Prof: Adriano de Araújo

Introdução:


Considerei necessário que o estudo do texto fosse desenvolvido a partir de um desdobramento conceitual, por meio das notas; pois na medida em que nos deparamos com termos filosóficos não usuais, ou até mesmo esquecidos, se torna vantajoso reforçar o que já foi estudado. Afinal, por se tratar de um pensamento clássico (de Santo Agostinho), convém evitar certos equívocos tão comuns entre os estudantes mais desatentos; pois vale lembrar que desde a decadência escolástica até nossos dias a linguagem filosófica se tornou cada vez mais equívoca, eivada de nominalismo.

Portanto, além de procurar reforçar o sentido correto do enunciado, também haverá o empenho em esclarecer o significado de correntes citadas e estabelecer alguns apontamentos críticos sobre o texto estudado.

O principal objetivo é introduzir o pensamento de Santo Agostinho, principalmente a noção de "interiorização" presente na "doutrina da iluminação" e demonstrar seus fundamentos, na perspectiva da manifestação do "Self", tão enfatizado por Charles Taylor no desencadeamento filosófico, isto é, na "construção da identidade moderna".

Desenvolvimento:

Conforme Taylor, Santo Agostinho foi influenciado pelas doutrinas de Platão por meio de Plotino[1], o que certamente corroborou no seu desenvolvimento espiritual.

Afinal, foi tal influencia que o libertou das concepções maniqueístas[2], e daí sua noção de Deus e alma exigiria uma concepção imaterial; pois "a oposição cristã entre espírito e carne devia ser compreendida com o auxílio da distinção platônica entre corporal e o não-corporal".

Santo Agostinho concebia um dualismo; ou seja, um reino superior em contraposição ao temporal, o imutável em contraposição ao mutável etc; também aderiu à idéia(eidos)[3] de Platão, tomando-a como pensamento de Deus, que é eterno.

Taylor alega que Santo Agostinho teria se impressionado com a história da criação na obra Timeu de Platão; pois mesmo diferente da doutrina Cristã, tal obra carregava elementos semelhantes. Considera ainda, que Santo Agostinho teria também se apropriado da "definição platônico-pitagórica do fundamento ontológico da criação" [4].

Afinal, a doutrina da criação ex nihilo conforma-se com a noção de participação (methéxis) de Platão[5]; desse modo, a criação participa do pensamento divino, já que é originada nas "idéias" de Deus[6].

Taylor também enfatiza a relação da criação originada pelo pensamento divino com a doutrina central do Cristianismo sobre a Trindade[7];vejamos em suas palavras:

"Se tudo participa de Deus e se tudo é, em sua forma particular, como Deus, então o princípio-chave subjacente a tudo é o princípio da participação ou da própria Semelhança. Mas o arquétipo da semelhança-a-Deus só pode ser o próprio verbo de Deus, originado dele e da própria substância que ele, isto é, a segunda Pessoa da Trindade, por meio de que todas as coisas foram feitas".

 

Daí decorre, segundo Taylor, que tudo deve ser entendido como Signo (signum)[8], ou seja, como a "expressão externa do pensamento de Deus".

Portanto, diferente do erro do maniqueísmo[9], tudo é bom, e organizado para o bem; afinal, Deus é bom e como todas as coisas originam-se da sua expressão, tudo é bom[10].

Taylor lembra que as afirmações do Gêneses I, "e Deus viu que era bom", conformam-se com a doutrina de participação platônica da idéia de Bem; com efeito, verifica-se a estrutura da idéia na própria Trindade.

Santo Agostinho, também faz uso da imagem do Sol (que é usada a respeito da idéia de bem apresentada na Republica de Platão); porém, a fonte de luz, principio ordenador de todas as coisas neste caso é o Deus Cristão.

Constata-se a relação desta luz platônica com a luz do primeiro capitulo do Evangelho de João[11]; isto é, aquela luz invisível, que promana da própria alma, e nos conduz a sua fonte, o Criador.

Como o mundo criado participa das idéias de Deus, há ordenação[12], o que implica na própria lei eterna; então, assumir a lei é ordenar-se a Deus. Assim, de acordo com Taylor, para Platão, como para Santo Agostinho, o "bem dos seres humanos envolve ver e amar essa ordem", pois se trata da visão da Razão (ratio)[13].

Em Santo Agostinho o amor é capital, o que não ocorre em Platão que preservava um certo equilíbrio entre amor e atenção.

