Breves Considerações Sobre a Expansão do Direito Penal e seus Efeitos

Akhenaton Nobre

Introdução

A Ciência Penal está em grande expansão de seus braços, criando novas áreas e vertentes do poder punitivo do Estado nas mais diversas formas de criminalidade hoje presentes no panorama nacional e internacional. Tais novas formas de criminalidade já não são mais abarcadas pelo poder punitivo clássico do Estado, necessitando assim, de sua corrente expansão. Tal expansão nos traz efeitos positivos e negativos, que serão analisadosa seguir.

"O direito está para a sociedade assim como a sociedade está para o direito".

Tomando como ponto de partida tal silogismo temos um dos fundamentos bases para o fenômeno ora chamado de Expansão do Direito Penal. Para analisarmos tal expansão propriamente dita temos que nos ater preliminarmente a algumas breves considerações e percepções sobre o tema em pauta.

1.Direito Penal Clássico

A clássica concepção de Direito Penal nos diz que Direito Penal é o conjunto das prescrições emanadas do Estado, que ligam o crime, como fato, a pena como conseqüência, conceito dado pelo emérito doutrinador alemão Von Liszt. Já modernamente falando, podemos dizer que o Direito Penal é o conjunto de normas jurídicas voltado à fixação dos limites do poder punitivo do Estado, instituindo infrações penais e as sanções correspondentes, bem como regras atinentes à sua aplicação, como conceitua o Livre-Docente Guilherme de Souza Nucci.[1]

A partir daí temos um ramo do Direito Público que visa tutelar bens jurídicos essenciais a vida humana e à vida em sociedade, cominando penas aqueles indivíduos que violentarem as normas prescritas na carta penal pátria. O "Jus Poenale" é a vertente do oceano do Direito mais severa e cruel, decorrente disso, temos então a concepção de que tal medida cruel deva ser usada como " Ultima Ratio" na sociedade.

1.2 Da Pena

Diante do Direito Penal clássico temos a pena como conseqüência do delito, sendo que sua função se extingue não somente na pena em si mesma, mas também com o objetivo de prevenir novos delitos e ressocializar ( reeducar) o indivíduo que perambulou e atentou contra a sociedade e ordenamento jurídico penal.

1.3 Finalidade

Perante a clássica concepção de Direito Penal temos como finalidade do mesmo, até, filosoficamente falando, tutelar bens essenciais a vida humana e social, visando o bem estar comum da sociedade em si, exaurindo-se suas funções no controle e prevenção de formas delituosas que possam tirar de órbita o processo fluente da sociedade

2. A sociedade e o Direito

O Direito como um todo é moldado nos quereres da sociedade que é inserido, sendo que tal sociedade irá ditar os elementos essenciais a condição natural e social de vida dentro de um determinado grupo social. A sociedade como um todo dita o que ela quer de si mesma, necessitando então de um ordenamento jurídico que esteja a favor da sociedade para então a sociedade fluir de forma concreta e contínua.

Já há muito tempo temos como bens essenciais a vida humana e a vida em sociedade, a vida da pessoa humana, a integridade física da pessoa humana, seu patrimônio, entre outros bens especificados nas diversas cartas penais do planeta. Tais bens congêneres a evolução do ser humana formou então o Direito Penal , visando assim tem um forte controle e repressão da ordem na sociedade, visando a sua própria manutenção.

2.1 A sociedade Moderna e o Direito

A sociedade moderna encontrava-se em um sistema de preocupações com a vida em sociedade que podemos afirmar ser uma " Sociedade do Dano". Explanando, diz se sociedade do dano vez que a preocupação das pessoas inseridas no seio da sociedade se encontravam após o dano, visando a sua repreensão e prevenção. Não se importavam em primeiro plano com o risco, mas não que o risco nunca existiu e sim que não havia a real percepção do risco.

2.2 A sociedade pós-moderna e o Direito

Atualmente, vivemos em um sociedade pós-moderna, digamos pós moderna em conceitos, costumes, hábitos em sentido de viver e encarar a sociedade. Na sociedade pós-moderna, diferentemente da sociedade moderna, a visão do Direito e das preocupações da sociedade, não estão calcadas na "Sociedade do Dano" e sim no risco, digamos," Sociedade do Risco".

Hoje o homem social visa reprimir e prevenir o mero risco, qualquer risco que possa colocar em mira sua vida na sociedade. Para combater tal risco, assim como era combatido o dano, é usado diversos ramos do Direito, como; o Direito Constitucional, o Direito Administrativo, o Direito Civil e o temeroso Direito Penal. Tal valorização do risco se deve a muitos fatores, internos e externos, que movimentou a sociedade para a percepção e concepção de risco, ou do risco.

