Breve análise do livro "Do caráter subsidiário do Direito Penal" de Paulo Queiroz:

A história do Direito Penal surge com a evolução do pensamento de que a arbitrariedade não mais poderia reger a sociedade, que a vingança, pública ou privada, não teria mais lugar em vista do liberalismo que começava a se institucionalizar através da busca pela liberdade e garantias fundamentais.
A proporção entre o crime e o castigo deveria ser dosada, sem excessos, visto que muitas injustiças ocorriam e os desmandos do Estado prevaleciam sobre os cidadãos.
Na época do feudalismo os senhores feudais criavam suas próprias leis, e as impunham sem qualquer discricionariedade, e sem observância dos interesses sociais. A lei de Talião, "olho por olho, dente por dente", apesar de extremamente rígida, mostrou-se como marco para um avanço das relações econômico-sociais, pois foi a partir daí que se começou a pensar na proporcionalidade entre a pena e o castigo e sua interferência na realidade social.
No Brasil, até a Proclamação da Independência (1822), vigia o Livro V das Ordenações Filipinas. Daí, em 1830, surge o Código Criminal do Império, onde proclamava que nenhuma pena passaria da pessoa do delinqüente, nem seria aplicada se realmente não necessária, além disso, deveria ser proporcional ao delito, e as penas cruéis deveriam ser abolidas.
Porém, como se pode observar até os dias atuais algumas arbitrariedades ainda persistem, principalmente no ordenamento jurídico local. Um exemplo disto são os crimes patrimoniais praticados sem uso de violência ou ameaça que são punidos com pena de detenção ou reclusão.
Ora, se nesses crimes o bem jurídico tutelado é o patrimônio, e não a vida ou a saúde, ou mesmo a ordem social, então porque submeter o infrator a penas tão pesadas? Afinal de contas, nestes casos, o interesse da vitima é apenas voltar ao "status quo ante", ou seja, que seu patrimônio seja reintegrado ou restituído. Dessa forma, pode-se concluir que se o bem jurídico voltou ao seu real estado, então razão não há para ainda assim aplicar-lhe uma pena que restrinja sua liberdade, afinal há muitos se observa a ineficácia de tal conduta em relação à minimização ou redução de crimes patrimoniais (ou não); demonstrando flagrante desrespeito aos Direitos Humanos e contínuo uso da vingança, ainda hoje não superada.
O Direito Penal é um mal necessário, pois que apesar da sua fragilidade, práticas abusivas foram minimizadas e suas normas passaram a ter caráter coercitivo e sancionador, trazendo a tona um sistema de garantias que visa não só a proteção da vítima, mas também do delinqüente, através de vários princípios, como da presunção de inocência, contraditório e ampla defesa, proporcionalidade e razoabilidade da pena em relação ao dano causado e alguns outros; mostrando-se frágil, mas parcialmente eficaz, devendo incidir, porém, em situações-problemas, como afirma Paulo Queiroz:

"...o bom senso recomenda que se racionalize ou que se minimize, tanto quanto possível, o âmbito de intervenção do sistema penal, limitando-o àquelas "situações problemáticas" de absoluta irrenunciabilidade: terrorismo, seqüestro, homicídio, latrocínio etc., máxime sob a égide de um Estado que se quer "Democrático de Direito", que não se compadece com o emprego desnecessário ou desmedido da violência pública".