Taylor procura explorar a continuidade entre as doutrinas dos filósofos (Platão e Santo Agostinho), e considera que "a oposição de espírito/matéria, superior/inferior, eterno/temporal, imutável/mutável é descrita por Santo Agostinho, não apenas ocasional e perifericamente, mas central e essencialmente em termos de interiro/exterior"; lembra também que o Santo faz distinção entre homem interior e exterior em (De Trinitate, XII. 1), o homem exterior é o animal, corporal, sensitivo, imagético, dotado de memória, jáo homem interior é a alma, aquele que possibilita a ascese, ora, quando nos voltamos para nós mesmos nos conduzimos do interior ao superior.

É no interior que encontramos a verdade, é o que esta dentro (intus) que importa em Santo Agostinho, pois é dentro de nós mesmos que vivenciamos Deus.

A partir daí, Taylor, resolve explorar mais as diferenças entre Platão e Santo Agostinho; reconhece que ambos admitem a relação de Deus e a idéia de Bem, de que Deus assim como o Sol também é fonte de luz; também encontram dificuldades em atingir a verdade, enquanto realidade mais elevada.

Em Platão o conhecimento do "princípio Supremo" é alcançado "observando o domínio dos objetos que ele organiza" (campo das idéias), tudo depende do nosso olhar, a visão da alma deve estar dirigida para o campo certo.

Em Santo Agostinho o conhecimento do "princípio Supremo" nunca é alcançado diretamente, com exceção, da experiência mística (aquele despojamento do próprio existir por amor a Deus, ou como o caso do apóstolo Paulo, na estrada de Damasco); mas é alcançado no "inter-legere" (no ler por dentro), no olhar do nosso interior; pois "aqui a luz de Deus não está apenas lá fora, iluminando a ordem do Ser, como está para Platão, é luz interior"; é a "luz que ilumina todo homem que vem ao mundo" (João 1,9).

Taylor observa que o encontro das Escrituras Sagradas com a Filosofia de Platão provocou grandes mudanças, principalmente no que concerne à metáfora da luz de Platão com a luz de João.

Portanto, verificasse que Santo Agostinho, "muda o foco do campo dos objetos conhecidos para a própria atividade de conhecer", valoriza-se a atitude reflexiva.

Em seguida, Taylor, faz uma apreciação dos modos mais radicais de "voltar-se para si mesmo", da atitude reflexiva, comum entre os antigos moralistas, e ainda cita Foucault que trabalhou com o tema do "cuidado consigo mesmo" [14]; considera que a vida moral mais elevada pode ser invocada a partir de não se dar importância às coisas externas (riquezas, poder, sucesso, prazer etc;) e "mais importância à própria condição moral", mais "cuidado consigo mesmo".

Também chama a atenção no modo de viver atual, na consciência que temos na relação com as coisas e de nós mesmos, enfatiza o "experimentar nossa experiência", o "concentrar-nos na forma como o mundo é para nós".

Trata-se de "assumir uma atitude de reflexão mais radical ou de adotar o ponto de vista da primeira pessoa"; o que importa é o reconhecer-se na primeira pessoa, pois certamente o que não (ou menos) importa, são as coisas exteriores (propriedades e poder).

Taylor considera que houve um despertar, uma "virada", de Santo Agostinho para o "Self", o qualcaracterizou uma verdadeira reflexão radical, o que tornou a "linguagem da interioridade irresistível"; pois ele considera que aquela "luz interior" equivale ao tornar-se primeira pessoa, já que significa "o estar presente para si mesmo" [15].

Assim, passa-se a conceber Santo Agostinho como precursor do pensamento moderno; ou seja, da tradição epistemológica desde Descartes e tudo que se originou dela na modernidade[16].

Taylor reconhece a importância do ato reflexivo proveniente da condição de primeira pessoa, pois considera que Santo Agostinho deu o "passo protocartesiano decisivo: mostrar ao interlocutor que ele não pode duvidar da sua própria existência, pois, se você não existisse, seria impossível ser enganado", ou seja, a verdade interior, condição da nossa existência, é sempre anterior ao erro[17].

Considera-se que Santo Agostinho tenha sido autor do "Cogito", já que tornou o ponto de vista da primeira pessoa essencial na busca da verdade.

