Henrique Lima

(Advogado, sócio da banca Lima, Pegolo & Brito Advocacia S/S, Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Uniderp, Especialista em Direito Constitucional pelo IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público e Pós-Graduando em Direito Processual Civil pelo IBDP – Instituto Brasileiro de Direito Processual).

RESUMO:Trata-se de artigo que faz breves considerações acerca das sentenças que julgam menos (infra), mais (ultra) ou fora (extra) dos limites estabelecidos pelo pedido feito na petição inicial das ações que almejam reparações de danos. Analisa, também, a eventual necessidade de propositura de Ação Rescisória ou de Querela Nullitatis Insanabilis, para corrigir possível ilegalidade.

TEXTO:

Na medida em que aumenta a conscientização das pessoas acerca de seus direitos, igualmente cresce o número daquelas que, a despeito de toda a morosidade largamente divulgada pela imprensa, se dispõem a submeter a ameaça ou a lesão sofrida ao seu direito à apreciação do Poder Judiciário.

Nesse aspecto, uma das ações que bem reflete esse tipo de mudança de consciência e atitude é a que visa a reparação por algum dano, também conhecida como “Ação de Indenização”, pois demonstra que o jurisdicionado, pelo menos, tem conhecimento de que é titular de determinado direito subjetivo e, igualmente, tem o discernimento necessário para reputá-lo lesionado ou ameaçado.

Mas como os danos podem ser variados, tais como os exclusivamente morais, os estéticos, os lucros cessantes e os emergentes, entendemos útil tecer algumas considerações acerca da correspondência que deve haver entre o pedido formulado na petição inicial e a sentença proferida nas chamadas ações de indenização, bem como acerca dos desdobramentos processuais decorrentes.

Tomemos por base uma pessoa que sofreu três espécies de danos: moral, lucro cessante e emergente. Então, formulemos duas hipóteses de questionamento: (1) se numa ação a vítima pede a indenização por apenas dois deles, poderia o dano não pedido, por exemplo, o moral, ser formulado diretamente em outra ação ou haveria necessidade de ação rescisória anterior?

Noutra hipótese, (2) se corretamente formulasse, ou seja, já na primeira ação, pedidos de reparação pelos três danos, mas se apenas dois deles fossem apreciados, o pedido não julgado poderia ser reformulado em outra ação ou haveria necessidade de ação rescisória para desconstituir a sentença infra petita?

Em que pese a petição inicial ser uma das peças mais importantes do processo , não raro é possível encontrar algumas dessas visivelmente incompletas com relação ao pedido, pois pela narrativa fática, às vezes, se nota que o autor teria mais direitos do que os efetivamente pedidos.

Entretanto, por força dos artigos 2º , 128 e 460 do Código de Processo Civil (CPC), salvo em questões de ordem pública, ao juiz é vedado condenar o réu em quantidade superior ou diversa da que lhe foi pedida pelo autor. Trata-se do Princípio da Inércia e da Imparcialidade do Juiz, bem como da regra da interpretação restritiva do pedido.

Nesse sentido é a lição de Teresa Arruda Alvim Wambier e de José Miguel Garcia Medina :

Quanto ao decisório, sabe-se que o ‘decisum’ da sentença tem de se ater, tem de se limitar, como regra geral, ao pedido formulado pelo autor na petição inicial, e, toda vez que isso não ocorrer, teremos sentenças ‘ultra’, ‘extra’ ou ‘infra petita’, ou seja, a que julga além, fora ou menos do que o pedido.

De igual clareza é a lição de Marcelo Abelha Rodrigues :

Ora, se o autor vai a juízo reclamar uma indenização por prejuízo sofrido, é na sentença de mérito que o juiz decide com base no conteúdo do art. 269 e tendo por conseqüência a extinção do processo ou da fase procedimental cognitiva, consoante determina o art. 162, par. 1º, do CPC. Só que a sentença do juiz possui limites, ou seja, se é ato jurisdicional típico, seu limite é estabelecido pelo próprio pedido, posto que não pode o juiz conceder x + y se o pedido é apenas de x, ou seja, o autor não pode ser beneficiado na sentença pela reparação de um dano ao seu automóvel e de um dano sofrido pessoalmente no mesmo acidente se apenas deduziu em juízo uma indenização pelo dano ao seu automóvel. Quer-se dizer com isso que o limite da sentença é o pedido, ou seja, uma sentença não pode ser nem inferior ao pedido (infra petita), nem superior ao pedido (ultra petita), nem tampouco dizer coisa diversa do que foi pedido (extra petita).

Assim, sendo defeso ao juiz decidir fora do pedido formulado pelo autor, a parte da sentença que sair do limite estabelecido pelos pedidos inseridos na petição inicial é ilegal, podendo ser alvo de Ação Rescisória com base no artigo 485, V , do CPC.

