BREVES CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO RECURSO DE APELAÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Luis Arlindo Feriani Filho[1]

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar algumas das alterações envolvendo os recursos, especialmente o recurso de apelação, com a aprovação do novo código de processo civil.

Com efeito, a legislação trouxe diversas novidades, especialmente com o objetivo de imprimir maior celeridade e aproveitamento dos atos processuais. Necessário, portanto, compreender os reflexos das modificações para que se verifique se realmente representarão melhorias no processo como forma de resgate da sua efetividade.

PALAVRA CHAVE

ACESSO À JUSTIÇA – SISTEMA RECURSAL – RECURSO DE APELAÇÃO – NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

SUMÁRIO

Introdução - 1. Busca pelo resgate da instrumentalidade e correção dos vícios - 2. Os recursos e as regras gerais - 3. O preparo e a deserção - 4. Recurso de apelação – 5. Considerações finais – 6. Referências Bibliográficas

 

INTRODUÇÃO

A vida em sociedade, como se sabe, é da essência do ser humano e com a concentração maior de pessoas e a escassez de bens da vida naturalmente surgem desentendimentos que precisam ser resolvidos.

Felizmente, a maior parte dos conflitos são resolvidos diretamente pelas partes, inclusive em razão da renúncia ao direito, reconhecimento do direito alheio e principalmente pela autocomposição.

De qualquer modo, uma série de conflitos não são pacificamente resolvidos pelas próprias partes, fazendo surgir a imperiosa necessidade de organização de sistema capaz de permitir que um terceiro, alheio ao conflito, possa dar a solução que pareça mais adequada com base nas normas de conduta e visando o restabelecimento da paz social.

O agigantamento do Estado e sua organização fizeram com que ao Judiciário coubesse o conhecimento e solução de lesões ou ameaças a direito e, para tanto, o Estado –juiz se vale do processo, considerado como um instrumento por meio do qual se permite a prática de diversos atos processuais, pautados na lei, com o objetivo de contribuir e colaborar para que se possa melhor entender o ocorrido e, com isso, dar a solução definitiva para o caso.

Por diversos motivos, especialmente segurança jurídica e busca por maior aproximação com o ideal de justiça, o processo pressupõe a oportunidade para a realização de diversos atos pelas partes e que podem verdadeiramente influenciar no resultado final do processo.

A garantia ao duplo grau de jurisdição está dentro do contexto acima e se presta, dentre outros motivos, para minimizar o risco de arbitrariedades, corrupção, injustiça e até mesmo o  grau de inconformismo que naturalmente envolve aquele que sucumbe.

O sistema recursal brasileiro tem sido apontado como um dos grandes responsáveis pela morosidade da justiça e, em razão disso, o novo código de processo civil veio com a promessa de simplificação e maior respeito ao princípio da duração razoável do processo. Importante, portanto, verificar as principais mudanças envolvendo os recursos para que se possa perceber se realmente a nova legislação representará melhorias.

1. BUSCA PELO RESGATE DA INSTRUMENTALIDADE E CORREÇÃO DOS VÍCIOS

É preciso lembrar, incialmente, que embora o processo envolva a prática de atos processuais que exigem algumas formalidades para sua eficácia e validade, a sua eventual invalidade é sanção que somente pode ser aplicada, segundo a própria legislação, se houver a conjugação do defeito do ato processual com a existência de prejuízo. Por demais conhecida a expressão no sentido de que não há nulidade sem prejuízo.

A legislação processual preocupou-se, diante da própria finalidade do processo, em evitar nulidades e de lembrar ao magistrado de que, sem prejuízo, não se deve invalidar o ato processual, razão pela qual se fez constar que o juiz “considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade” (artigo 244).

Como um complexo de atos coordenados e tendentes a um determinado fim, ainda que sejam previstas regras formais para validade de cada um de seus atos, não se pode esquecer que cada um deles integra o todo e, por isso, deve também ser considerado apenas como um meio para cumprir determinada finalidade, ainda que mais restrita.