A Verdade Suprema (Deus) é confirmada na experiência do conhecimento, no ato de conhecer contemplamos as verdades, e quanto mais adentramos em nosso próprio interior, mais a verdade se torna superior; logo, assentimos a existência de Deus, que é a Verdade propriamente, e que se encontra acima da razão humana. Como alega Taylor:

"... é nessa atividade paradigmática de primeira pessoa, quando luto para me tornar mais inteiramente presente para mim mesmo, para realizar todo potencial que reside no fato de conhecedor e conhecido serem um só, que chego da forma mais poderosa e convincente à consciência de que Deus esta acima de mim".

Taylor ainda salienta que, conforme Santo Agostinho, é na memória (aquela "luz dos espaços temporais") que voltamos para Deus, pois é onde a criatura reconhece o Criador, trata-se de um ato da alma que "lembra-se de voltar-se para o Senhor como para a luz pela qual foi de algum modo tocada, mesmo quando de costas para ele"[18]; desse modo mergulhar na memória leva para o além, pois o "caminho de dentro leva para cima"[19].

O princípio intelectivo interior é nosso mestre, Deus nos move para o inteligível; assim, quando nos voltamos para o interior, voltamo-nos para o princípio ordenador (Deus), e quanto mais interior, mais superior e verdadeiro.

Taylor considera a importância da interioridade em Santo Agostinho, pois alega que:

"Representa uma doutrina radicalmente nova de fontes morais, em que o caminho do Superior passa por dentro. Segundo essa doutrina, a reflexão radical assume novo status, porque é o espaço em que encontramos Deus, em que nos voltamos do inferior para o superior".

Desse modo, constata-se a relevância da compressão da tradição agostiniana no desenvolvimento da Filosofia moderna, pois a partir de Descartes já se verifica a transposição de tal tradição, pois o ocidente é inspirado pela espiritualidade agostiniana.

Também se considera as provas da existência de Deus na perspectiva cartesiana, sob influência agostiniana; aliás, Taylor menciona o movimento demonstrativo da existência de Deus também em outros filósofos modernos, e aponta a forte influencia agostiniana.

Assim, fica confirmada a antecipação agostiniana acerca das conclusões de Descartes, isto é, do proto-cogito; com efeito, as formulação das "idéias inatas" já estavam, de certo modo, presentes na memória de Santo Agostinho[20].

Conclusão:

Charles Taylor deixa explícito o seu objetivo, isto é, em fundamentar "as fontes do Self" no desdobramento Filosófico. Entretanto, não é possível ignorar certas realidades no estudo da Filosofia em função do intento do autor.

Afinal, é conveniente apontar certas realidades, como por exemplo, a de que Santo Agostinho nunca separarou a Filosofia da Teologia;ora, no séc. XVII, a reforma filosófica de Descartes obteve como resultado separar a filosofia da Teologia, pois recusando à Teologia o direito de controle e a função de norma negativa para com a Filosofia, isto equivalia a dizer que a Teologia não é uma ciência, mas simples disciplina prática, e que a Filosofia ou Sabedoria do homem é ciência absolutamente suprema que não admite outra que lhe seja superior (tomar a razão como ponto de partida é o erro que Santo Agostinho mais repudiava, ver notas: 2, 3, 15, 16) – Descartes, introduzia o principio de filosofia racionalista que pretende vedar a Deus o direito de nos dar a conhecer pela revelação verdades que ultrapassam o alcance natural de nossa razão; mas se Deus nos revela tais verdades, necessariamente a razão humana esclarecida pela fé trabalhará sobre elas como sobre princípios de conhecimentos, constituindo uma ciência que será a Teologia. E se a Teologia é uma ciência, é preciso reconhecer-lhe a função de norma negativa em relação à Filosofia, desde que a mesma coisa não pode ser verdadeira em Filosofiae falsa em Teologia"[21].

 


[1] Vale notar que "Santo Agostinho encontrou nas obras de Plotino,não a filosofia pura de Platão, mas uma síntese original de Platão,Aristóteles e dos Estóicos". GILSON, ÉTIENNE – Deus e a Filosofia. Lisboa/ Portugal: Edições 70; 2002.

[2] Acerca do maniqueísmo, Santo Agostinho reconhece haver recorrido aos inimigos da Igreja a fim de obter instrução("De utilitate credendi" 6,13);o que considerou mais tarde o maior erro, pois submeteu a doutrina da Igreja ao juízo imaturo de sua própria razão. Afinal, desejara começar pela ciência, e esta pretensão soberba resultou dos ensinamentos absurdos dos maniqueus. GILSON, ÉTIENNE – História da Filosofia Cristã . Petrópolis: Editora Vozes; 2004.

