Luiz Carlos Cappellano

O Trabalho de Orientação Sexual na Rede Pública Municipal de Campinas iniciou-se de maneira tímida, em 1984 na EMPG (hoje EMEF) Padre Melico Cândido Barbosa, no Parque Tropical.

Segundo depoimento de Ricardo de Castro e Silva[1], que se constitui num marco em relação ao trabalho:

"Comecei em 1984, numa primeira sala de sexta série falando sobre masturbação. Estava com receio deste trabalho pois na verdade eu era um recém formado e a gente quando sai da faculdade demora acreditar que somos profissionais e que podemos trabalhar(...)desta turma de sexta série já saí para a escola e desta para mais três e das três para a Rede e daí para o mundo.(...)Das aulas de uma sala de uma escola municipal de Campinas, passamos a trabalhar com três escolas, depois com a rede toda e aí começamos a realizar os encontros de adolescentes do Programa de Orientação Sexual das escolas municipais de Campinas."

Pela fala do próprio Ricardo, podemos perceber que o trabalho foi sendo ampliado até tornar-se um Programa e abranger todas as EMEFs (Escolas Municipais de Ensino Fundamental) e várias escolas de Educação Infantil, em meados dos anos 90. Nosso município foi pioneiro, e serviu de referência para vários programas e projetos, de outros sistemas e redes de ensino, tanto públicas quanto particulares.

Em 1987 havia sido construído um projeto específico chamado AIDS: uma questão de Educação e, em 1992, a Câmara Municipal oficializou o ensino de Orientação Sexual nas escolas públicas municipais. A escola era obrigada a oferecer a Orientação Sexual a qual, porém, era optativa para o aluno, estando a participação nas aulas condicionada à autorização por escrito dos pais.

Naquela época, Orientação Sexual havia se tornado uma componente curricular, constando na parte diversificada do currículo das Unidades Escolares e tendo até mesmo espaço garantido na matriz curricular, com carga horária definida. Era uma necessidade que assim ocorresse, pois a nova LDB (a lei 9394/96) só entrou em vigor em 1996, e não havia ainda um espaço garantido para estas discussões, de forma sistematizada.

Segundo Silva[2] em 1995 havia 80 professores engajados no trabalho, sendo divididos em três grupos: de quinta a oitava séries, de terceira e quarta e um último de primeira e segunda séries. Esta divisão era oriunda da especificidade de cada faixa etária, o que fomentou também que houvesse um acompanhamento semanal para educadores da Educação Infantil, que trabalhavam Orientação Sexual com crianças de zero a seis anos.

Aconteciam regularmente os Encontros de Orientação Sexual, onde havia palestras, ciclos de debates, oficinas e demais eventos destinados aos educadores[3], os Encontros Municipais de Adolescentes da rede pública municipal participantes do Programa e os Encontros Nacionais de Adolescentes (ENA) que congregavam adolescentes de várias partes do país, de redes e sistemas que ofereciam projetos ou programas de orientação sexual ou de educação sexual, e os Fóruns de Adolescentes .

"Começamos a convidar outros grupos de outras cidades. Os primeiros foram Rio de Janeiro e Salvador. Aos poucos começamos a delinear os ENAS . Na avaliação de um dos ENAS , em Campinas, os grupos estavam reunidos e a fala era: queremos ser mais que um encontro anual de adolescentes, queremos ser um movimento no ano todo. Neste momento surge a idéia do MAB e logo no Ena de Rio Claro se constrói o nosso logotipo. Ficou como idéia durante um tempo, depois passou a ser realidade e hoje, Fevereiro de 2003 passa a existir institucionalmente. O interessante que já existia muito chão percorrido antes da institucionalização."[4]

Os Encontros Municipais de Adolescentes iniciaram-se em 1990 e já na sua segunda edição, em 1991[5] ensejaram os ENAs (Encontros Nacionais de Adolescentes) os quais foram realizados em Campinas de 1991 a 1996, portanto do I° ao VI°, tendo os seguintes temas:

lI° ENA, 1991 – Por que Orientação Sexual?

lII° ENA, 1992 - Conversando sobre paixão, sexo, drogas e rock n'roll

lIII° ENA, 1993 – Brasil, mostra a sua cara

lIV° ENA, 1994 – Adolescência, sonho e realidade

lV° ENA, 1995 - corpo, eu humano, eu brasileiro, eu masculino, eu feminino

lVI° ENA, 1996 – Adolescentes: Desejo e Transformação[6]

Este movimento gerado em Campinas não terminou. Dos encontros nacionais iniciados em nossa cidade, outros vieram e hoje estamos no XIX ENA. Este processo também produziu o MAB – movimento de adolescentes do Brasil que se constitui hoje numa rede que congrega 50 grupos e adolescentes e jovens de diferentes regiões do Brasil.

