Breves comentários sobre o livro Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire

                                                       Márcia Belzareno dos Santos                                                                

                Embora Paulo Freire dispense qualquer apresentação, tendo em vista a magnitude de seu nome, quando se adentra o campo das ciências sociais de uma maneira geral e, particularmente, a área da educação, acredito necessárias e oportunas algumas palavras sobre essa figura emblemática e incomparável da  educação brasileira.

                Conforme o professor Ernani Maria Fiori, no prefácio de uma das incontáveis edições do livro, Paulo Freire não pensava ideias, pensava a própria existência. E não me ocorre, no momento, conceito mais claro e adequado para definir aquilo que representa Paulo Freire para a educação brasileira: sua própria existência. E digo aqui em duplo sentido – a existência do educador e pensador Paulo Freire e a existência da educação no Brasil. Um está intimamente e inseparavelmente ligado ao outro. Sim, porque a educação contemporânea no Brasil, pensada e refletida, tem seu marco existencial definido a partir das ideias de Paulo Freire.

                 Inegavelmente, Paulo Freire aparece ainda hoje entre as mais acatadas personalidades no campo da Pedagogia. No Brasil, sua atividade foi intensa. Lecionou na Universidade Federal de Pernambuco, onde dirigiu o Centro de Extensão Cultural. Mais tarde, desempenhou a função de Consultor especial para assuntos de educação no Ministério de Educação e Cultura.

                  Internacionalmente, o nome de Paulo Freire desfruta de grande prestígio. Atuou pela UNESCO para servir em Santiago do Chile, onde trabalhou no Plano de Educação em Massa, durante o governo Frey.

                  Além disso, Freire ministrou conferências em inúmeras escolas dos Estados Unidos, em diversas Universidades da Europa e em vários países da África.

                  Quanto à repercussão que seus livros tiveram no universo da educação, basta que se diga que todos eles, desde a primeira edição,  vêm sendo regularmente reeditados nos principais países do mundo ocidental, entre eles, nos Estados Unidos, no Canadá, na Itália, na Alemanha, no Uruguai, na Argentina, etc.

                   No Brasil, sua reedição constante é testemunho da importância de Paulo Freire na transformação da realidade social e educacional brasileira.

                   Traduzido para 17 línguas, Pedagogia do Oprimido revelou-se um sucesso editorial em todos os países devido a relevância das questões que aborda.

                   É importante salientar que enquanto Paulo Freire escrevia as Primeiras Palavras, título que ele deu a apresentação do livro Pedagogia do Oprimido, ainda se encontrava no Chile, em 1968. Ou seja, suas ideias e conceitos sobre a educação brasileira tiveram início antes mesmo da década de 1970 e de todos os novos apontamentos que essa década haveria de trazer, influenciados pelos movimentos sociais que continuavam a lutar  pela liberdade de expressão, na época amordaçada pela então interminável e abominável ditadura militar.

                   Paulo Freire escreveu seu livro baseado em observações realizadas durante  os cinco anos em que esteve exilado no Chile, juntadas às demais que já vinha colhendo no Brasil, nos vários setores em que havia exercido atividades educativas.

                   Em suas anotações para compor o livro, podemos dizer que um dos pontos que mais se destaca é o que ele mesmo chama de “medo da liberdade”.  Nesse sentido, Freire observa, inclusive, que esse “medo” foi o que mais o surpreendeu durante suas experiências intelectuais e docentes, vindo a abordar esse tema em “ Justificativa da Pedagogia do Oprimido”, primeiro capítulo do livro que ora comentamos.

                    Desta forma, a conscientização para a liberdade, através da atitude crítica, foi o mote de muitos cursos e palestras ministradas por Freire, ao longo de sua vida. Na verdade, talvez tenha sido Paulo Freire um dos primeiros, se não o primeiro, a utilizar, no campo da Pedagogia, as palavras conscientização e conscientizar.