[3] A tradução exata do termo "Idéia" seria forma; pois em Platão seria algo que constitui o objeto específico do pensamento, a saber, a que o pensamento se remete de maneira pura, aquilo sem o que o pensamento não seria pensamento: em suma, a idéia platônica não é absolutamente um puro ente de razão. É um ser, antes, é o ser que é absolutamente, o verdadeiro ser. REALE, GIOVANNI –Para uma nova Interpretação de Platão (Capitulo décimo).

[4] Ver Do Livre-arbítrio, II.vii. 24 e II.xi.30ss.

[5] Acerca da "participação" devemos esclarecer que Platão considerava que os Universais só poderiam existir fora da realidade sensível, pois não poderia haver definição Universal naquilo que sofria uma contínua mudança; logo, houve a necessidade de sustentar outras realidades, as idéias (eidos),de tal modo que,os sensíveis existem ao lado delas e delas recebem seus nomes. Com efeito, havendo essa pluralidade das coisas sensíveis que teriam o mesmo nome das Idéias (formas), haveria uma "participação" (methéxis) nas formas ou como diziam os pitagóricos "imitação".

[6] Afinal, as idéias estão na mente de Deus, ora, não esta a idéia de estátua na mente do escultor, como também, na própria estátua? Ou, por acaso a estátua é informe? Não; a estátua não é informe; toda a realidade, toda coisa real possui certa forma. – MORENTE, G. MANUEL – Fundamentos da Filosofia (lições Preliminares).

[7] O mistério da Trindade é a doutrina central da fé Cristã. Sobre ele estão baseados todos os outros ensinamentos da Igreja. No Novo Testamento há freqüente menção do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Uma leitura atenta destas passagens escriturísticas leva-nos a uma inconfundível conclusão: cada uma destas Pessoas é apresentada como tendo qualidades que só a Deus podem pertencer. Mas se há apenas um só Deus, como pode ser isso?

A Igreja estudou este mistério com grande solicitude e, depois de quatro séculos de investigações, decidiu expressar a doutrina deste modo: Na unidade da divindade há três Pessoas - o Pai, o Filho e o Espírito Santo - realmente distintas uma da outra. Assim, nas palavras do Credo de Atanásio: "O Pai é Deus, o Filho é Deus, e o Espírito Santo é Deus, e, no entanto não são três deuses, mas um só Deus".

[8] Podemos entender signo (signum) como aquilo pelo que alguém chega a conhecer algo de outro.

[9] O maniqueísmo origina-se no dualismo de Maniqueu, que procura combinar com as idéias Cristãs o dualismo de Zoroastro (mazdeísmo), ou seja, os dois princípios eternos do bem e do mal.

[10] Para Santo Agostinho "nenhuma natureza é má e esse nome indica apenas a privação do bem" (De Civitate Dei, XI, 22);"todas as coisas são boas, e o mal não é substancia, porque se fosse substancia seria bem" (Confessionum,VII, 12). De fato, para o "Mestre do Ocidente" (como o Santo é conhecido) o malnão é propriamente uma natureza, mas a corrupção dela por meio do pecado; assim uma natureza má, é uma natureza corrompida, mas não seria má enquanto natureza, e sim naquilo que se degenerou. Portanto, a presença do mal é como as trevas, e do bem como a luz, logo, quanto menos luzmais trevas.

[11] "Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito. Nele havia a vida, e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam" (Evangelho de São João 1, 3:5).

[12] Devemos compreender o sentido clássico do termo "ordem"; de ordo é algo dinâmico, "em direção a", ordo ad...: ordo ad finem, ordo ad invicem, ordo ad alterum (dirigido a um fim, dinâmica recíproca, dirigido a outrem). Os antigos falam de ordem também como ordem moral, a dinâmica do agir humano de acordo com a realidade, de acordo com a natureza. E, portanto, o pecado aparece como um ato desordenado, ao qual falta ordem (actus inordinatus I-II,71,1); um ato não só contrário à ordenação de Deus, mas em que o próprio homem - em si mesmo, em seu interior - se desordena.

[13] O termo "Razão" (ratio) deve ser entendido no sentido diferente daquele apresentado pelos modernos, isto é, a razão do "racionalismo", nem sequer somente como a faculdade racional humana; pois nesse caso a "Razão" (ratio) é totalmente ordenada ao espiritual, afinal, a razão deve abrir-se e acender-se à verdade revelada, para construir como sabedoria infusa, a meditação e compreensão, no mistério da fé, da palavra que se revela e vive na Igreja do logos encarnado.