Com a extinção da COPPE (Coordenadoria de Programas e Projetos Especiais) e a mudança do organograma da Secretaria Municipal de Educação em 2001, o Programa foi sendo reformatado e, atendendo à necessidade de maior agilidade e de um tratamento mais articulado para as questões pertinentes à sexualidade humana, foi sendo valorizado o trabalho em rede. Nesta nova formatação, foram estabelecidas parcerias, tanto com Ongs quanto com outras secretarias, surgindo a Rede de Programas e Projetos de Orientação Sexual, que existiu até 2006.

Em 2004 havia 2240 alunos do Ensino Fundamental, 47 professores, 11 profissionais na Coordenação e 2 consultores, bem como 2550 alunos da Educação Infantil e 38 professores[7]. Temos também dados referentes ao ano de 2005, quando havia 1107 professores (27% dos professores da rede) envolvidos e 3044 alunos (4% dos alunos da rede), segundo arquivo do Departamento Pedagógico.

Nos 22 anos em que foi desenvolvido o Projeto/Programa foi atingido um público alvo de cerca de 75.000 alunos, trabalhados por aproximadamente 2.500 profissionais, os quais foram formados em serviço e que hoje são multiplicadores do trabalho, tanto como docentes quanto ocupantes de cargos de especialistas: Supervisores Educacionais, Coordenadores Pedagógicos, Diretores e Vice-Diretores e Orientadores Pedagógicos.

Ousamos dizer que foi deixada uma marca na organização escolar e na mentalidade de gestores e docentes da Rede Pública Municipal de Campinas, de tal forma que muitos dos conteúdos que eram explorados quase que exclusivamente pelo Programa, passaram a ser incorporado às demais componentes curriculares, de uma maneira tanto interdisciplinar quanto transdisciplinar, atendendo ao previsto pela LDBEN, lei 9394/96, e os PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais.

No ano de 2007 o Centro de Referência GLTTB de Campinas, órgão da SMCAIS, realizou, em parceria com a SME, o 1° Concurso de Redação para alunos da 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental, com o tema Eu respeito a Diversidade Sexual, com a participação de alunos de 18 escolas públicas municipais.

No ano de 2009 agregamoso antigo Rede de Programas e Projetos de Orientação Sexual, ao Programa MIPID[8], denominando-se hoje Projeto Sexualidade Humana, Gênero e Etnia, tendo como objetivos a reflexão pertinente ao Corpo e Sexualidade Infantil; Corpo e Sexualidade do Adolescente; Corpo e Sexualidade do Adulto e Idoso; Papéis de Gênero (masculino e feminino);Combate à homofobia; Racismo; A questão do negro; História e Cultura afro-brasileira.

O Programa encontra-se vivo e integrado aos Projetos Pedagógicos das Unidades Municipais de Educação, tanto de Educação Infantil quanto Ensino Fundamental, na forma da LDBEN e dos PCNs, conforme descrito acima, e ainda através do CEFORTEPE – Centro de Formação, Tecnologia e Pesquisa Educacional Professor Milton de Almeida Santos, que oferecetrês GFs (Grupos de Formação) em Sexualidade Humana, Gênero e Etnia, que funcionam quinzenalmente, e de maneira alternada, às quartas-feiras, das14h00 às 16h30 (iniciantes) e das 18h30 às 21h00 (um grupo para iniciantes e um grupo em continuidade), abertos a todos os profissionais, tanto de Educação Infantil (monitores, professores e especialistas) quanto do Ensino Fundamental .

