Questões envolvendo a Segurança Pública têm ganhado cada vez mais enfoque nos noticiários nacionais e internacionais. Temas como o aumento da criminalidade, violência e colapso do sistema carcerário afligem a sociedade como um todo. Afeta a qualidade de vida das pessoas e mancha a reputação e o governo de um país.

A nível nacional verifica-se um verdadeiro caos no sistema penitenciário. Os índices de criminalidade só aumentam e o sistema não consegue ressocializar os detentos. Em sentido contrário a essa situação, temos a preocupação de consolidar e buscar dar efetividade aos direitos humanos consagrados constitucionalmente e por meio de pactos e tratados internacionais.

No Estado de Mato Grosso do Sul, assim como em todos os outros estados do país, há um número expressivo de presos encarcerados em delegacias de polícia civil. A título de informação, o estado possui 79 municípios, sendo que somente 18 deles possuem estabelecimento penal administrado pela Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário – AGEPEN.

Geralmente, nos municípios em que não há estabelecimento penitenciário, os presos, sejam eles provisórios, condenados ou semiabertos, ficam em dependências das delegacias de polícia civil. Ressalta-se a discrepância entre a quantidade de municípios do Estado e a quantidade deles que possui estabelecimento penitenciário.

A Carta Magna em seu artigo 144 estabelece que a segurança pública, dever do Estado e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio da polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Conforme § 4º do citado artigo, incumbem às polícias civis, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

O Código de Processo Penal em seu artigo 4º reafirma o disposto constitucional ao expor que:

Art. 4º, caput. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. 

Nesse sentido, conforme disposição legal tem-se que a principal atribuição funcional da Polícia Civil reside na apuração das infrações penais, pelos meios legais e apropriados seja pelo boletim de ocorrência, inquérito policial, termo circunstanciado de ocorrência ou auto de apuração de ato infracional.

Por conseguinte, verificamos que não há disposição legal, seja constitucional ou infraconstitucional, que mencione que dentre as atribuições da polícia civil compete a custódia do preso, seja este provisório ou condenado. Ressalvando-se, porém, o preso provisório que esteja sob investigação policial.

A Lei Orgânica da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, em seu art. 41, §1°, estabelece que é defeso aos agentes e autoridades de polícia civil o exercício de atividades que não integrem o respectivo rol de funções:

Art. 41, § 1º da Lei Complementar n° 114/05:

§ 1º É vedado o exercício de funções estranhas às atividades de Polícia Civil, salvo as de ensino, as de médico ou as decorrentes de nomeação para cargos em comissão.

Segundo os mandamentos legais expostos, os policiais civis não podem se eximir de suas atividades-fim, para fazer a guarda e vigilância de presos nas delegacias. Ressalta-se que as delegacias foram projetadas para atender presos provisórios, durante a fase de investigação, tão somente. Não há uma estrutura física compatível com as normas estabelecidas pela Lei de Execução Penal, bem como não há recursos humanos e materiais para atender presos que passam meses ou mesmo anos encarcerados numa cela de delegacia.

Importante salientar, também, que os policiais civis são servidores qualificados e treinados para exercer a polícia judiciária, atender o cidadão na ocorrência de delitos, investigar a autoria de crimes, dentre outras funções. Esses servidores não possuem o treinamento voltado para a guarda e a escolta de presos, tal função é atribuição do servidor treinado especificamente para isto, denominado agente penitenciário.

Desde o ano de 2.011 está tramitando o Projeto de Lei 1.594, que veda a custódia de presos, ainda que provisórios, nas dependências de delegacias da polícia federal e civil. O projeto altera a Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84).

Segundo a proposta, nos casos de prisão em flagrante a permanência do preso na delegacia só será permitida até a lavratura do auto respectivo e a entrega da nota de culpa pelo Delegado de Polícia, não ultrapassando o período de 72 (setenta e duas) horas. Após decorrido tais condições, o preso será imediatamente conduzido ao estabelecimento penitenciário.

Outra importante inovação da proposta, efetuada por meio de emenda da Comissão de Segurança Pública e aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, diz respeito à escolta de preso provisório e condenado, que já tiver ingressado em estabelecimento penal, a qual passará a ser de responsabilidade dos agentes penitenciários. Somente em casos excepcionais e com ordem judicial a escolta poderá ser feita por outros órgãos de segurança pública. Vejamos:

Art. 2º O art. 82 da Lei no 7.210, de 11 de junho de 1984, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 3º, 4º e 5º: "Art. 82, § 3º. Fica vedada a custódia de preso, ainda que provisório, em dependências de prédios das Polícias Federal ou Civis dos Estados e do Distrito Federal; (NR)

 § 4º Na hipótese de prisão em flagrante será permitida a permanência do preso, tão somente, até a lavratura do auto respectivo e a entrega da nota de culpa pelo Delegado de Polícia, oportunidade em que o preso será imediatamente conduzido ao estabelecimento penitenciário. (NR)

 § 5º É admitida a permanência de preso, por período inferior a 72 (setenta e duas) horas, em dependência de prédios das Polícias Civis dos Estados e do Distrito Federal exclusivamente destinada à triagem e transição de detentos. (NR)

Art. 4º O art. 120 da Lei no 7.210, de 11 de junho de 1984, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 120, § 1º. A escolta de condenados e dos presos provisórios já ingressos em estabelecimento penitenciário deverá ser feita sempre por policiais militares e/ou agentes penitenciários (NR).

