BRAZIL ON THE RISE: THE STORY OF A COUNTRY TRANSFORMED. 

(Palgrave Macmillan. New York, 2012. 292 p. ISBN 978-0-230-61887-9) 

André William Segalla [1]

 Escrevendo a respeito do Brasil e de seu período a frente do departamento das relações exteriores, Celso Amorim mencionou em artigo recente as palavras do jornal Francês Le Monde, pelas quais se diz que “o Brasil da era Lula não tem nada em comum com o Brasil de 2002 [2]”. Com essa afirmação, o ministro dá a entender que os grandes avanços políticos e econômicos do período abriram uma ruptura de época, e mudaram radicalmente o status quo desse grande emergente. Em consonância com a visão de Celso Amorim está o suplemento especial de 14 páginas da conceituada revista The Economist, de novembro de 2009. No dossiê em questão, o periódico abordou as grandes conquistas sociais, econômicas e políticas que fizeram o Brasil decolar e tornar-se um dos mais expressivos entre os Estados emergentes [3].

Na esteira das muitas publicações dedicadas a exaltar e mesmo questionar os porquês da grande virada brasileira está o curioso volume “Brazil on the rise: the history of a country transformed” de Larry Rohter, publicado em 2012 pela Palgrave Macmillan de Nova York. Rohter, repórter e comentarista especial do New York Times para assuntos latino americanos, conhece o país desde a década de 70. Morou durante quinze anos em solo brasileiro, é casado com uma brasileira e teve a oportunidade de viajar por diversos estados do Brasil, além de visitar a Amazônia e entrevistar presidentes, senadores e diversos Ministros de Estado. A despeito desse notável portfólio, Larry Rohter é mais conhecido por ter incitado a ira do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao escrever em 2004 a respeito de seu fraco por bebidas alcóolicas, situação essa, que na visão do repórter, era motivo de preocupação nacional [4]. Na época, o presidente Lula em um acesso de raiva ordenou sua imediata expulsão do país, ação impedida graças a uma ordem do Supremo Tribunal Federal.

A obra deste contraditório jornalista tem por objetivo apresentar um quadro geral do Brasil, dividindo suas 292 páginas em 10 capítulos, os quais enfocam desde detalhes tais quais questões comportamentais e morais do cidadão brasileiro, até sua recente história política e suas conquistas econômicas.  Na capa da edição de 2012 do volume de Rohter, está destacada a opinião do The Christian Science Monitor, a qual qualifica a obra como “acessível a um turista de primeira viagem, mas também balanceada e analítica o suficiente para qualquer brasileiro”. Em minha condição de brasileiro e leitor da dita obra, mantenho uma certa reserva acerca da “balanceada” análise e questiono diversas das alegações ali apresentadas, observando que a tal visão “analítica” não necessariamente se coaduna com a realidade do país em que nasci e passei integralmente três décadas da minha existência.

De fato, Larry Rohter tem uma vasta experiência de convívio com brasileiros e essa experiência poderia ter sido muito prolífica na execução de seu livro, caso ele não tivesse incorrido no maior dos pecados dos viajantes: analisar outro país pela ótica do seu próprio, isto é, comparar o Brasil com os Estados Unidos. Comparações entre países com histórias diferentes, construções políticas, sociais e morais diferentes geralmente não concluem com uma boa apreciação de uma das partes, uma vez que o autor julga um dos lados pela sua experiência com o outro. Nesse caso, o pecado de Rohter é acreditar que para ser bom, o Brasil precisaria assemelhar-se aos Estados Unidos.