                  Segundo Freire, as afirmações por ele produzidas em Pedagogia do Oprimido não são meros devaneios intelectuais nem resultam apenas de suas leituras, por mais importantes que tenham sido para ele; o livro, conforme ressalta, está ancorado em situações concretas, baseado em reações e expressões de  pessoas pertencentes à classe trabalhadora, indistintamente, sejam de origem mais humilde ou provindas da classe média.

                    Pedagogia do Oprimido é um livro escrito para pessoas radicais. Só os radicais, concordando ou não com as ideias de Freire, chegarão ao final da leitura. E quem diz isso não sou eu.  É o próprio Freire, ao afirmar que o radical “não teme enfrentar, não teme ouvir, não teme o desvelamento do mundo. Não teme o encontro com o povo. Não teme o diálogo com ele, de que resulta o crescente saber de ambos. Não se sente dono do tempo, nem dono dos homens, nem libertador dos oprimidos. Com eles se compromete, dentro do tempo, para com eles lutar”. Nesse sentido e ao contrário de muitos teóricos que enxergam o sectário e o radical quase da mesma forma, Paulo Freire antagoniza a posição dos dois, afirmando que o sectário é alienado, mas  o radical, por sua vez, é crítico e busca a construção e a transformação; por esse motivo, o radical poderá levar a leitura até o final, sem considerá-la mero “blablablá”.

                      Como já dissemos,  “Justificativa da Pedagogia do Oprimido” é o primeiro capítulo do livro que, inicialmente e como diz o próprio título desse texto, nos propusemos a tecer breves comentários.

                       O capítulo tem início com a reflexão sobre o fato do homem, a partir de sua humanização, começar a se propor, a si mesmo, como objeto do problema. Ou seja, os homens, a partir de determinado momento da história, passam a reconhecer que pouco sabem de si, e o reconhecimento de seu pouco saber sobre si mesmo, passa a ser uma das razões da procura de respostas; entretanto, respostas sobre si mesmos e não sobre o mundo que os cerca, como acontecia até então.

                        Por outro lado, constatar o processo de humanização é reconhecer, da mesma forma e com a mesma lucidez, que infelizmente existe, concomitantemente, também um processo de desumanização.

                         Assim, Freire nos coloca diante de mais duas palavras e situações antagônicas a serem pensadas e refletidas: a humanização e a desumanização.

                         É importante observar que, na busca por concretizar ou “materializar” a ideia de construção, de transformação, Freire vai nos guiando através da marcação de palavras fundamentais para nosso entendimento não só das suas ideias, mas também dos conceitos de cidadania e de dignidade. Palavras como conscientização, humanização, radicalismo, sectarismo, construção, transformação,etc, passam a ser vocabulário indispensável quando se trata de pensar e entender a emancipação social e intelectual, conhecida através do pensamento de Freire.

                         Ainda no mesmo capítulo, encontramos o subtítulo “A contradição Opressores- Opromidos. Sua superação”, no qual somos levados a observar que a violência dos opressores os faz desumanizados e não instaura nos oprimidos a vocação de serem menos. Pelo contrário, a violência sofrida leva os opriminos a lutar contra aqueles que lhes querem em posição inferior. Vale dizer, a violência dos opressores não traz e não tem como trazer nenhum benefício, nem mesmo a eles próprios.

                         Entretanto, a luta dos oprimidos só tem sentido quando, ao buscarem recuperar sua humanidade, não se sintam nem se tornem opressores dos seus opressores, mas restauradores da humanidade em ambos.

                          Segundo Paulo Freire, está aí a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos – libertar-se a si e aos próprios opressores.

                           E é nessa linha de pensamento que Paulo Freire nos conduz por todo o livro, demonstrando que a  debilidade creditada aos oprimidos é justamente a força que pode libertar a todos.

                            Pedagogia do Oprimido é leitura indispensável para todos que trabalham em educação e acreditam em uma sociedade mais justa e igualitária. 

Referência bibliográfica:

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2010.