Tendo breve aparato conceitualístico sobre Direito e Sociedade, passamos a analisar propriamente a expansão do Direito Penal.

3. Causas da Expansão do Direito Penal

O Direito Penal vivencia sensível expansão de territórios e significativa alteração de finalidades. Ampliam-se os riscos penalmente relevantes, flexibilizam-se as regras de imputação, relativizam-se os princípios político criminais de garantia.

A sociedade do medo, do risco, procura desenfreadamente mais proteção. Não encontrando outro meio rápido e eficaz canaliza suas pretensões para a punição. Busca-se o Direito Penal com único recurso de paz social, pois falhou a moral os outros ramos do Direito e políticas governamentais.

Ademais, diversas são as causas que embasam fundamentos justificantes para a expansão do Direito Penal, sendo assim, iremos nos restringir as mais importantes do meio.

3.1 Valorização de novos bens jurídicos

Em que pese a valorização de novos bens jurídicos, temos a aparição de novos bens ou ao aumento de valor experimentado por alguns. Tal incremento é consequência da mudança cultural e social. Como bem diz Marcelo Lamy, não mudaram tanto as realidades, quanto a nossa compreensão das mesmas, mas sim alterou-se sensivelmente a nossa percepção da importância das mesmas.

O indivíduo hoje inserido no seio da sociedade se preocupa muito mais com o ambiente em que vive do que ontem, preocupações na órbita ambiental, essencial para a sua existência, e econômica, também essencial a sua vida social em uma determinada nação. Tal preocupação se dá , não da visão do "bom samaritano" e sim do próprio egoísmo experimentado e inculcado nas pessoas da sociedade, principalmente em um sistema capitalista em que o dinheiro , o lucro é perseguido a cima de tudo. Em que pese o fator ambiental, digamos que em primeiro plano está a condição de vida do próprio individuo, e em segundo plano ,conforme sua consciência, a sociedade como um todo.

3.2 Novos Riscos

Anteriormente cada pessoa administrava o próprio dano sofrido e os riscos a serem experimentados em sua vida social, já hoje tais danos e riscos apontam apontam para possíveis danos danos globais, não mensuráveis quanto as suas vítimas.

3.3 Insegurança Social

Não podemos deixar de cita fator importante com a insegurança social que é sentida pelas pessoas pertencentes da sociedade atual. Tal insegurança se deve a diversas a diversas realidades atuais, como: a criminalidade organizada, o avanço tecnológico dos meios de comunicação, o egoísmo e egocentrismo das pessoas, o capitalismo selvagem entre outros. Alem disso temos a mídia que reitera e dramatiza fatos que geram insegurança a sociedade a ponto de não nos deixar os assimilar.

3.4 Emoção

Devido a acontecimentos que geram grande repercussão e temor social, a emoção humana inserida em uma sociedade do risco se olvida, germinado assim um sentimento individual e social de grande repulsa. Decorrente disso, tomados por essa emoção, temos a tendência de criar novos injusto penais para ter a sensação de segurança, caindo assim no recrudescimento penal. Muitas vezes, ou a maioria das vezes tal recrudescimento não gera benefícios nem malefícios, torna-se inócuo, por ter sido criado em momento de fragilidade do legislador frete a política e a emoção social.

3.5 Nova Perspectiva da Vítima

No Direito Penal clássico a vítima não era vista com uma figura dotada de proteção pelo ordenamento jurídico, vez que a doutrina penal estava focada fielmente ao delinqüente, tanto para puni-lo como para protegê-lo, por exemplo admitia-se apenas a analogia "in bonam partem".

Hoje a perspectiva mudou, a sociedade esta mais voltada para a vítima, fato esse devido a maior consciência de que a própria sociedade esta sendo vítima, como um todo, e não a vítima inserida na sociedade, esta como vítima secundária. Marcelo Lamy diz: "A sociedade que não foi capaz de evitar o trauma causado pelo delito, assume, em principio, o dever de saldar sua dívida perante a vítima castigando ao autor". Fazendo um raciocínio realista sobre tal exposição, a sociedade assume o papel de saldar tal trauma por começar a se concientizar de que a sociedade está ruindo como um todo e não como anteriormente era visto; os delinquentes e a sociedade que trilha a caminho do progresso.

3.6 Descrédito de Outros Ramos do Direito

O homem moderno não vive mais no Estado e sim do Estado, como bem já se disse. O homem perdeu o domínio sobre todas as questões essenciais a sua vida, tem que socorrer-se a tutela do Estado para que tal realize a sua segurança.