Aproveita-se, com isso, todos os atos praticados pelas partes e que alcancem o fim almejado sem causar prejuízo, em perfeita consonância com o que consta no artigo 154 da legislação processual, no sentido de que a forma determinada depende de previsão expressa da lei, reputando-se válidos os atos realizados de outro modo que preencham a sua finalidade essencial.

O Novo Código de Processo Civil, nesse ponto, além de seguir as mesmas diretrizes, reforça a imperiosa tentativa de aproveitamento máximo do processo, determinando que o julgador, ao dirigir o processo, deve determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais (artigo 139, inciso IX). No mesmo sentido, o artigo 188 da nova legislação processual estabelece que os atos e os termos processuais “independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial”.

Além disso, determina o artigo 317 que antes de proferir decisão sem resolução de mérito “o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício” e, ainda, que ao verificar a existência de irregularidades ou vícios sanáveis, “o juiz determinará a sua correção em prazo nunca superior a 30 (trinta) dias” (artigo 352).

Com as disposições acima o legislador deixou ainda mais claro que a validade dos atos processuais devem ter por base o alcance de sua finalidade, sendo certo que apenas em casos excepcionais a lei delimitará os requisitos formais para sua validade e a extinção do processo sem resolução do mérito, como também a inadmissão de recursos devem ser vistas como situações absolutamente excepcionais.

Indiscutível, portanto, que o processo, encarado apenas como um instrumento, deve permitir e facilitar a apreciação do mérito da causa, o que envolve cada um de seus atos processuais, inclusive aqueles relacionados a fase recursal.

Destacou-se, portanto, o princípio da instrumentalidade das formas e do aproveitamento dos atos processuais, o que certamente representará reflexos para o sistema recursal, sobretudo no que tange ao rompimento das dificuldades oriundas da chamada jurisprudência defensiva.

2. OS RECURSOS E AS REGRAS GERAIS

De maneira geral, é possível conceituar o recurso como sendo “o meio processual que a lei coloca à disposição das partes, do Ministério Público e de um terceiro, a viabilizar, dentro da mesma relação jurídica processual, a anulação, a reforma, a integração ou o aclaramento da decisão judicial impugnada.”[2]

O novo código de processo civil, em seu artigo 994, apresenta o rol de recursos cabíveis, quais sejam: apelação, agravo de instrumento, agravo interno, embargos de declaração, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário, agravo em recurso especial ou extraordinário e embargos de divergência.

            Percebe-se, em comparação com o CPC de 1973 a distinção entre agravo de instrumento e agravo interno, em razão da supressão do agravo retido, a expressão menção do agravo em recurso especial ou extraordinário e, ainda, a supressão dos embargos infringentes.

            Em verdade, a maior e mais profunda alteração está relacionada a mudança do regime da preclusão com relação às decisões interlocutórias e a supressão do recurso de agravo pelo regime do agravo retido, o que realmente deve representar significativa alteração na dinâmica do processo.

            A par das inúmeras discussões que sempre repousaram sobre a natureza jurídica dos embargos de declaração, em razão da finalidade de integração ao invés de meio de reforma, o legislador optou por manter no rol dos recursos, respeitadas as peculiaridades que lhe são próprias.

            Dentro das regras gerais, estabelece a nova legislação que os recurso não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso (artigo 995), com o que acena para o claro intuito de incentivo a execução imediata e provisória. Mesmo assim, se fez constar que a referida eficácia poderá ser suspensa por decisão do relator caso se demonstre a probabilidade de provimento do recurso e o risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação (artigo 995, parágrafo único).

            Com relação a legitimidade e interesse recursal, a legislação não apresenta grande novidade, sendo que, mais uma vez, restou consagrado o recurso adesivo para os casos de apelação, recurso especial e extraordinário.