Daí depreende-se que o Direito Penal deve atingir esferas realmente necessárias à ordem social, valorizando princípios constitucionais maiores, como a vida, a dignidade da pessoa humana, a liberdade de locomoção, a integridade física..., em detrimento de atuações desmedidas que invadem o interesse patrimonial dos cidadãos, atuando de forma excessiva e brutal na punição dos delinqüentes destes delitos.
A função do Direito Penal é eminentemente política, visto que o direito se adequa a realidade social (política) para alcançar o seu fim, por isso estão intrinsecamente ligados, por força maior, até mesmo da CF.
Apesar disto, é uma das formas mais desiguais de atuação estatal para cuidar da segurança dos cidadãos, pois que visa alcançar a realidade social já num estágio elevado de desgaste social, amparando de forma tardia os interesses sociais, não alcançando, desta forma, a prevenção, muito menos atuando na ressocialização do indivíduo, ficando bases meramente teóricas para alcançar tais objetivos de controle social. O Direito Penal atua sobre as conseqüências, os sintomas dos conflitos, não lhe alcançando as causas, como afirma Paulo Queiroz. Para o autor deve-se prestigiar um "Direito Penal Mínimo", de forma a prestigiar a liberdade em favor da dignidade da pessoa humana, valor constitucional supremo, somente se admitindo a privação da liberdade quando extremamente necessário à ordem social, rezando assim o Princípio da Proporcionalidade, isto é, "nullum crimen, nulla poena sine necessitate".
Isso, de fato, demonstra o caráter subsidiário do Direito Penal, que além de prevê inúmeras penas para um mesmo delito, prevê ainda a criminalização de todo tipo de bagatela. Afinal, como afirma Jeffery, "quanto mais leis, mais penas, mais policiais, mais juízes, mais prisões, significa mais presos, mas não necessariamente menos delitos".
Paulo Queiroz afirma que o Direito Penal é altamente seletivo, podendo-se observar isto na realidade das penitenciárias, que comportam cada vez mais pobres, revelando verdadeiro instrumento de desigualdade social; confrontando-o com o art. 5º, caput, da CF/88, que declara ser "todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza", pressupõe-se de logo a desigualdade social e econômica de quem se quer igualar, afinal cada caso analisado é distinto do outro, devendo-se nortear a partir das circunstâncias dos fatos a prática do crime.
O sistema penal viola os Direitos Humanos pela própria maneira como se comporta; criminaliza tantas condutas, até as mais irrelevantes e esdrúxulas, sobrecarregando seus órgãos, incumbidos da repressão criminal, que não possuem a menor capacidade de absorver tantas demandas, pautadas em razões meramente estruturais (ou desestruturais), fazendo com que o mesmo exista para não funcionar.
Para os minimalistas, como Ferrajoli, o Direito Penal deve atuar quando estritamente necessário ao controle social, posto que se trate de um mal necessário, devendo racionalizá-lo ou minimizá-lo, reduzindo gradualmente as penas privativas de liberdade, buscando um modelo mais garantista, visando à prevenção dos delitos, não os remediando, como hoje ocorre. Isso, de certa forma, minimizaria as arbitrariedades e excessos no sistema jurídico penal. Seria, assim, um trânsito para o abolicionismo do Direito Penal.
Para os abolicionistas as teorias e fundamentos do Direito Penal deveriam ser suprimidos por outras instâncias formais e informais de controle social ou, ainda, por intervenções comunitárias ou instituições alternativas, já que fundada em bases falsas, conforme prescreve Paulo Queiroz. Para ele o que deve haver mesmo é a abolição de todo o sistema de justiça penal (judiciário penal, Ministério Público, polícia, penitenciárias, etc.), não só a extinção da pena ou do Direito Penal, haja vista que se trata de um problema social.
Para Baratta e Zaffaroni o minimalismo é o meio técnico para se alcançar o fim, que é o abolicionismo, em longo prazo.
Para uma grande parte da doutrina o Direito Penal é secundário, serve de complementação a todos os outros ramos, agindo sancionatoriamente na realidade social. O Direito Penal deve agir quando os outros ramos do direito não sejam eficazes para tutelar aquele bem jurídico fundamental, necessitando assim de uma proteção sancionatória superior ao ilícito cometido e suas conseqüências na sociedade. Principalmente, deve estar atrelado à Constituição Federal, atendendo os seus extremos limites legais e imposições constitucionais, agindo no bojo das suas atribuições.
Um fato dito ilícito não se refere somente ao Direito Penal, mas a todos os ordenamentos jurídicos, pois o conteúdo jurídico previsto num ilícito tem seu sentido e alcance fixado por todo o direito, de forma que havendo prescrição penal estender-se-á também a todas as outras normas jurídicas. Por isso, o Direito Penal apesar de subsidiário tem caráter autônomo científico (elabora seus próprios conceitos) e legislativo (edita suas próprias normas), mas comunicável a todos os ramos do direito.
E, quando os outros ramos não encontram sanções efetivas para o caso concreto posto, buscam, então, amparo e respaldo no Direito Penal, para conservação da Ordem Jurídica. Para Claus Roxin:

"Não se pode castigar ? por falta de necessidade ? quando outras medidas de política social, ou mesmo as próprias prestações voluntárias do delinqüente, garantam uma proteção suficiente dos bens jurídicos e, inclusivamente, ainda que não se disponham de meios mais suaves, há que renunciar ? por falta de idoneidade ? à pena quando ela seja política e criminalmente inoperante, ou mesmo nociva". "Esses postulados correspondem aos princípios de subsidiariedade e efetividade da pena estatal" (apud Paulo Queiroz).

