A escola jusnaturalista é por natureza racionalista. O jusnaturalismo possui longa tradição passando pelos filósofos gregos e desaguando em concepções modernas do inicio do séc. XX como Stammler e Del Vecchio. Pode-se dizer, em linhas gerais, que essa escola parte do pressuposto que existe uma lei natural, eterna e imutável. Entre eles é consensual a existência de um direito natural, o que divergeria seria a extensão deste direito. Para Kant, a liberdade era um direito natural; para Aristóteles, a escravidão era natural; para Locke, a propriedade privada era um direito natural...

 

O Dicionário Básico da Filosofia conceitua o direito natural como sendo:

 

“aquele que resulta da própria natureza do homem, superior a toda convenção ou legislação positiva [...]. Assim, para os teóricos do direito natural, o direito é o conjunto das leis necessárias, universais, deduzidas pela razão da natureza das coisas e que serviria de fundamento para o direito positivo.”(JAPIASSÚ, 2001).

 

A teoria jusnaturalista nos instruir que para que a lei seja concebida como tal é preciso que ela seja justa. Só a lei justa é válida, por isto muitos juristas classificam esta teoria como reducionista. Para a norma ser válida, o seu conteúdo, a sua matéria, deve ser justo. Daí o termo “validade material” da norma.

 

Um dos principais expoentes desta corrente é Gustav Radbrush que afirma que a lei injusta não é jurídica. E que

 

“quando uma lei nega conscientemente a vontade da justiça, por exemplo, rechaça os direitos do homem e é carente de validade (...) Há leis que possuem um caráter tão injusto e prejudicial que se faz necessário negar o seu caráter jurídico quando a justiça não é aplicada, quando a igualdade que é ao núcleo da justiça é conscientemente negada por normas do direito positivo, a lei não é somente injusta, mas carente de juridicidade.” (GUSTAV, 1999, P. 27-8) [1]

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Divergindo desta doutrina, os juspositivistas (ou positivistas jurídicos) fazem uma crítica radical. Eles demonstram que a crença em um direito natural, qualquer que seja sua origem é ingênua. Kelsen ao analisar a fragilidade do jusnaturalismo e conclui que a justiça é um conceito subjetivo. Alexandre Travessoni Gomes assevera que

 

“Por negarem o direito natural e a fundamentação do direito na moral, os positivistas, sobretudo Kelsen pregaram um fundamento de validade meramente formal, ou seja, que não determina o conteúdo da norma que fundamente”. (TRAVESSONI GOMES, 2007, p. 164).

 

 

Eles defendem um argumento de validade puramente formal. Neste sentido, o que constitui o direito enquanto tal é a validade, não no sentido de justiça como visto na teoria anterior, pois eles acreditam que os conceitos de justiça são subjetivos e irracionais. Eles não acreditavam em valores absolutos, pois valores de direito (que decorrem de norma jurídicas) acabariam por se distanciar dos valores de justiça (que decorrem de normas morais). Como há várias morais o justo estaria vinculado a um conceito plástico e mutável.

Muitos autores pátrios dizem que o conceito de vigência se esbarra com o de validade formal. Ou seja, para ser formalmente válida a lei precisa ter preenchido os requisitos técnico-formais. Segundo Miguel Reale:

 

“Validade formal ou vigência é, em suma, uma propriedade que diz respeito à competência dos órgãos e aos processos de produção e reconhecimento do Direito no plano normativo. A eficácia, ao contrário, tem um caráter experimental, porquanto se refere ao cumprimento efetivo do Direito por parte de uma sociedade, ao reconhecimento (Anerkennung) do Direito pela comunidade, no plano social, ou, mais particularizadamente aos efeitos sociais que uma regra suscita através de seu cumprimento" (REALE, 2002, pág. 114).

 

 

Cabe aqui comentarmos a distinção que faz José Afonso da Silva entre validade formal de validade material das normas. “A validade formal diz respeito às normas serem criadas de acordo com um procedimento preestabelecido por meio de autoridades competentes, ao passo que a validade matérial diz respeito à adequação do conteúdo das normas à Constituição.” (SILVA, 2000). Jürgem Habermas afirma que quando o direito positivo sucedeu ao natural, momento em que todos os meios passaram a ser monopolizados pelo Estado, esses direitos de usar a força transformaram-se em autorizaçao para iniciar uma ação judicial. Segundo ele o modo de validade do direito interliga-se com a força de um processo de normatização do direito, que tem a pretensão de ser racional, por garantir a liberdade e fundar a legitimidade. A tensão entre esses momentos, que permanecem distintos, é intensificada e, ao mesmo tempo, operacionalizada, em proveito do comportamento.

Para discernir adequadamente validade formal e validade material, Ferrajoli e Serrano restringem a validade formal à expressão vigência, resguardando a expressão validade para aquilo que acima se designou validade material (FERRAJOLI, 2002; SERRANO, 1999).

 

 

Kant supera o positivismo jurídico, antes mesmo do seu surgimento, defendendo fundamentos de validade que não são dogmáticos como os jusnaturalistas, nem formais como os positivistas. Ele é considerado pós-positivista. Ele faz da liberdade o fundamento supremo de sua ética e, por conseguinte, do Direito. Para ele o fundamento de validade do direito em Kant é transcendental. Travessoni nos ensina que “o imperativo categórico, que se funda na liberdade e legitima o direito, além de mandar a obediência à ordem jurídica, torna possível chegar, por seu procedimento, ao conteúdo de uma norma jurídica justa.” (TRAVESSONI GOMES, 2007, P.166- grifos meus).