            Restaram consagradas, basicamente, as mesmas regras envolvendo os pressupostos de admissibilidade, com algumas exceções destacadas ao longo do trabalho. Nesse sentido, destaca-se a menção expressa, por exemplo, a aferição da tempestividade do recurso remetido pelo correio a partir da data da postagem, o que deve representar maior tranquilidade aos advogados diante das jurisprudências oscilantes e resistentes por parte dos tribunais.

De qualquer maneira, a implantação sistemática do processo eletrônica deve superar qualquer dificuldade maior com relação ao acompanhamento e interposição de recursos, o que deve implicar na desnecessidade da própria aplicação do dispositivo.

Verdadeira inovação está relacionada aos prazos, uma vez que o artigo 1003, §5º, uniformizou os prazos ao estabelecer que, com exceção dos embargos de declaração, “o prazo para interpor os recursos e para responder-lhes é de 15 (quinze) dias”. A referida mudança atinge especialmente o recurso de agravo, em todas as suas modalidades, e tem por objetivo facilitar o controle e acompanhamento dos processos, embora já receba críticas em razão da possível inobservância do princípio da duração razoável, dada a ampliação dos prazos em comparação ao atual CPC de 1973.

Diante das inúmeras discussões jurisprudências travadas sob a égide da atual legislação, assevera o artigo 1003, §6º, que o recorrente deverá comprovar a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso. O comando, embora confira clareza para a situação, pode representar retrocesso se comparado com a evolução atual da jurisprudência, que já vinha entendendo possível a comprovação mesmo após a interposição do recurso, em benefício do recorrente e do aproveitamento dos atos processuais.

3. O PREPARO E A DESERÇÃO

            Por demais conhecida a dificuldade enfrentada no cotidiano forense com o recolhimento, preenchimento das diversas guias e correta comprovação do pagamento do preparo para as situações e recursos que a legislação exige.

Infelizmente, a jurisprudência, especialmente dos Tribunais Superiores, firmou posicionamento no sentido de que os equívocos no preenchimento das guias de custas provoca a deserção, dada a impossibilidade de correção em razão da suposta preclusão consumativa.

Lamentável verificar o distanciamento da justiça diante de questão absolutamente formal e que, infelizmente, acaba por representar negativa a prestação jurisdicional.

Apenas a título de exemplo, observe-se o julgado abaixo, da lavra do Ministro Luis Felipe Salomão:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREPARO. GUIA DE RECOLHIMENTO. NECESSIDADE DE PREENCHIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAÇÃO E CONTROLE DE PAGAMENTO. JURISPRUDÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. No caso, a deficiência no preenchimento da guia de recolhimento de custas, sem o nome da parte, o número do processo e o CPF/OAB/CNPJ, impossibilita vincular a referida GRCTJ ao processo em referência, maculando a regularidade do preparo recursal. Precedentes. 2. Agravo regimental não provido, com aplicação de multa. (STJ   , Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 11/02/2014, T4 - QUARTA TURMA)

Interessante observar que, no âmbito da Justiça do Trabalho, o posicionamento a respeito do tema se mostra muito mais condizente com o que se espera da justiça e do próprio processo, sendo pacífico, no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, que a decretação de deserção em virtude de irregularidade no preenchimento de guia representa ofensa a Constituição (artigo 5º, LV), senão vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DESERÇÃO DO RECURSO ORDINÁRIO. GUIA DARF. CÓDIGO DE RECOLHIMENTO INCORRETO. PROVIMENTO. 1. De acordo com o entendimento que vem prevalecendo nesta Corte, mesmo que conste alguma irregularidade no preenchimento das guias de recolhimento das custas processuais e do depósito recursal, mas delas constem elementos que possibilitem averiguar a eficácia do ato processual (artigo 244 do CPC), não há falar em deserção do recurso ordinário. 2. Destarte, a decisão regional que proclamou a deserção do recurso ordinário, por concluir pelo preenchimento incorreto do código de recolhimento, incorreu em ofensa ao artigo 5º, LV, da Constituição Federal, razão pela qual o recurso de revista merece ser processado para exame da matéria. 3. Agravo de instrumento a que se dá provimento. RECURSO DE REVISTA. DESERÇÃO DO RECURSO ORDINÁRIO. GUIA DARF. CÓDIGO DE RECOLHIMENTO. 1. Constatando-se que da guia de recolhimento das custas processuais juntada aos autos constam o número do processo, a Vara do Trabalho por onde tramitou o feito, o nome da empresa depositante, o nome do reclamante, a identificação do valor efetuado e a autenticação mecânica do banco recebedor, elementos que possibilitam verificar-se a eficácia do ato processual (artigo 244 do CPC), não há falar em deserção do recurso ordinário. 2. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 3338405820035010263  333840-58.2003.5.01.0263, Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 04/02/2009, 7ª Turma,, Data de Publicação: DJ 06/02/2009.)