Por isso mesmo, o Estado deve sempre intervir minimamente nas relações sociais.
Assim também para Francisco Conde Munõz (apud Paulo Queiroz):

"... O Direito Penal só deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes. As perturbações básicas mais leves da ordem jurídica são objeto de outros ramos do direito. Daí se dizer que o Direito Penal tem "caráter subsidiário" frente aos demais ramos do ordenamento jurídico".

Portanto, enrijecer o sistema penal não traz soluções benéficas à sociedade, do contrário gera mais desigualdade social e marginalização, ocasionando ainda mais revolta e dessocialização do homem, confrontando-se, inclusive, com o próprio Estado de Direito.
O Direito Penal tem caráter fragmentário, pois se ocupa, ou pelo menos deveria se ocupar, dos interesses jurídicos relevantes, ou seja, não de uma dada realidade, mas do que esta representa efetivamente no mundo jurídico, devendo eximir-se das bagatelas. Dessa forma, fica claro que a justiça penal decide os conflitos, mas não os resolve.
Em outros ramos do direito há diversas formas de soluções dos conflitos, no Direito Penal só há uma que é a prisão, coisificando, por conseguinte o conflito jurídico-penal e corrompendo ainda mais o indivíduo.
A prisão deveria ser a ultima ratio para o indivíduo que delinqüe, quando não se pudesse alcançar as demais formas de reparação do dano ou a restituição da coisa. Assim, afirma Paulo Queiroz que:

"... É razoável erigir-se, inclusive como estímulo, nos crimes sem violência ou grave ameaça à
pessoa, à categoria de autêntica causa de extinção de punibilidade, a reparação do dano ou a restituição da coisa. Porque quando (em tais hipóteses) se manifesta o arrependimento, é dizer, quando o agente voluntariamente manifesta o interesse de reparar o dano causado ou de restituir a coisa, se desnatura, perde de todo o sentido, a repressão e a persecução penais".

Não é justo, por exemplo, punir com pena privativa de liberdade o autor do furto, se o mesmo repara o dano ou restitui a coisa furtada, objeto de lesão patrimonial, se o crime não atinge a pessoa ou o bem público, bens jurídicos de maior relevância.
Se atualmente considera-se o arrependimento posterior, com a reparação voluntária, como causa de redução da pena, até o recebimento da denúncia ou queixa, então porque não ampliá-lo e equipará-lo aos crimes praticados contra ordem tributária em que ocorre a extinção da punibilidade quando do mesmo feito?
Ainda assim, a lei dos juizados especiais (lei 8099/95) fala em transação entre as partes, quando ocorre a composição dos prejuízos civis, que acarreta renúncia ao direito de queixa ou representação, então porque não estender-se aos crimes patrimoniais praticados sem uso da violência ou ameaça?
São, portanto, situações semelhantes tratadas de formas distintas no ordenamento jurídico. Pelas razoes já aduzidas conclui-se que casos assim semelhantes deveriam ser tratados de uma só forma, extinguindo-se a punibilidade, nos crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa, quando fosse reparado voluntariamente o dano ou restituída à coisa, podendo ocorrer, ainda, a transação entre as partes. Este é o pensamento de Paulo Queiroz. Inclusive, outros ordenamentos assim entendem, como o CP da Áustria, Portugal e Espanha; quanto ao furto, apropriação indébita, cheque sem fundo, subtração de energia, receptação e aquisição, dentre outros. Com isso percebemos o flagrante desrespeito à norma constitucional, de superior hierarquia, elevada a "direito fundamental", que é a violação ao Princípio da Igualdade, previsto no caput do art. 5º, da CF/88.
Existe crime mais grave que pagar imposto para tudo o que fazemos na vida, só faltando cobrar o ar que respiramos, por sinal num ambiente já bastante poluído, e o pior, sem contraprestação alguma prevista constitucionalmente, como educação, saúde, saneamento básico, lazer, etc., e nem por isso o Estado ser responsabilizado penalmente ou cumprir algum tipo de pena privativa de liberdade?
Este é um assunto que devemos pensar e tentar produzir, ou mesmo sensibilizar os legisladores a produzirem possíveis mudanças na estrutura sócio-penal da nossa realidade. Afinal de contas, viver num regime autoritário e altamente sancionador, com certeza, não é a melhor solução para mudar a ordem social e diminuir, assim, as desigualdades.