Os professores responsáveis pelo GF, Luiz Carlos Cappellano e Sueli Aparecida Gonçalves, também realizam palestras, oficinas e dinâmicas sempre que solicitados, em várias escolas da rede. Somente no ano de 2009 , estiveram realizando trabalhos em 8 Unidades, sendo 2 de Ensino Fundamental e 6 de Educação Infantil.

Em 2009 inscreveram-se nos GFs 79 profissionais de aproximadamente 30 Unidades Educacionais diferentes e que cumpriram 60 horas-aula de formação . A equipe A foi composta preponderantemente por profissionais da Educação Infantil e a equipe B por profissionais do Ensino Fundamental, tanto de anos iniciais quanto finais e EJA.

Em 2008 em parceira com a TABA - espaço de vivência e convivência do adolescente foi realizado o concurso "Reprove a Violência Sexual", gerando 350 desenhos produzidos por 1200 alunos. No ano de 2009 foi realizado o segundo ano do concurso, gerando 150 histórias em quadrinhos referentes ao mesmo tema.

Bibliografia

CAMARGO, Ana Maria Facciolli & SILVA, Ricardo de Castro e (org.). Coletânea dos Trabalhos desenvolvidos no VII Encontro de Orientação Sexual. Campinas, SME-PMC/GEISH-UNICAMP, 1996.

SILVA, Ricardo de Castro e. A Orientação Sexual Vivida por Educadores e Alunos: Possibilidade de Mudanças. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Educação da UNICAMP, sob orientação da Prof. Drª Ana Maria Faccioli de Camargo. Campinas-SP, 1995.

SME-PMC-Campinas, Quando os adolescentes se encontram (revista). Ano I, nº 1, Campinas, Setembro de 1991.

SME/PMC Campinas, Escola Viva – Revista da Secretaria Municipal de Educação - Campinas – Julho de 2004.

http://www.redemab.org.br/XIV-ENA/ena.htm, acesso 16/03/2010, 15h30.


[1]http://www.redemab.org.br/html2007/entrevista/ricardo.htm

[2]SILVA, Ricardo de Castro e. A Orientação Sexual Vivida por Educadores e Alunos: Possibilidade de Mudanças. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Educação da UNICAMP, sob orientação da Prof. Drª Ana Maria Faccioli de Camargo. Campinas-SP, 1995.
[3]O VII Encontro de Orientação Sexual, realizado em 1996, deu origem a uma publicação conjunta SME-Campinas/GEISH (Grupo de Estudos Interdisciplinar em Sexualidade Humana) UNICAMP: CAMARGO, Ana Maria Facciolli & SILVA, Ricardo de Castro e (org.). Coletânea dos Trabalhos desenvolvidos no VII Encontro de Orientação Sexual. Campinas, SME-PMC/GEISH-UNICAMP, 1996.
[4]Ricardo de Castro e Silva, Op. Cit.
[5]Neste ano, concomitantemente ao evento, a SME-Campinas lançou a publicação Quando os adolescentes se encontram, uma revista de divulgação do trabalho de Orientação Sexual desenvolvido na Rede Pública Municipal.
[6]Fonte: http://www.redemab.org.br/XIV-ENA/ena.htm
[7]SME/PMC Campinas, Escola Viva – Revista da Secretaria Municipal de Educação – Campinas – Julho de 2004, p. 17.
[8]O Programa MIPID (Memória e Identidade, Promoção da Igualdade na Diversidade), tem como um dos seus objetivos propiciar ações para que a escola compreenda a diversidade étnico-cultural em seu interior; construir um acervo diversificado para registro da memória, pesquisa e produção realizada nos diversos espaços formativos, relatos de experiências e acervo literários específicos, viabilizando aos educadores / pesquisadores subsídios para o desenvolvimento de sua prática pedagógica; intensificar as reflexões no âmbito escolar com relação à diversidade humana e a pluralidade cultural. Produzir subsídios metodológicos e didáticos para a abordagem da Promoção da Igualdade na Diversidade; Identificar (re)significar os estereótipos e preconceitos nos materiais didáticos e pedagógicos; Sensibilizar os profissionais para a necessidade de se intensificar as reflexões no âmbito escolar com relação à diversidade humana e a pluralidade cultural.