Com claro objetivo de romper a defensividade apontada, o artigo 1.007, § 7o, do Novo Código de Processo Civil, estabelece que “o equívoco no preenchimento da guia de custas não implicará a aplicação da pena de deserção, cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de 5 (cinco) dias.”

Como se observa, passa a ser direito do recorrente a intimação para que, em cinco dias, tenha oportunidade de suprir o vício e demonstrar o cumprimento integral da legislação, o que se mostra extremamente saudável e coerente com princípios norteadores do processo.

Aliás, o legislador reservou especial atenção à deserção, trazendo inovações que devem representar significativa mudança no procedimento e na admissibilidade recursal.

Com efeito, continuará sendo no ato de interposição do recurso o momento para comprovação do recolhimento do preparo, inclusive porte de remessa e retorno, quando exigido pela legislação pertinente, nos termos do artigo 1.007.

Além disso, a mesma disposição já existente, permitirá que seja suprida a insuficiência no valor do preparo após regular intimação do recorrente, na pessoa do seu advogado (artigo 1.007, §2º).

A maior novidade, contudo, está no §4º do mesmo artigo, que confere o direito ao recorrente de ser intimado para realizar o recolhimento em dobro, caso não comprove o pagamento do ato de interposição do recurso. A pena de deserção, portanto, resta relegada como última hipóteses, de maneira a permitir até mesmo o seu recolhimento após a interposição e intimação, na pessoa do advogado, com a única diferença com relação ao montante, que passa a ser o dobro.

Para esta hipótese específica, eventual recolhimento a menor (insuficiente) não levará a nova intimação para complementação e não permitirá a sua efetiva complementação, nos termos do §5º, sendo que, de qualquer modo e em qualquer hipótese, o relator relevará a pena de deserção, por decisão irrecorrível, caso o recorrente comprove justo impedimento para efetuar o preparo (§ 5º).

Louvável as novas disposições da legislação processual que, não fosse a jurisprudência extremamente restritiva e defensiva, talvez sequer precisassem existir. Infelizmente, a postura dos tribunais acabou por implicar na criação de mecanismos que, se não forem utilizados com a necessária boa-fé e lealdade processual, podem implicar em prejuízo à duração razoável do processo, de maneira a permitir a sua utilização com o intuito de postergar o regular andamento do feito.

De qualquer modo, deve o julgador zelar para que, sempre que possível, seja apreciado o mérito recursal, ainda que, ao lado disso, sejam aplicadas eventuais penas pela litigância de má-fé das partes.

4. RECURSO DE APELAÇÃO

O recurso de apelação, essencialmente, é o meio de impugnação por meio do qual a parte, inconformada com uma parte ou a integralidade da sentença, provoca o seu reexame e possível reforma pelo órgão jurisdicional de segunda instância, de maneira a espelhar o que mais particularmente caracteriza o princípio do duplo grau de jurisdição, tendo em vista a amplitude do objeto do próprio recurso.

Interessante observar que, segundo o consagrado princípio da correspondência, cada recurso corresponde a um determinado tipo de pronunciamento judicial, de maneira que, originalmente, o recurso de agravo tem por correspondente a decisão interlocutória e a apelação corresponde à sentença.

