BREVES ANÁLISES DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL 1 INTRODUÇÃO A participação da sociedade no contexto da Segurança Pública, determinada na própria Carta Magna de nosso país, logrou-se um grande avanço para o desenvolvimento das políticas públicas de Segurança, vez que a responsabilidade dos cidadãos, conferida no texto constitucional, lhes proporciona a possibilidade de, conjuntamente ao poder público, bem como a outros atores, atuar, direta ou indiretamente, nos processos legislativos, executivos e fiscalizatórios, de forma a garantir e preservar os direitos fundamentais, a dignidade humana, a universalização e a igualdade nesta seara. O artigo, a seguir, não enseja o esgotamento dos tópicos em questão, sobretudo pela importância que estes representam, nos permitindo, portanto, apenas uma breve reflexão sobre o assunto. 2 CONCEITO DE SEGURANÇA PÚBLICA As conceituações sobre a Segurança Pública durante a história da humanidade foram marcantes. Do latim secure, significa "sem medo", a concepção de Segurança Pública está associada ao poder de polícia. Já o verbete "segurança" no dicionário jurídico de De Plácido e Silva (SILVA,1963), indica o "[d]erivado de segurar, exprime, gramaticalmente, a ação e efeito de tornar seguro, ou de assegurar e garantir alguma coisa, sentido de tornar a coisa livre de perigos, de incertezas". A palavra segurança no meio jurídico revela-se como garantia, proteção, estabilidade de situação ou pessoa. Já a Segurança social seria a garantia de condições sociais dignas aos indivíduos. Em um âmbito mais específico, as penas a serem impostas a quem comete crimes são limitadas e também há limitações quanto à participação de quem a cometeu, oferecendo segurança aos cidadãos. Neste sentido, ninguém pode receber pena maior do que a preceituada para o crime que cometeu e cada indivíduo terá a sua pena, conforme sua culpabilidade. Além disso, a ampla defesa e o contraditório, a assistência judiciária gratuita, o julgamento por um tribunal, o cumprimento da pena em local salubre, a ressocialização, dentre outros direitos civis, políticos, sociais, culturais e religiosos, são garantias denominadas Segurança jurídica, as quais são contempladas na Constituição Federal de 1988. Com o Estado de Direito, embora o poder de polícia tenha sido limitado, a Segurança Pública passou a ter uma conotação acentuada, enfatizando valores sociais para tal promoção, a nível nacional e internacional, passando a ser definido como: [...] atividade administrativa do Estado que tem por fim limitar e condicionar o exercício das liberdades e direitos individuais visando a assegurar, em nível capaz de preservar a ordem pública, o atendimento de valores mínimos da convivência social, notadamente a segurança, a salubridade, o decoro e a estética (NETO, 1998:71). Em consenso com diversas correntes, NETO (1998:71) identifica o surgimento de uma nova conceituação sobre a Segurança Pública como sendo "ausência de perturbação e disposição harmoniosa das relações sociais", sendo, portanto, a garantia da ordem pública interna: [...] o estado de paz social que experimenta a população, decorrente do grau de garantia individual ou coletiva propiciado pelo poder público, que envolve, além das garantias de segurança, tranqüilidade e salubridade, as noções de ordem moral, estética, política e econômica independentemente de manifestações visíveis de desordem (NETO, 1998: 81). Contudo, quando se fala em garantir a segurança do cidadão e no combate à violência, a Segurança Pública, como prestação estatal, ainda é atribuída instantaneamente e tão somente aos órgãos policiais, quando na verdade, este conceito é muito mais abrangente, sendo competência do Estado a tarefa desta garantia. No artigo "A Constitucionalização da Segurança Pública no Brasil: paradigmas em conflito" (COSTA, 2011), do renomado especialista em Segurança Pública e professor de Pós-Graduação, o então Tenente Coronel Júlio Cézar Costa, salienta que este equívoco se originou no texto constitucional de 1988, o qual teria tratado superficialmente o tema da Segurança Pública, como destaca: Os constituintes de 1988 foram refratários ao formatarem a arquitetura do sistema de proteção social de modo não holístico, atribuindo não apenas de modo semântico, a responsabilidade pela preservação da incolumidade das pessoas, do patrimônio e da ordem pública exclusivamente aos órgãos policiais, desvirtuando o abrangente conceito de que ao Estado e não somente a uma parte dele ? os órgãos policiais - cabe a tarefa de garantir o socorro, a proteção e a assistência da sociedade. No mesmo artigo, o especialista observa o enquadramento constitucional do tema da Segurança Pública no mesmo capítulo que trata da defesa do Estado e das instituições democráticas e reprova tal atitude dos constituintes em virtude do conceito de defesa social repressivo em que vivemos, o qual destoa dos preceitos básicos do artigo 144 da CF/1998 (BRASIL, 2011b), como bem assinala: O enquadramento do capítulo da Segurança Pública no mesmo Título da Constituição Federal que trata da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, a nós parece incorreto, vez que na expressão maior de Lola Anyar de Castro( Prof.