Sobre o Autor:

Victor Nunes Leal nasceu no município de Alvorada (RS) em 11 de novembro de 1914 e faleceu no Rio de Janeiro, 17 de maio de 1985. Foi jurista e Ministro do Supremo Tribunal Federal de 1960 a 1969 quando foi afastado da Corte pelo Ato Institucional n° 5 (AI5). Foi ainda, Procurador Geral de Justiça do Distrito Federal (Rio de Janeiro) entre março e novembro de 1956, Consultor Geral da República (1960) e chefe da Casa Civil da Presidência da República (1956-1959). . Bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, atualmente Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ em 1936. Colaborou com Pedro Baptista Martins na elaboração do Código de Processo Civil de 1939. Em 1947 defendeu tese para ingresso como professor na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, hoje UFRJ, com a tese O municipalismo e o regime representativo no Brasil - uma contribuição para o estudo do coronelismo. A tese foi publicada com o nome comercial de Coronelismo, enxada e voto pela Forense Editora, em 1948 e é a fonte de nossos estudos neste trabalho.

Coronelismo, Enxada e Voto:

O texto em comento é um aprofundado estudo da vida política brasileira, com uma visão dirigida ao sistema do coronelismo, que para Leal, trata-se de um sistema político. O autor fragmenta sua obra em sete capítulos: o primeiro define o temo coronelismo; o segundo, as atribuições do município; o terceiro, a eletividade; o quarto analisa as receitas municipais; o quinto enfoca a organização policial e judiciária; o sexto disserta sobre a legislação eleitoral e o sétimo exibe prospecções e retoma a discussão teórica do primeiro. E é exatamente estudando a relação entre Governo Federal, Estadual e Municipal, através de um cuidadoso estudo focado nas Constituições de 1891, 1934 e 1946, que Leal fundamenta sua tese, discutindo as atribuições dos municípios, o processo eleitoral, o voto de cabresto e o coronelismo.

Este tipo de política, segundo Leal, se deu devido a perda da concentração de riquezas e de poder por parte dos senhores rurais, fazendo com que eles buscassem ajuda dos poderes estaduais. Então, grosso modo, o Estado proveria os Cargos Públicos, com indicação e o auxílio destes fazendeiros, e em troca, tais fazendeiros teriam a paga de coronéis mas deveriam garantir votos para os líderes estaduais e seus dependentes.

Estes coronéis, apesar do nome, não eram militares de carreira, eram nomeados para pertencimento à Guarda Nacional, uma milícia considerada cidadã, em troca dos favores já revelados. A Guarda em questão teria seu surgimento no longínquo ano de 1831 com o intuito de sufocar rebeliões regionais, bem como, ser usada em caso de conflitos nacionais, como a Guerra do Paraguai. Para o autor, coronelismo se dava devido a:

(...) superposição de formas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada. (...) É (...) forma peculiar de manifestação do poder privado.”. (LEAL,  1976, p.:20).

Para se pleitear o título de coronel era necessário uma paga em espécie, e assim, o domínio econômico novamente se sobrepunha e criava verdadeiras ilhas de poderio municipal. Deste modo, com a patente de coronel, estes fazendeiros tinham a autoridade de constituir tropas provisórias, o que fazia deles seres temíveis, com o poder de controlar até mesmo a polícia local.

A política dos governadores foi criada pelo presidente Campos Sales (1898-1902), dando início a uma volumosa cadeia de favores, que atingia do Presidente da República aos Governadores de Estado, dos coronéis aos trabalhadores rurais. Estes trabalhadores rurais se submetiam a um salário de miséria, vivendo dentro das fazendas com permissão dos coronéis que viam neles mão de obra barata. Para viver em suas propriedades, este trabalhador se submetia a votar em quem a ele fosse apresentado, e assim, acabava elegendo o candidato de seu patrão. Sendo na República Velha a eleição com voto aberto, ficava fácil de constatar pelo coronel se o seu subordinado seguiu ou não suas determinações. Era o famigerado “voto de cabresto”. Quem desobedecesse, poderia sofrer advertências verbais, perder o emprego e a moradia, e até castigo físico. O coronelismo e o voto de cabresto davam então a paga de desonestidade nas eleições da velha República, inobstante as mesmas possuírem como ideologia um caráter considerado democrático.

Leal ensina que o enfraquecimento do coronelismo no Estado Novo surge com a descentralização dos poderes locais, bem como um aumento de um poder ligado aos tributos, pelo fortalecimento dos poderes dos prefeitos e vereadores, e principalmente pela abolição do regime representativo.

A morte aparente dos “coronéis” no Estado Novo não se deve, pois, aos prefeitos nomeados, mas à abolição do regime representativo em nossa terra. Convocai o povo para as urnas, como sucedeu em 1945, e o “coronelismo” ressurgirá das próprias cinzas, porque a seixa que o alimenta é a estrutura agrária do país . (LEAL, 1976, p.134).

Neste sentido, resta claro que o coronelismo não estava ligado somente à compra de votos ou ao voto de cabresto, mas sim, nos cargos existentes e disponíveis do Estado. Estes coronéis, podendo a qualquer momento colocar subordinados seus (amigos, parentes e até empregados) em cargos estratégicos (Delegado de Polícia – por exemplo) por meio de indicações com o auxílio de seu prestígio econômico e tutelar, passava a não depender exclusivamente das urnas, embora a usasse como principal ferramenta para a mantença de seu poderio.

Por fim, contribui o autor em escancarar os meandros do poder na distante República Velha, mostrando que todos os desdobramentos políticos ocorridos no país no período em estudo centralizava-se na figura do Estado, suplantada pelo modelo parasita de sua apropriação por parte do poder privado (coronelismo) que se fortificava não apenas com a compra de votos ou o voto forçado (de cabresto), mas estava calçada sobretudo nos cargos fomentados pelo Estado. Uma via de mão dupla, onde poder Estatal e poder Municipal se embebedavam mutuamente de favores, regalias e abuso de poder, enquanto a população, banhada por uma falsa idéia de democracia, continuava agonizando e esperando tempos melhores. Eis o recado final do autor:

Com esta singela contribuição ao estudo do “coronelismo”, não tivemos o propósito de apresentar soluções; apenas nos esforçamos para compreender uma pequena parte dos nossos males. Outros, mais capacitados, que empreendam a tarefa de indicar o remédio. (LEAL, 1976, p. 258).

 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. São Paulo: Alfa Ômega, 1976.