O novo código de processo civil, contudo, embora reafirme a correspondência entre a sentença e a apelação (artigo 1.009, caput), apresenta significativa modificação ao estabelecer que “as questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões” (§1º).

Com o mesmo dispositivo, o legislador modifica profundamente o sistema de preclusões, o princípio da recorribilidade imediata das interlocutórias, o princípio da correspondência recursal e o próprio objeto da apelação.

Com efeito, em razão da extinção do recurso de agravo retido, com o objetivo de imprimir maior celeridade ao processo, optou o legislador em evitar a interposição de recursos imediatamente após a prolação de decisões interlocutórias que, em regra, não representem risco de difícil ou incerta reparação. Aproxima-se, com isso, de regra já consagrada na justiça do trabalho, embora com as características próprias e que podem representar algumas dificuldades para os jurisdicionados.

De qualquer modo, importa dizer, nesse momento, que o recurso de apelação envolverá tanto a própria sentença, como  também todas as decisões interlocutórias proferidas ao longo do procedimento e que não comportem recurso de agravo de instrumento. Posterga-se, com isso, o reexame das eventuais interlocutórias para o momento da apelação e somente se houver interesse e provocação das partes, o que deve ser expressado como preliminar nas razões ou contrarrazões da apelação.

Para tanto, não há necessidade, como se pretendia durante a tramitação do projeto do novo código de processo civil, de qualquer formalidade anterior, tal como a manifestação prévia da parte ou o chamado “protesto”.

Com a finalidade de expressar constantes discussões jurisprudenciais e doutrinárias a respeito do correto cabimento e eventual utilização do princípio da fungibilidade para os casos de sentença em capítulos, a nova legislação fez expressa menção ao cabimento da apelação mesmo quando constarem na sentença as questões mencionadas no artigo 1.015 (tutelas provisórias, rejeição de alegação de convenção de arbitragem, rejeição de gratuidade da justiça, exclusão de litisconsorte, admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros etc.).

Modificou-se, também, o processamento e o juízo de admissibilidade da apelação, de maneira a agilizar o procedimento e evitar novas discussões e recursos que, invariavelmente, acabam por provocar a análise por parte dos órgãos de segundo grau.

Nessa linha, estabelece a lei que o apelado será intimado para apresentar contrarrazões (sem prévio juízo de admissibilidade) e, em seguida, os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz “independentemente de juízo de admissibilidade” (artigo 1010, § 3o).

Esperava-se grande ampliação das possibilidades de execução provisória com a atribuição de efeito suspensivo apenas em caráter excepcional. Entretanto, o artigo 1012 reafirmou a regra geral de atribuição legal de efeito devolutivo e suspensivo ao recurso de apelação, permitindo a produção imediata de efeitos após a publicação da sentença nas hipóteses de homologação da divisão ou demarcação de terras, condenação a alimentos, extinção sem resolução do mérito ou improcedência dos embargos do executado, procedência do pedido de instituição de arbitragem, decretação da interdição e, por fim, a confirmação, concessão ou revogação da tutela provisória.

Mesmo assim, poderá ser requerida e deferida concessão de efeito suspensivo pelo  tribunal ou relator, caso já tenha ocorrido a distribuição, desde que demonstrada a probabilidade de provimento do recurso  ou, se relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação (artigo 1012, § 4o).

Com o objetivo de conferir maior celeridade e aproveitamento ao processo, prevê a nova legislação o dever do tribunal decidir o mérito, desde logo, se o processo estiver em condições de imediato julgamento, na hipótese de reformar sentença de extinção sem resolução do mérito, que decretar a nulidade da sentença considerada não congruente com os limites do pedido ou causa de pedir, que constatar a omissão no exame de um dos pedido, que decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação e, também, quando reformar sentença que reconheça a decadência ou a prescrição.