Desse modo, no caso da primeira hipótese supra (1), a pessoa lesada ou ameaçada em seu direito, que pleiteou em juízo apenas reparação pelos danos materiais, consistentes em lucros cessantes e danos emergentes, mas que também sofreu danos de índole moral, poderá propor outra ação pedindo apenas a indenização pelos prejuízos morais, sem que ocorra a listispendência, porque haverá diversidade de pedido (§2 , art. 301 do CPC).

Então, não haverá necessidade de ingressar primeiramente com Ação Rescisória, porque a sentença que será proferida na ação em que pediu apenas danos materiais (lucros cessantes e danos emergentes), caso seja obedecida a lei processual civil, presume-se que será limitada ao que foi pedido pelo autor em sua petição inicial.

Mas, caso assim não ocorra e a sentença decida além (ultra petita) ou diversamente (extra petita) do que foi pedido na inicial, incluindo em sua parte dispositiva também os danos morais, seja para concedê-los ou para negá-los, terá ocorrido ilegalidade e tornará imprescindível o manejo da Ação Rescisória a fim de reduzir a sentença aos limites estabelecidos pelo pedido feito na petição inicial.

Entretanto, percebendo que em sua peça vestibular faltou o pedido de reparação pelo dano moral, o autor pretender pleiteá-lo em sede de recurso de apelação, isso lhe será vedado, seja porque lhe é defeso inovar na fase recursal, como também porque o tribunal ad quem igualmente estará limitado ao que pediu em sua petição inaugural, por força dos artigos 2º, 128 e 460 da Lei Adjetiva Civil, e não poderá lhe conceder a reparação pelo dano moral que não foi objetivo de pedido na petição inicial.

A outra hipótese sugerida (2) é a de o autor formular corretamente a reparação pelos danos emergente, moral e lucro cessante, mas a sentença deixar de apreciar o pedido referente ao dano moral, ou seja, a sentença ser infra petita. Nesse caso, havendo o trânsito em julgado dessa sentença, questiona-se se poderia o dano moral ser formulado, ou reformulado, diretamente em outra ação ou haveria necessidade de utilizar previamente a Ação Rescisória para desconstituir a sentença ou mesmo qualquer outro remédio processual?

Nesse caso, não se trata propriamente de uma sentença que julga menos do que foi pedido, mas sim que deixa de analisar um deles. Partindo dessa premissa, não há que se falar em manejo da ação rescisória para desconstituir aquela parte da sentença, pois não há sentença nula, mas sentença inexistente quanto ao pedido não analisado.

Portanto, se essa sentença omissa transitar em julgado deverá ser proposta ação declaratória de inexistência baseada no artigo 4º, inciso I do Código de Processo Civil, com o objetivo de declarar que não houve decisão judicial com relação ao pedido de reparação pelos danos morais.

Esse é o valioso ensinamento dos professores Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina , que pedimos vênia para transcrever:

Com relação às sentenças infra petita, ocorre um problema interessante: via de regra, os exemplos citados pela doutrina, e os casos que aparecem na jurisprudência das sentenças citra ou infra petita, não são sentenças que apreciam propriamente “menos” do que foi pedido, mas são sentenças que deixam de apreciar um dos pedidos. Parece-nos que no caso de haver uma sentença infra petita, e que seja infra petita, porque deixa de apreciar um pedido, no caso de haver dois, ou mais, pedidos, tem-se uma sentença, formalmente considerada, e várias sentenças, do ponto de vista substancial. Então, o tratamento jurídico que deve ser dado a essa sentença, que é potencialmente cindível, é o seguinte: uma das sentenças é inexistente, porque não tem decisório e as outras são válidas. Então não há necessidade que se rescinda esta espécie de sentença, porque não se a pode considerar como um todo, tendo que se dar àquela parte da sentença, em relação a que houve omissão do juiz, o tratamento não de sentença nula, mas de sentença inexistente, e as “outras” sentenças (os outros “capítulos” da decisão) não serão viciadas.

Também neste caso, admite-se, segundo nosso entendimento, o manejo de querela nullitatis insanabilis.

Também será possível, para haver mais celeridade e viabilidade do ponto de vista prático, bem como em homenagem ao princípio da economia processual, propor diretamente uma nova ação pleiteando tanto os danos morais não apreciados anteriormente, como também a declaração de inexistência de decisão judicial, tendo em vista a omissão ocorrida na sentença proferida na ação anterior.

Em outras palavras, pode ser proposta uma “Ação Declaratória de Inexistência de Decisão Judicial c/c Reparatória de Danos Morais”, sem que haja impossibilidade ou incompatibilidade na cumulação desses pedidos, conforme se verifica do artigo 292 do Código de Processo Civil.