Assim, a "Razão" empregada por Santo Agostinho tem outra conotação e alcance; importa saber que o vocábulo grego Logos (razão, palavra) é empregado para designar a segunda Pessoa da Trindade que "se fez carne" em Jesus Cristo: o Logos não só é imagem do Pai, mas também princípio da Criação, o responsável pela articulação intelectual das coisas. E a Criação deve ser entendida também como essa "estruturação por dentro": projeto, design das formas da realidade, feito por Deus através do Verbum, Logos.o que nos distancia da interpretação de Taylor; que ao aproximar demais (a partir do conceito de "razão") Santo Agostinho e Platão parece não ter considerado tal aspecto misterioso, a Sabedoria Sobrenatural, que indubitavelmente, era inexistente no contexto de Platão.

[14] Ver Foucault – História da sexualidade, vol3, Cuidado de si, Rio de Janeiro, Graal, 1993.

[15] Ao enfatizar o Self na Filosofia agostiniana, Taylor ignora o verdadeiro sentido da "doutrina da iluminação", a qual foi elaborado sob o influxo de Platão, de Plotino e Porfírio, com um forte fundamento verdadeiramente Cristão; Santo Agostinho desperta (ou dá uma virada), de fato, para um contato com Deus no íntimo da consciência; pois as verdades imutáveis são alcançadas por um ato consciente de interiorização, no qual a razão (ratio) toma presença da consciência de Deus. É em virtude desta presença divina que a Verdade ou Deus, se dá a conhecer à razão, mediante à recordação que lhe dá acesso à infinidade de Deus.

Considerar a "luz interior" ignorando a presença de Deus, é o mesmo que afirmar iluminação sem luz. Afinal, o que é evidente em Santo Agostinho, não é "estar presente para si mesmo", mas estar presente para Deus.

[16] Decerto houve muita influencia no pensamento moderno com relação a Filosofia agostiniana, entretanto, convém notar os muitos desvios causados pela subjetividade moderna; e também, no fato dos modernos caírem no mesmo erro que o Santo caíra na sua juventude seguindo os maniqueus, ou seja,começar pela ciência humana (racionalismo) em vez da verdade suprema (Deus).

[17] Vale lembrar que tal postura é uma reação contra os céticos, afinal, "não há erro capaz de destruir a verdade implícita na própria possibilidade do erro, a saber: a existência do sujeito que erra. A verdade esta sempre um passo adiante do erro". "Na opinião de Santo Agostinho o ceticismo é uma reação do espiritualismo platônico ao materialismo estóico"GILSON, ÉTIENNE – História da Filosofia Cristã . Petrópolis: Editora Vozes; 2004.

[18] Ver De Trinitate, XIV. Xv.21.

[19]Convém notar que em Santo Agostinho não conhecemos por meio de recordação ou reminiscência do tipo platônico, mas por um outro tipo de recordação, isto é, um ato consciente de interiorização, no qual a razão toma consciência de Deus. É em virtude desta presença divina que a Verdade, ou Deus, se dá a conhecer à razão, mediante a "recordação" que lhe dá acesso à infinidade de Deus. GILSON, ÉTIENNE – História da Filosofia Cristã . Petrópolis: Editora Vozes; 2004.

[20] Decerto é tentador apontar as similitudes do pensamento do "Mestre do Ocidente" com as construções filosóficas dos modernos; entretanto, Santo Agostinho nunca duvidou da existência de Deus. Significa que, "para ele a existência de Deus é conhecida por todos os homens,com exceção dos que têm a natureza absolutamente corrompida, com essa ressalva a humanidade é unânime em reconhecer um Deus Criador. A questão da existência de Deus não constitui um problema para Santo Agostinho; mesmo que tenha se dedicado a tal questão de maneira muito pessoal" GILSON, ÉTIENNE – História da Filosofia Cristã. Petrópolis: Editora Vozes; 2004.

[21] A teoria da dupla verdade, segundo a qual a mesma coisa pode ser verdadeira em Filosofia e falsa em Teologia, foi inventada pelos averroístas da Idade Média, que queriam escapar assim das censuras da Igreja. Sob formas diversas ele foi retomado nos tempos moderno por todos aqueles que (como os modernistas atuais) querem conservar o nome de Cristãos e professar livremente a Filosofia as doutrinas destruidoras de tal ou tal verdade dogmática.