 § 2º Outros órgãos de segurança pública poderão, excepcionalmente, promover a escolta de que trata o caput do art. 120, na impossibilidade de realização na forma do parágrafo anterior, mediante ordem judicial.

§ 3º A permissão de saída será concedida pelo diretor do estabelecimento onde se encontra o preso.

O citado projeto de lei, se aprovado, representará um grande avanço na problemática da segurança pública e um ponto inicial importante para que outras melhorias sejam conquistadas.

São fatores que contribuem para a superlotação carcerária nas delegacias: a morosidade do Poder Judiciário e a falta de vagas nas unidades penitenciárias.

Vejamos o que já no ano de 1.964 nos ensinou Beccaria:

Um cidadão detido só deve ficar na prisão o tempo necessário para a instrução do processo; e os mais antigos detidos têm direito de ser julgados em primeiro lugar.

Eu disse que a presteza da pena é útil; e é certo que, quanto menos tempo decorrer entre o delito e a pena, tanto mais os espíritos ficarão compenetrados da idéia de que não há crimes sem castigo; tanto mais se habituarão a considerar o crime como a causa da qual o castigo é o efeito necessário e inseparável.

Uma pena por demais retardada torna menos estreita a união dessas duas idéias: crime e castigo. (BECCARIA, 1764, p. 39).

Podemos observar que há cinco décadas já havia citações referentes à morosidade da justiça no que se refere ao julgamento do crime e sua condenação. Há tempos nosso sistema judiciário e prisional vem enfrentando os mesmos problemas. Fato que colabora para o cenário que se vê nas delegacias de polícia civil de MS: falta de espaço e de estrutura física e sanitária para comportar os presos; policiais que deveriam estar cumprindo suas funções na investigação de crimes estão atuando como carcereiros sem o menor preparo nem respaldo do Estado.

Segundo informações extraídas do 8º Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2014, o Estado de Mato Grosso do Sul é vice-líder de presos do Brasil e o 7º em número de presos em custódia da Polícia. Segundo o mesmo relatório, no ano de 2013, o Estado possuía um déficit de 5.303 (cinco mil trezentas e três) vagas no sistema penitenciário.

Além de todas as dificuldades e carências da instituição, os policiais civis são obrigados a cuidar, vigiar e escoltar presos, sem nenhuma contrapartida do Estado, sendo submetidos a perigo iminente. Por sua vez, os presos estão sendo privados de seus direitos, tais como cumprimento da pena em local adequado, integridade física, dignidade da pessoa humana, ressocialização do apenado, dentre outros.

Face ao exposto, verificamos que a custódia de presos nas delegacias de polícia civil, não está elencada nas atribuições dos agentes e autoridades de polícia, não lhes cabendo a função de carcereiro, desviando suas funções para realizar a custódia, fiscalização e escolta de presos.

Conforme já mencionado, as delegacias não possuem estrutura e condições para a guarda e manutenção do preso por um longo período. Esta situação desencadeia vários fatores, tais como: insegurança, fugas, rebeliões, riscos para os policiais e para a população etc.

Esvaziar as celas das delegacias não irá mudar o atual cenário da segurança pública. O certo é que somente esta medida não solucionará o problema, mas dará início a uma sucessão de melhorias e benefícios a sociedade.

Por fim, pode-se afirmar que é necessária uma reformulação do sistema penitenciário e constantes políticas e ações que busquem efetivar os direitos humanos tão prezados por nossa Constituição, pactos e tratados internacionais em que o País é signatário.

REFERÊNCIAS:

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2006.

BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 30/08/2015.

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.  Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 30/08/2015.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em: 30/08/2015.

BRASIL. Lei de Execução Penal. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>. Acesso em: 30/08/2015.

BRASIL. Lei Orgânica da Polícia Civil do Estado de Mato Grosso do Sul. Lei Complementar 114, de 19 de dezembro de 2005. Disponível em: <http://aacpdappls.net.ms.gov.br/appls/ legislacao/secoge/govato.nsf/66ecc3cfb53d53ff04256b14004 9444b/f252edbe0419743b042570dd00442b08?OpenDocument>. Acesso em: 30/08/2015.

BRASIL. Lei Orgânica da Polícia Civil do Estado de Mato Grosso do Sul. Lei Complementar 114, de 19 de dezembro de 2005. Disponível em: <http://aacpdappls.net.ms.gov.br/appls/legislacao/secoge/govato.nsf/66ecc3cfb53d53ff042 56b140049444b/f252edbe0419743b042570dd00442b08?OpenDocument>. Acesso em: 30/08/2015.

BRASIL. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei 1594/2011. Altera a Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984 que dispõe sobre execução penal. Disponível em: < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=8888 48&filename=PL+1594/2011>. Acesso em: 30/08/2015.


MATO GROSSO DO SUL. Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário. Disponível em: <http://www.agepen.ms.gov.br>. Acesso em: 30/08/2015.