Como exemplo claro das arbitrariedades do comparar, o autor na página 39 do volume, afirma que “as sociedades anglo-saxônicas mantém um ideal de justiça, igualdade de oportunidades e imparcialidade”, comparando tais atributos ao Brasil, país no qual as elencadas qualidades faltam desde sempre. Ele, entretanto, não menciona o fato de que seu país até os anos 60 do século passado ainda promovia separação entre assentos de negros e brancos em seus ônibus. Tampouco comenta ele a respeito das questionáveis motivações para as recentes investidas militares contra nações do Oriente Médio, as ações unilaterais dos EUA nos acertos internacionais, a precariedade e arbitrariedade do sistema de saúde que ignora os cidadãos de baixa renda e os desvios de verbas astronômicas por parte dos bancos naquele país. Também o autor menciona no capítulo “Sin and salvation South of the Equator” uma série de ignominiosos defeitos dos brasileiros, esquecendo-se de mencionar que nos Estados Unidos da América do Norte os mesmo também são vistos, e com muita constância: Corrupção, suborno, violência policial, racismo e promiscuidade. Do começo ao fim do livro, Rohter compara duas visões de mundo, e sempre afirma que o que de errado há no Brasil, causa espanto às sociedades anglo-saxãs, tão acostumadas que estão à “justiça e ao bem estar”.

Dentre a sequência de absurdos da sua grotesca comparação, o jornalista menciona com um certo tom de deboche, que o brasileiro tem determinadas inclinações sexuais aberrantes, com uma evidente queda para o sexo anal, coisa que prostitutas no Brasil sempre são requeridas a fazerem  por parte dos nacionais, mas nunca dos estrangeiros que as visitam (pág 53). Assim o habitante do Brasil é visto como um ser desonesto e malandro (pág. 38) que gosta de sexo anal, paga propinas, lê muito pouco (pág. 131), mantém milhares de trabalhadores em condição de escravidão na Amazônia (pág. 213) e que inveja grandemente a posição global dos Estados Unidos como grande potência hegemônica (pág. 228).

Se negássemos os problemas sociais do Brasil e sua terrível inclinação à corrupção em diversos setores, da política a polícia, certamente daríamos prova de ignorância. É preciso sim, reconhecer nossos dilemas e enfrenta-los. Entretanto, comparar, dissecar pelos olhos de outrem, julgar e emitir decretos sobre o que uma nação é com base na observação no que há de pior em seu povo é uma ignorância ainda maior. Como mencionou Tom Galt em um pequeno apanhado acerca das Nações Unidas, quando ele, cidadão americano estudou a história de seu país, fora ensinado que os mexicanos eram desonestos e perderam parte do território para os EUA em litígios muito justos. Entretanto, ao conhecer os mexicanos, ele viu que eles tinham pontos de vista opostos, colocando os americanos como causa de suas desgraças. [5] Para Galt, causava espanto que uma mesma situação pudesse ter dois lados, as vezes muito diferentes um do outro. Justamente essa capacidade de ver-se pelos olhos dos outros, é a grande falta de Larry Rohter em seu livro.

Apesar de toda sua experiência e capacidade de arguição, Larry Rohter ainda conhece muito pouco sobre o Brasil, e quase nada sobra de seu livro quando o analisamos sob a ótica da neutralidade, sem apelar para o pedantismo e a criação de estereótipos. O patriotismo americano, como bem se observa nos seus livros escolares, está muito distante da verdade da história. Essa é contada sempre, como convém ao olhar dos descobridores. Para Rohter, o Brasil aparentemente ainda é a terra da cocanha, cheia de criaturas estranhas e de costumes estranhos. Um verdadeiro panfleto quinhentista, do bom e autoproclamado superior homem branco, saxônico e cristão.



[1] Bacharel em Relações Internacionais. Mestrando em Filosofia pelo PPGFIL, Universidade de Caxias do Sul  UCS, RS.

[2] AMORIM, Celso. Brazilian Foreign policy under president Lula (2003-2010): an overview. Rev. Bras. Polít. Int. 53 (special edition): 214-240 [2010]. P 214.

[3] Brazil Takes off: Now the risk for Latin America’s big success story is hubris. The Economist, 14th-20th November, 2009.

[4] PERES, Leandra. Afasta de mim este cálice: Impulsividade de Lula e assessores tresloucados transformam uma questão prosaica criada por reportagem do New York Times em uma grande crise. Veja, Edição 1854 . 19 de maio de 2004. Disponível em http://veja.abril.com.br/190504/p_036.html

[5] GALT, Tom. How the United Nations Works. New York: Thomas Crowel Company, 1955. Pág .10.