Nos ramos do Direito o homem perdeu o crédito sobre diversos ramos direito, em breve síntese: o Direito Administrativo torno-se instrumento de perpetração de delitos pelos poderoso, o Direito Civil como um Direito meramente formal e o Direito Constitucional esquecido no bolso de nossos dirigentes.

Diante desse descrédito pelos outros ramos do Direito, a sociedade , tomada de ira, não vislumbra outro jeito de frear condutas que lesam a sociedade como um todo, a não ser colocar sob tutela penal certas condutas não reprimidas ou formalmente reprimidas pelas outras searas do Direito.

3.7 Globalização Econômica

A integração econômica entre as nações propicia e propiciou um grande avanço à sociedade em função da quebra das barreiras internacionais, da maior liberdade de circulação de pessoas e bens, novo oportunidades, porém, gerou decorrente disso, novas formas de criminalidade, como por exemplo a criminalidade internacionalmente organizada.

O avanço econômico capitalista abre ao criminoso novos meios de ludibriar a economia nacional e internacional necessitando a sociedade assim, novos âmbitos de incidência do direito, como o âmbito internacionais.

Não basta, portanto, a mera aplicação extra-territorial do Direito Penal, mas sim a criação de um Direito Penal Internacional para combater a nível internacional as novas formas de criminalidade que afetam a economia nacional, internacional e conseqüentemente a comunidade internacional.

4. Fundamentos Justificantes da Expansão do Direito Penal

Tendo por base as causas já comentadas acima, temos como fundamentos da expansão do Direito Penal o exaurimento das causas em si mesmas. Portanto podemos dizer que os fundamentos justificantes para a expansão de tarefas ou de propósitos do Direito Penal são, em sentido lato, a insegurança social, o descrédito das outras searas do Direito, a globalização econômica, os novos meios de comunicação, o amadurecimento da valorização dos bens essenciais a uma sociedade e uma nova perspectiva da vitimização.

5. Direito Penal Hodierno.

O Direito Penal hoje não tem mais a mesma finalidade clássica, filosófica do Direito Penal de antes, mas sim uma nova concepção de Direito Penal que visa atender a todos os anseios sociais propriamente ditos.

Classicamente concebido como a "ultima ratio" de proteção aos bens essenciais de uma sociedade tornou-se hoje, para muitos, mecanismo indiscriminado de proteção da vigência das normas, caindo assim no recrudescimento penal.

Hoje temos um Direito Penal que adentrou a seara administrativa e criminalizou diversas condutas de afetação geral, não logradas em serem controladas pelo Direito Administrativo. O Direito Penal está sendo usado não como o ultimo bastião, Direito Forte em sua magnitude histórica e sim como um mecanismo de gestão criminógena.

O Direito Penal atual adquiriu, assumiu essa forma de raciocinar própria do Direito Administrativo (visando estritamente o bem comum, geral, de interesse a todos da sociedade) convertendo-se em um Direito de gestão dos problemas sociais da criminalidade, como já disse o Professor Marcelo Lamy.

Hodiernamente falando, admite-se a punição de uma conduta concreta, mesmo que ela não seja de per si lesiva, mas pela simples consideração de que, hipoteticamente, se ela se realizar por outros, se multiplicar vai acabar lesando ao bem jurídico protegido.

5.1 Nova Finalidade da Pena

Nos tempos atuais, a pena perante a expansão do Direito Penal, não tem mais aquela tríplice função de retribuir o mal, prevenir o mal e ressocializar o delinqüente, mas sim a de afastar a incidência da delinqüência, a de desbaratar pelo menos parcela da rede institucionalizada do crime, ou seja afastar o foco criminal.

A política criminal de antigamente se debruçava em métodos psicológicos preditivos de periculosidade, e assim identificava que deveria deixar inócuo. Hoje, diante de um método autuarial a política criminal apóia-se em sustentar pilares que irão priorizar os crimes que, estatisticamente, trarão mais danos sociais. Explanando, o foco da política criminal de hoje é proteger e controlar mais veemente condutas que tragam um grande efeito lesivo à sociedade como um todo.

6. Efeitos da Expansão do Direito Penal

Em que pese a expansão do Direito Penal sentimos na sociedade seus efeitos bons e ruins que incidem direta ou indiretamente na sociedade. A expansão do Direito Penal nos traz a criação pelas cabeças pensantes desta seara de novas concepções e criações de vertentes aplicáveis ao Direito Penal. Hoje não mais falamos como anteriormente em um Direito Penal único, erga omnes, mas sim, em vários " Direitos Penais" se assim possamos conceituar. Temos como exemplo fatídico disso o Direito Penal Garantista e o Direito Penal Não-Garantista.