ª Dr.ª Lola Anyar de Castro, criminóloga venezuelana, em tese de doutorado publicada em 1969) o conceito de defesa social hoje em uso é repressivo e não condiz com o modelo paradigmático de uma Constituição que abriu, no Caput do artigo 144, o direito e o dever da participação popular.....em vez de estar abrigada no mesmo título que trata do Estado de Sítio, de Defesa e das Forças Armadas, a segurança Pública como atividade multifuncional e também popular deveria ser apropriadamente estabelecida em um espaço constitucional que tratasse da defesa da sociedade e da cidadania. Certamente que o assunto acerca do enquadramento do tema da Segurança Pública, suscitado acima, é deveras importante para a estruturação e estabelecimento de competências, haja vista a necessidade de medidas urgentes e emergentes para a contenção, controle e diminuição da violência, assegurando, ao mesmo tempo, a promoção, proteção e recuperação da Segurança Pública. No entanto, esse tema não será explorado, em virtude do objeto de estudo deste trabalho. Com o advento da Constituição Federal de 1988 o Estado passou a não ser o único responsável pela garantia da Segurança Pública, sendo conferido a todos os cidadãos o compartilhamento desta responsabilidade: Art. 144 ? A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida pela preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos... (BRASIL, 2011b). Assim, a Segurança Pública passou a ser um dever do Estado, em toda sua plenitude, mas também direito e responsabilidade de todos os cidadãos, que ao zelarem pela sua integridade física, moral e patrimonial, bem como a de outrem, estarão exercendo a tão citada cidadania, ao mesmo tempo em que mantendo a ordem pública. Em consonância com o que dispõe a Constituição Federal de 1988, e corroborando a afirmativa quanto à necessidade de integração e interação da Sociedade Civil junto às ações da Segurança Pública, bem como em seu controle, segue transcrito o artigo 124 e parágrafo único da Constituição do Estado do Espírito Santo (ES, 2011a): Art. 124. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, consiste em garantir às pessoas o pleno e livre exercício dos direitos e garantias fundamentais, individuais, coletivos, sociais e políticos estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição. Parágrafo único. Fica assegurado, na forma da lei, o caráter democrático na formulação da política e no controle das ações de segurança pública do Estado, com a participação da sociedade civil. Deve-se entender a definição de cidadania na Segurança Pública não somente como uma cobrança de direitos pelos cidadãos, mas a participação ativa destes indivíduos para analisar, sugerir, denunciar, compartilhar projetos, e se integrar junto aos órgãos públicos de segurança, visando uma pacífica e harmoniosa ordem pública. 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SEGURANÇA PÚBLICA No período colonial os capitães-mores, bem como as autoridades locais, eram nomeados pelas metrópoles e num ato de abuso e certeza de impunidade utilizavam-se de funções administrativas, judiciárias e policiais. Em decorrência dos tempos imperiais, os juízes eram nomeados e formavam-se milícias particulares, os quais exerciam também cargos de chefes de polícia com vistas à proteção da aristocracia rural. Já no período republicano, da República da Espada (1889-1891) e da República Velha (1891-1930), a segurança pública ainda se voltava a atender aos interesses privados das classes dominantes e dos oligopólios políticos no tocante à proteção à aristocracia. Da década de 1930 até o surgimento do Estado de Direito, continuou a proteção aos direitos privados de determinadas castas, tornando o serviço público de segurança uma defesa aos interesses privados, contrariamente ao que deveria ocorrer com esse sistema. Da era Vargas (1930-1945), do período populista (1946-1964) e do regime militar (1964-1985), quando o autoritarismo político imperava e a segurança pública apresentava cunho de Segurança Nacional militarizada, até a CF/88, pouco mudou em relação ao autoritarismo e abuso de poder. Segundo Maria Glaucíria Mota Brasil (2000), o autoritarismo dessas estruturas de abuso de poder se expande acentuadamente aos organismos policiais, os quais denunciam a prorrogação das práticas ilegais e da truculência no âmbito da Segurança Pública. Com a redemocratização, ocorrida após 1985, garantiram-se os direitos individuais, políticos, sociais, culturais, porém, as ilegalidades e abusos contra estes direitos continuaram a ocorrer, principalmente no tocante às organizações policiais, cujas reformas não