Uma fundamentação transcendental do direito, como a de Kant, constitui parte da superação do positivismo jurídico, pois resolve o problema da busca da dimensão ética ao direito sem, contudo, adotar um direito natural heterônomo.

 

Com a complexização da sociedade foi necessário adequar os meios de validade normativa à nossa realidade. Pode-se dizer que, hoje, buscamos uma validade deontológia, ou seja, baseada no dever-ser da norma. Isto é feito através de grande auxílio dos princípios jurídicos. Segundo Wilson Rocha de Assis:

Os princípios, enquanto normas positivadoras de valores percebidos como fundamentais, emergem como enunciados imperativos, em face da carência de legitimidade verificada nas regras. A normatividade dos princípios aparece em várias circunstâncias, reorientando a racionalidade do intérprete, que se desloca dos critérios formais de validade de uma norma, para o seu substrato axiológico. 

Em suma, no direito pós-moderno só é possível jurisdição através do recurso aos princípios, única modalidade de norma capaz de, simultaneamente, normatizar a conduta humana e estabelecer uma situação de diálogo com o sujeito cujo comportamento se pretende validar. [2] 

 

Surge um conceito de validade procedimental das normas. Ora formal, ora material, sem ser nenhuma das duas. Ou seja, não se trata, aqui, de normas básicas conteudísticas. O princípio x como condição de validade de toda e qualquer norma, rege os discursos práticos, enquanto que o princípio y mobiliza os indivíduos para uma efetiva participação discursiva.  Como resultado, temos a ética do Discurso sem nenhuma orientação substancial ou conteudística, mas como afirmação procedimental que garante a imparcialidade da formação do juízo pelo exame da validade de normas consideradas hipoteticamente; logo, não se trata da produção de normas, mas, do exame das mesmas, de sua legitimidade. Ou seja, eles quebram com um rigor formal a priori das normas jurídicas. Conforme Marcos Cairs Luz

 

“Argumentações racionais não contraditórias, sistemáticas, não exclusivas ao texto legal dos artigos em conflito ou aos limites positivistas mecanicistas ou corrente diversa delegatária discricionariedade do parlamento ao juiz, onde dada inexistência de uma opção expressa e literal do parlamento incluída no texto desse normativo mais recente tornar-se-á necessário buscar a coerência do sistema com objetivo de trazer à lume, num juízo de ponderação de princípios, aquela decisão razoável, justa e legítima para o caso concreto dentro dos padrões do pós-positivismo, imperativo categórico e dos parâmetros traçados pela vigas mestras de sua construção.” (LUZ, 2008).

 

Ela não oferece uma resposta pronta para o ordenamento como um todo, que deve desenvolve-la de acordo com a necessidade de determinadas comunidades. Neste sentido os autores da norma seriam ao mesmo tempo autores e destinatários do direito, conforme nos enisina Jürgem Habermas. Segundo ele “somente as condições processuais da gênese democrática das leis asseguram a legitimidade do direito”. (HABERMAS, 1997, p. 326).

 

 

 

Referências Bibliográficas:

 

 

 

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

 

GUSTAV, Redbrick. Rechtphilosophie.1950, p. 336-53, apud BOBBIO, Norberto. Teoria General del Derecho. 1999, p. 27-8

 

HABERMAS, Jürgem. Direito e Democracia: entre a factidade e a validade. Rio de janeiro: Editora Tempo Brasileiro, 2003.

 

JAPIASSÚ. Hilton. DICIONÁRIO BÁSICO DE FILOSOFIA. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2001

 

LUZ, Marcos Caíres. O velho, useiro e vezeiro conflito entre o art. 32 da LCP e o art. 309 do CTB sob o ângulo positivista vs. pós-positivista. Revista Jus Navigandi. Extraído de http://jus.uol.com.br/revista/texto/11421/o-velho-useiro-e-vezeiro-conflito-entre-o-art-32-da-lcp-e-o-art-309-do-ctb-sob-o-angulo-positivista-vs-pos-positivista Acessado em 25/10/2010.

 

REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito, 26 ed., São Paulo: Saraiva 2002, pág. 114.

 

SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6ª ed. 3ª Tiragem.

São Paulo: Malheiros, 2004.08;

 



[1] No original: Wenn das Gesetz den bewußten Willen der Gerechtigkeit verweigert, zum Beispiel lehnt die Menschenrechte und ist in ihrer Gültigkeit fehlt (...) Es gibt Gesetze, die ein Charakter haben, so unfair und einseitig, dass es notwendig ist, ihren rechtlichen Charakter zu leugnen. Wenn die Justiz nicht angewendet wird, wenn die Gleichstellung ist der Kern der Gerechtigkeit bewusst wird durch Regeln des positiven Rechts verweigert, ist das Gesetz nicht nur unfair, sondern unzuständig. Ver: GUSTAV, Radbruch. Rechtphilosophie. 1950, p. 336-53.