola manifesta-se pela predominante estrutura organizacional, burocraticamente rígida, que se propõe à interação e ao ensino. Essa proposta acaba se constituindo numa condição marginal-social decisiva para o desenvolvimento de problemas interpessoais, originados no anonimato dos contatos sociais e na insuficiente autoridade pessoal dos professores, podendo ceder espaços às dificuldades disciplinares especiais.

   

Além disso, a falta de infra-estrutura e de planejamento pedagógico constitui fatores preponderantes para a ineficiência das escolas brasileiras. Nesse sentido, esse clima proposto pela escola “recai sobre os alunos, desenvolvendo um conglomerado de sentimentos que se apresenta desde a apatia até a explosão de agressividade e violência, um despertar de sentimentos controvertidos que expressam em aborrecimento, ansiedade e insatisfação, ou seja, tédio.” (FANTE, 2005, p.187). Nesse sentido, a postura das escolas e suas condições causam nos alunos total desinteresse em frequentá-la, eles a tratam apenas como fonte de repressão.

Outro fator elencado diz respeito às relações interpessoais estabelecidas entre as pessoas. “A adaptação do aluno à escola depende, fundamentalmente, do tipo de relacionamento que estabelece com os professores e com os seus iguais” (FANTE, 2005, p. 190).  Destarte quando “essas relações não são adequadas a escola se transforma em fonte de estresse e inadaptação, resultando em conflitos interpessoais e em diversas formas de violência, comprometendo a qualidade do ensino-aprendizagem” (FANTE, 2005, p. 190).

 Por último a relação professor-aluno que se estabelece pela disputa de poder: enquanto o professor luta para controlar a classe, o aluno tenta colocar a competência desse professor em xeque com o objetivo de mostrar seu poder perante seus iguais. Nesse sentido os problemas de disciplina levam o professor à exaustão.

Ratificando, os fatores externos e internos ao ambiente escolar determinantes para o aumento da violência e a conseqüente formação do bully são: o contexto social lhe oferecendo mais oportunidades no campo da ilegalidade; a má influência dos meios de comunicação; a desestruturação e falta de preparo das famílias; a falta de estrutura física e pedagógica das escolas; as relações interpessoais com os pares e professores.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estas observações nos levam a repensar sobre atitudes que aos olhos de alguns não passam de uma simples brincadeira, que toda ação tem uma reação ou conseqüência seja ela em qual esfera for: Penal ou Civil. Deve-se através da Criminologia mapear e rastrear toda e qualquer forma de antijuridicidade para que possamos através do Direito harmonizar e apaziguar estes conflitos.

Assim, é missão da Criminologia fazer entender quais as consequências reais para quem sofre e/ou pratica este tipo de violência. Para isso, ela precisa usar de uma abordagem interdisciplinar, e se valer de conhecimento específico de outros setores como a sociologia, psicologia, biologia, psiquiatria, etc., para lançar um novo foco, com a busca de uma visão integrada sobre o fenômeno criminal que poderá advir do “bullying”. Podendo assim trazer respostas a tantas perguntas que a própria sociedade faz a respeito de um assunto tão atual. Visando assim, tentar elucidar as mesmas com práticas de prevenção contra essas ações.

REFERÊNCIAS

 

CALHAU, Lélio Braga. Bullying: precisamos agir. 02/09/2008, Disponível em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=2008090209470395&mode=print. Acesso em: 25/04/2012;

CALHAU, Lélio Braga. Bullying: tudo o que você precisa saber. 3ª Ed., Niterói-RJ, Editora Impetrus, 2011;

FANTE, Cleo. Fenômeno Bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para paz. 2ª Ed. Campinas –SP, Verus Editora, 2005;

QUINTANEIRO, Tania; OLIVEIRA, Maria Ligia de; OLIVEIRA, Barbosa Marcia Monteiro de. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. 2ª ed. UFMG, Belo Horizonte, 2003;