O caráter autônomo do efeito translativo decorre de forma indiscutível do disposto no art. 515 , do CPC, que, na parte relativa à apelação, assim disciplina:

"Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

§ 1o Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro."

Tal efeito, diferentemente do que ocorre com os efeito devolutivo, que decorre do princípio dispositivo, advém do princípio inquisitório, através do qual, o órgão ad quem não se vincularia ao pedido. Nestes casos, aquele órgão seria autorizado a julgar matérias de ordem pública, uma vez que tais questões nunca estariam alheias ao controle jurisdicional. Ocorre que, com respaldo constitucional decorrente do disposto no art. 5º, XXXV, a jurisdição jamais poderia desapreciar lesão ou ameaça de direito, mesmo que, fora do solicitado pelo recorrente, tal apreciação venha a modificar a decisão exordial em detrimento de quem a solicitou.

Apesar de não claramente dito, o princípio da inafastabilidade da jurisdição acusa que toda e qualquer matéria reclamada retira o Judiciário de sua inércia inicial, porém a figura do Estado-juiz, frente a questões socialmente relevantes, tem a incumbência de agir, mesmo sem sua provocação.

Para alguns estudiosos, o efeito translativo seria nada menos que um aprofundamento do efeito devolutivo, o que vergastaria sua autonomia. Nesse sentido está a figura do escol doutrinário de Barbosa Moreira1:

"Não se pode mexer naquilo que não foi objeto do recurso, ainda que isso conduza a situações de contradição lógica. Se não houve recurso contra uma parte da sentença, mas verificou-se que faltava um requisito de validade do processo (por exemplo: o Ministério Público não foi chamado a intervir quando o caso era de obrigatória intervenção), nem por isso se está autorizado a anular a parte da sentença da qual não houve recurso. Essa já transitou em julgado, e só com ação rescisória é possível atingi-la."

Entretanto, não restaria dúvida quanto à autonomia do efeito translativo. Corroborando com esse entendimento, temos decisão do Superior Tribunal de Justiça2:

(...) As matérias de ordem pública, ainda que desprovidas de prequestionamento, podem ser analisadas excepcionalmente em sede de recurso especial, cujo conhecimento se deu por outros fundamentos, à luz do efeito translativo dos recursos. Precedentes do STJ: RESP 801.154/TO, DJ 21/05/08; RESP 911.520/SP, DJ 30/04/08; RESP 869.534/SP, DJ 10/12/07; RESP 660519/CE, DJ 07/11/05. (...).

Outro ponto importante é a figura do reformatio in pejus. Para muitos doutrinadores, tal instituto não pode existir, uma vez que a decisão que reformula outra inicial, além de estar vinculada ao que foi pedido em recurso, não poderia piorar a atual situação do recorrente, ou seja, não será viável a modificação para pior. No entanto, ao se falar em prejuízo, seria imprudente olvidar que, não obstante o direito individual ser afetado, dano maior seria a inobservância da fiel aplicabilidade do direito social, público. Reformar uma decisão para prejudicar um particular ou grupo de particulares, levando-se em conta a análise de pontos fundamentais a justa aplicação geral do direito seria, ao contrário, uma reforma positiva para a sociedade, portanto restaria erro em se dizer que houve prejuízo.

Podemos ver claramente a utilidade prática do efeito translativo dos recursos, quanto à sua autonomia, na efetivação do poder jurisdicional, já que, para questões de relevância política, diz-se pública, não há que se falar em julgamento exorbitante, ou decisão ultra petita. A análise da jurisdição acerca de temas socialmente importantes, tais como os pressupostos gerais para perscrutação jurisdicional, é, acima de tudo, um dever constitucional e não uma mera faculdade residual. Não está vinculada ao pedido direto do recorrente, mas sim ao pedido indireto e contínuo da sociedade, está vinculado ao clamor social e à eterna busca pela Justiça.

Em conclusão, temos que, a despeito da polêmica acerca do tema, podemos extrair do exposto a seguinte ideia: o efeito translativo possui caráter autônomo decorrente da Constituição e da Lei Adjetiva Civil e sua autonomia reflete também sua utilidade prática, uma vez que, não estando o Estado-juiz vinculado diretamente ao pedido particular nos casos em que subsistam questões de ordem pública, restaria ileso o princípio da inafastabilidade da jurisdição e a proba aplicabilidade do direito ao caso concreto, enfim... a materialização do que se tem por justo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Apelação: questões sobre admissibilidade e efeitos. Material da 3ª aula da disciplina Recursos e Meios de Impugnação, ministrada no curso de pósgraduação lato sensu televirtual em Direito Processual Civil – IBDP e Anhanguera-Uniderp|Rede LFG.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 1ª Turma. Relator Ministro Luiz Fux. Recurso Especial 1080808/MG. Acórdão publicado no Diário da Justiça do dia 03/06/09. Decisão unânime.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil – vol. II. 14. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil – vol. 3: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 5. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2008.

1 Apud BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Apelação: questões sobre admissibilidade e efeitos. Material da 3ª aula da disciplina Recursos e Meios de Impugnação, ministrada no curso de pósgraduação lato sensu televirtual em Direito Processual Civil – IBDP e Anhanguera-Uniderp|Rede LFG, p. 17.

2 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 1ª Turma. Relator Ministro Luiz Fux. Recurso Especial 1080808/MG. Acórdão publicado no Diário da Justiça do dia 03/06/09. Decisão unânime.