O universo infantil está pontilhado de referências lúdicas. E não podia ser diferente: é através de sua vivência nos jogos de representação, a que costumeiramente chamamos apenas de brincadeira, que a criança experimenta situações, conflitos e superação de desafios, que vão proporcionar, além do próprio prazer de brincar, o seu pleno desenvolvimento.

É nesse ponto que se apóiam as reflexões que relacionam o lúdico às operações pedagógicas: os sistemas em Educação podem (e devem!) ser analisados a partir do pressuposto do estabelecimento de variáveis que promovam exatamente o desenvolvimento do ser humano.

E é com base nessa relação que a ludicidade, já há algum tempo, deixou de apenas circunscrever seu perímetro de estudo, unicamente, aos aspectos do jogo e do brincar. As leituras dos referenciais lúdicos têm sido acompanhadas, via de regra, de implicações educacionais. É no encaminhamento das reflexões acerca do brincar como variável pedagógica que os educadores, preocupados com dinâmicas mais significativas, vão buscar novos olhares sobre sua prática.

Vale refletir, aproveitando a ocasião de comemoração ao Folclore, sobre uma outra relação: a que conceitua o brincar uma das tradições populares e imemoriais. A raiz de estudo do Folclore respalda-se exatamente na análise das manifestações integrativas da cultura de um povo e lugar. Sendo a brincadeira uma dessas manifestações, temos aqui, também, um referencial folclórico.

Ressalte-se que brincar é uma prerrogativa de todos os animais, não apenas restringindo-se ao ser humano. A brincadeira humana, como aspecto folclórico a partir dos estudos dos usos e costumes de um povo ou de um lugar, teria sua origem, decerto, nas relações familiares pré-históricas. É possível supor, por exemplo, que a criança daqueles tempos apresentasse uma motivação de imitar os pais nos seus afazeres básicos, e que, a partir desse processo de imitação definisse estratégias para o seu crescimento, aprendendo (e apreendendo) mecanismos que o subsidiassem para o desenvolvimento daquelas tarefas. É o que caracteriza a cultura popular: o aprendizado obedece a um sistema de tradições e costumes.

Nesse sentido, é interessante pensar como a cultura popular, através de suas mais diversas referências, pode mostrar à Educação, ou a outras ciências, que a predisposição à aprendizagem torna-se mais destacada quanto mais significativo for o objeto de estudo.

Aos educadores que trabalham com as crianças pequenas, de0 a6 anos, vale retomar, para consolidar essa relação com a cultura popular, a máxima que caracteriza o brincar como atividade em que se pressupõe uma relação propícia ao processo de desenvolvimento integral: sócio-afetivo-intelecto-emocional.

Na prática, é preciso estarmos atentos às possibilidades de redimensionamento das estratégias e dos materiais que temos à mão para o planejamento de atividades que venham contribuir, efetivamente, com essa operacionalização.

Sob essa ótica, Brincando de Dobrar Papel entre Cantigas e Contos é uma atividade, mas bem poderia ser pensada como um sistema: a partir da escolha de um instrumento prático pertinente a brincadeiras (no caso, o papel e as possibilidades de sua transformação pelo processo de dobrá-lo), desenvolvem-se vertentes de descobertas e/ou retomadas das cantigas infantis e das narrativas orais.

Lembrando que já existe uma canção muito popular (“Era uma casa muito engraçada...”), o educador pode conduzir a brincadeira inicial justamente para reforçar o que há de engraçado nessa casa – não tem chão, não tem janela etc. -, com a intenção de tornar vivos os versos da música. Se a canção não surgir espontaneamente, nada impede de apresentá-la ao grupo, ensinando-lhe o que diz a letra.
Para ilustrar as possibilidades dessa atividade, pensemos em um modelo simples de dobradura, que todos devem conhecer – a casa. É uma figura bastante clássica. Pode-se partir de um estímulo qualquer para motivar o grupo a fazer a dobradura, ressaltando-se o respeito às potencialidades individuais. Com o modelo pronto, começam as brincadeiras.

Particularmente, eu gosto de fazer surgir do final da música uma história – como se uma brincadeira puxasse outra. Nesse caso, também valoração pessoal, prefiro a história do livro A Casa Sonolenta, já que o seu enredo permite um dinamismo que agrada muito o público infantil. Finda a história, a brincadeira toma outros rumos, permitindo algumas escolhas: recontar a história, inventar outra história com o tema da casa ou explorar as possibilidades intrínsecas na dobradura da casa: enfeitá-la, usá-la como aplicativo de colagens etc.

Assim como a casa, outras figuras de simples execução podem ser descobertas na prática da dobradura. E o encaminhamento até pode ser o mesmo descrito aqui; dobradura – cantiga – história – exploração após os contos. Evidentemente, o educador que pretender refletir essa prática vai desenvolver o seu próprio método de trabalho, valorizando este ou aquele momento, conforme especificidades de sua turma ou das características de seu espaço educativo.

O que deve ser ressaltado é a utilização de ferramentas, marcadamente lúdicas, para a compreensão do processo pedagógico. A linguagem da brincadeira, algumas vezes pejorativamente identificada com a ausência de seriedade, mostra-se, aqui, uma variável incomensurável de estabelecimento metodológico colaborativo no desenvolvimento da criança.

De um lado, a arte de contar histórias permite-nos adentrar nas reflexões sobre a aplicabilidade dos contos no contexto educativo, ao oferecerem à criança-ouvinte valores psicológicos e afetivos, presentes nas estruturas das narrativas orais clássicas, já amplamente discutidos nos estudos científicos a esse propósito. De outro, atividades de construção – como as transformações feitas em folhas de papel – abrem-nos outros campos de prospecção de estudos acerca dos princípios educativos que vão consolidar nossa prática.

 A referência maior, aqui, da ludicidade acompanhando esse processo de tomada de consciência só aprofunda a importância de compreender o brincar como manancial valoroso de análise do crescimento sócio-afetivo das crianças envolvidas em atividades que o tenham como estratégia.

A integração entre a arte de contar histórias e as dobraduras de papel, fundamento desta explanação, prevê um mecanismo bastante envolvente nos trabalhos positivos que se observamem Educação Infantil: a perfeita sintonia entre brinquedo (o instrumento) e brincadeira (o que se faz com o instrumento), como facilitadores de variáveis contributivas ao desenvolvimento das crianças. Caberá ao educador, em nome dos ideais mais acertados da Educação, além da constante análise de suas potencialidades, o estudo e a adoção de métodos que corroborem essa sintonia.