No momento atual, embora a criminalidade marcadamente presente nos despossuídos ( fundamento da doutrina penal do séc. XIX e XX) , sentimo-nos afetados pela criminalidade dos mais abastados, digamos assim. É visível a pretensão social de suprimir as garantias que incidem sobre os poderosos, sendo que tal garantismo impede a condenação efetiva dos poderosos.

Percebe-se que tal pensamento é muito perigoso, vez que a pretensão de suprimir certas garantias constitucionais penais não poderá incidir somente sobre os poderosos, mas sim a toda a sociedade. Aplicando um Direito Penal não garantista, propriamente dito, não atingiremos somente os crimes e as pessoas dos poderosos, a velha figura do "White Collar Crimes" e sim a todo ordenamento jurídico penal, que é um dos principais sustentáculos de contenção da anarquia e da barbárie.

A solução estaria na plena igualdade do aplicador do Direito e garantir aos menos abastados as mesmas garantias penais dos poderosos. Na sociedade atual, principalmente a nacional, tal pensamento possa ser de difícil aplicação, porém cabe as aplicadores do Direito em sair do livro à sociedade, mudando o sistema seletivo penal que paira sobre a política criminal brasileira.

Falamos também em um Direito Penal de duas velocidades, apresentado em 1999, por Jesús Maria Silva Sanches, a necessidade de criar um Direito Penal de duas velocidades , sendo uma velocidade o clássico e aperfeiçoado sistema de garantias penais e outra um Direito Penal que vise combater as modernas formas de delinqüência, mediante outras formas de penalização com outros fins específicos da penas, como a pena pecuniária ao grande empresário, vez que o rico não teme a privação da liberdade, pois o mesmo não acredita que irá a clausura, baseando-se no Direito Penal clássico e sim o temor econômico, sendo o grande medo dos poderosos, sendo o poder aquisitivo a sua liberdade.

Também falamos de uma terceira velocidade, sendo essa o Direito Penal do Inimigo cuja pena é a de prisão e as garantias são bem relativisadas.

Face a expansão do Direito Penal, temos um grande problema a realidade das garantias constitucionais, vez que não se é possível segregar a sociedade para a aplicação de normas jurídicas, sendo assim um grande afronto à Constituição Federal e a Convenção Inter-americana dos Direito do Homem ( Pacto de San José da Costa Rica). A relativização das garantias constitucionais não incidirão somente em um grupo e sim na sociedade como um todo. Tal relativização iria afrontar princípios basilares do Estado Democrático de Direito, como a Igualdade, a isonomia, impessoalidade, legalidade , entre outros.

Não podemos deixar de citar o Recrudescimento Penal, o inchaço feito ao sistema penal fazendo que o mesmo perca sua magnitude do Direito justo, caindo assim em um mero Direito de gestão.

Ao que tange aos aspectos positivos, temo o controle a novos meios de perpetração de delitos, como o ambiental, o econômico, o virtual( ambiente cibernético, informático) e o internacional. Novos na concepção formal conceitualística , sendo que tais problemas já germinavam na sociedade não conseguindo anteriormente, apenas a sua efetiva materialização.

7. Conclusão

A expansão da seara penal é um fato social, não só presente no nosso ordenamento jurídico, mas também em diversos do Direito Comparado, com seus avanços e retrocesso. Tal expansão deve ser analisada friamente perante a necessidade social e internacional e não como um objeto político de muitos para conter acima dos raios de sol que cegam a sociedade, a inescrupulosa materialização de uma sociedade capitalista, em busca do poder.

Devemos conter também os anseios sociais decorrente da emoção experimentada pela sociedade, fator esse que é muito prejudicial no norteamento de qualquer sociedade.

Por fim, nós, aplicadores do Direito, devemos nos conscientizar e aplicar a norma jurídica penal embasada nos princípios que regem a nossa sociedade, para proporcionar a todos não somente uma melhoria na qualidade da sociedade, mas primordialmente em assegurar a justiça acima de tudo, não nos deixando perecer perante as ervas daninhas que infestam o seio da sociedade.

Bibliografia

Manual de Direito Penal – Guilherme de Souza Nucci – Editora RT – São Paulo – 2007 – 3ª Edição

Direito Penal – Damásio E. de Jesus – Editora Saraiva – São Paulo -1992 – 16ª Edição

Expansão do Direito Penal - Professor Marcelo Lamy – Escola Superior de Direito Contitucional



[1].Manual de Direito Penal – Guilherme de Souza Nucci – Editora RT – São Paulo – 2007 – 3ª Edição p.53