Embora louvável o desejo de imprimir maior celeridade ao processo, em respeito ao princípio da duração razoável, ao estabelecer como dever do tribunal apreciar o mérito nas diversas situações em que verdadeiramente não houve a sua apreciação anterior, a legislação acaba por institucionalizar verdadeira supressão de instância, o que representa violação ao próprio direito recursal e duplo grau de jurisdição.

Na realidade, não se trata de novidade, uma vez que o CPC de 1973 já contempla situação bastante assemelhada, embora não tão ampla. A justificativa é bastante razoável, considerando a demora decorrente da necessária anulação do julgado anterior e retorno dos autos à primeira instância para nova sentença. Entretanto, o preço pago pela desejada celeridade é considerável e acaba por implicar na quebra de valores e garantias que precisam ser preservados.

A respeito do assunto, Humberto Theodoro Júnior ensina que

Não pode o Tribunal, todavia, conhecer originariamente de uma questão a respeito da qual não tenha havido sequer um começo de apreciação, nem mesmo implícito, pelo juiz de primeiro grau. (...) A nulidade da sentença citra petita, portanto, pressupõe questão debatida e não solucionada pelo magistrado, entendida por questão o ponto de fato ou de direito sobre que dissentem os litigantes, e que, por seu conteúdo, seria capaz de, fora do contexto do processo, forma, por si só, uma lide autônoma. Só se anula, destarte, uma sentença em grau de recurso, pelo vício do julgamento citra petita, quando a matéria omitida pelo decisório de origem não esteja compreendida devolução que o recurso de apelação faz operar para o conhecimento deste Tribunal.[3]

            Especificamente a respeito do duplo grau de jurisdição, Fredie Didier Junior assevera que

Na verdade, o princípio do duplo grau de jurisdição não chega a constituir numa garantia, pois a Constituição Federal a ele apenas se refere, não o garantindo. A única Constituição que tratou do duplo grau de jurisdição como garantia absoluta foi a de 1824; as demais deixaram de se lhe conferir tal atributo. A atual Constituição Federal apenas prevê o princípio do duplo grau de jurisdição, não tratando de discipliná-lo como garantia. Sendo assim, é possível haver exceções ao princípio, descerrando-se o caminho para que a legislação infraconstitucional restrinja ou até elimine recursos em casos específicos.[4]

A despeito da consideração acima e que realmente espelha o real alcance do princípio do duplo grau, qualquer tipo de restrição deve ser bastante excepcional, como bem lembrou Rodrigo Barioni[5]

A restrição ao duplo grau de jurisdição deve ser autorizada em hipóteses especiais, em favor de uma melhor prestação jurisdicional. Isso não significa, como alerta Nelson Nery Júnior, que o legislador infraconstitucional poderá suprimir recursos pura e simplesmente, mas sim que em determinadas condições o direto ao duplo grau de jurisdição pode ser limitado, sem que isso implique em eiva de inconstitucionalidade. (...)

Ademais, a norma do §3º do art. 515 do CPC consiste em exceção do sistema recursal. Com isso, deve ser interpretada restritivamente, na clássica lição de Carlos Maximiliano: 'As disposições excepcionais são estabelecidas por motivos ou considerações particulares, contra outras normas jurídicas, ou contra o Direito comum: por isso não se estendem além dos casos e tempos que designam expressamente'.

O regime de nulidades processuais, portanto, é bem diferente daquele relativo ao exame da decisão que, equivocadamente, extingue o processo sem julgamento de mérito. Naquele, a sentença padece de invalidade (insanável), enquanto neste a sentença, embora contendo error in procedendo, é válida e apta a produzir seus efeitos regulares. Quando interposto recurso contra decisão nula, não pode o tribunal convalidar a nulidade. É indispensável, neste caso, que haja a repetição do ato, sendo proferida nova sentença sem o vício que a inquinara, pois, na expressão de Hélio Tornaghi, 'o mal é incurável'. Por esse motivo, inafastável a conclusão de que, para o mérito da causa ser apreciado pelo Tribunal, a apelação deve ser interposta contra uma sentença judicial validamente emanada.