acompanharam o caminhar democrático institucional, conforme afirma ADORNO (1995). Já com a Nova República, pós-1988, embora diversas mudanças políticas tenham ocorrido como o pluralismo político nas esferas municipais, estaduais e federais, os resquícios da ditadura militar sobressaíam através de alguns desses representantes políticos, mantendo assim práticas de violação aos Direitos Humanos, impedindo a consolidação do Estado Democrático de Direito. Prova disso é a transferência do poder dos militares aos civis, após 1979, quando com o fim do Ato Institucional Nº. 5 ? AI-5 (BRASIL, 2011a), no plano da Segurança Pública houve resistência, principalmente da Polícia Militar, visto que desde o Decreto Lei Nº. 667/1969 (BRASIL, 2011c), eram diretamente vinculadas ao Ministério do Exército Brasileiro. Somente a partir da CF de 1988 é que as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares passaram a se subordinar aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Contudo, continuaram sendo também forças auxiliares e reserva do Exército com formação, estatutos, códigos, inspetorias, hierarquia e disciplinamento próprios das Forças Armadas Militares (CF, 1988, art. 144, Inc. IV, § 6º), embora os órgãos auxiliares das forças federais tivessem a missão da repressão política, tendo sido criados centros de inteligência e células de combate à subversão, onde policias militares passaram a ter treinamentos em técnicas de tortura e contenção de violência. 3 CONCLUSÃO Visto que Segurança Pública no Estado Democrático de Direito objetiva a garantia de direitos e liberdades individuais (respeitada a ordem interna dos grupos, voltada para uma convivência pacífica e harmoniosa, visando a incolumidade física e moral dos cidadãos, bem como a de seu patrimômio), e considerando que esta atividade de proteção no Estado de Direito é reconhecida como uma atividade administrativa do Estado, ainda assim não podemos atribuí-la única e exclusivamente às chamadas forças da ordem - termo usado por Castel (2005) para exprimir o conceito de forças públicas do Estado que visam manter a ordem e o perfeito funcionamento da estrutura estatal. Comunga do mesmo pensamento o renomado Gilberto Cotrim em sua obra Filosofia para uma geração consciente: elementos da história do mundo ocidental (COTRIM, 1988)-, que são organismos policiais, embora legalmente criadas e preparadas para tais ações, pois a Segurança Pública é uma responsabilidade de todos e não somente dever do Estado . Assim, a partir do levantamento da evolução histórica da Segurança Pública e as políticas públicas aplicadas às épocas, o estudo aqui apresentado limitou-se a analisar a forma de estruturação das políticas públicas de Segurança no decorrer dos tempos, bem como a influência dos aristocratas, burgueses e coronéis nas escolhas dos comandos detentores do poder de polícia, em prol de interesses individuais e privados, quando então, logo identificamos peculiaridades com as atuais políticas públicas de Segurança, as quais apresentam resquícios dos tempos de outrora. 4 BIBLIOGRAFIA ADORNO, Sérgio. A gestão urbana do medo e da insegurança. São Paulo, 1996. 281p. (Tese de Livre-Docência ? Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo). BRASIL, Maria Glaucíria Mota. A Segurança Pública no "Governo das Mudanças": Mobilização, Modernização e Participação. São Paulo: PUC, 2000. 325 Págs. Tese (Doutorado em Serviço Social). BRASIL. Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968. Disponível em acesso em 13 de Maio de 2011. (2011a). ______. Constituição de 1988. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Capítulo III. Da Segurança Pública. Artigo 144. Brasília: Senado Federal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>acesso em 26.04.2011. (2011b). ______. Decreto-Lei Nº. 667/69 (Vinculação das Polícias Militares ao Ministério do Exército). Disponível em acesso em 13 de Maio de 2011(2011c). CASTEL, Robert. A insegurança social; o que é ser protegido? Tradução de Lúcia M. Endlich Orth. ? Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. COSTA, JÚLIO CEZAR. A constitucionalização da Segurança Pública no Brasil: Paradigmas em conflito. Artigo publicado. Apresentação em apostila oferecida ao Curso de Pós-graduação em Gestão integrada em Segurança Pública do Centro Universitário Vila Velha ? UVV/ES, em Maio de 2010. Acesso em 13 de Maio de 2011. ESPÍRITO SANTO. Plano de desenvolvimento Espírito Santo 2025: Agenda de Implementação, Governança e Plano de Comunicação. Espírito Santo: Macroplan, 2006. v.9 : il., color. ; 30cm. Disponível em < http://www.espiritosanto2025.com.br/novo/projeto_docs/ES2025V9AgendadeImplementacaoGovernancaePlanodeComunicacao.pdf>acesso em 13 de Maio de 2011 (2011a). NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Direito Administrativo da Ordem Pública. 3ed, Rio de Janeiro, Forense, 1998. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1963. 4v.