A aplicação do §3º do art. 515 do CPC - como de resto qualquer pronunciamento que vise a substituir a decisão recorrida - pressupõe a existência de decisão válida. Se a decisão de primeiro grau padece de vício de existência (v.g.. falta de jurisdição do órgão que proferiu a decisão recorrida) ou de invalidade (casos de nulidade absoluta), não poderá o órgão ad quem simplesmente desconsiderar a existência desses vícios e passar ao exame do mérito. Reconhecida a nulidade, os autos serão obrigatoriamente encaminhados ao juízo de primeiro grau, para que seja proferida nova decisão. Por isso, não é aplicável analogicamente o disposto no §3º do art. 515 a esses casos.

 

Sopesadas as considerações acima, não tendo sido anteriormente apreciado o mérito da causa e em determinando que o tribunal o faça por meio da apelação, a situação acaba por representar clara supressão de instância porque, de um lado o tribunal não estará, verdadeiramente, reexaminando a sentença e, de outro, não será possível ao sucumbente se valer do princípio do duplo grau de jurisdição, valor absolutamente consagrado e que merece todo o cuidado para que se evite a sua própria banalização.

Causa receio, em verdade, a criação de mecanismos e alternativas que, sob o argumento de busca de maior celeridade, acabam por desrespeitar outros princípios e valores que conferem a segurança que é tão ou mais importante que a celeridade. Além disso, mais uma vez são combatidos alguns dos efeitos do retardamento do processo sem, contudo, qualquer cuidado com as verdadeiras causas da morosidade da justiça.

Com efeito, os dados apontados pelo Conselho Nacional de Justiça já evidenciaram, por exemplo, que durante o maior tempo de tramitação processual, os autos permanecem parados em cartório, o que reflete a falta de estrutura, capacitação, organização e também de gestão por parte do judiciário.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

            O novo código de processo civil representará, certamente, profundas modificações, sobretudo no que tange ao sistema recursal e a incessante busca pela estabilização da jurisprudência, com reforço do papel dos tribunais, especialmente dos Tribunais Superiores.

            Especificamente com relação aos recursos, significativos os apontamentos no sentido de maior aproveitamento dos atos processuais e a imperiosa tentativa de análise do mérito, de maneira a minimizar o rigor formal na análise dos requisitos de admissibilidade e, mais do que isso, permitir a correção de vícios e irregularidades, o que é bastante saudável.

            Além disso, a mudança do regime da preclusão  envolvendo o recurso e a manifestação de inconformismo em razão das decisões interlocutórias também merecem destaque, sobretudo porque, ao extinguir o agravo retido, a nova legislação apresenta profunda modificação no princípio da correspondência recursal e no próprio objeto do recurso que alcançará não só a sentença como também as decisões interlocutórias que não comportarem agravo de instrumento.

            Por fim, as hipóteses de supressão de instância foram ampliadas e estampam comandos dirigidos ao julgador, de maneira que a sua aplicação, em nome da celeridade processual, certamente representará quebra do duplo grau de jurisdição, a partir do momento que autoriza o julgamento por uma única instância, não sujeita a reexame e, além disso, descaracteriza a própria função do recurso de apelação de propiciar a revisão dos julgados de primeira instância.

            Resta, nesse sentido, aguardar a aplicação das novas regras para verificar se verdadeiramente representarão melhorias ou retrocesso no que tange a necessária busca pela efetividade processual.

           

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] Advogado, Professor de Direito Processual Civil da PUC Campinas, Doutorando em Direito Processual Civil pela PUC SP

[2] Nery Junior, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, n.31, p.212

[3] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

[4] DIDIER JR. Fredie. CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de Direito Processual Civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 3ª edição. Salvador: Editora Jus Podivm, 2007.

[5] BARIONI, Rodrigo. Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. Coordenação: Nelson Nery Jr., Teresa Arruda Alvim Wambier, São Paulo, Editora RT, 2005. p. 693.