BRASIL – UNIÃO INDISSOLÚVEL NAS ENTRELINHAS[1][2]

 

RESUMO

Este trabalho tem por finalidade analisar a possibilidade de secessão e criação de novo país, com a separação de alguns Estados-membros da unidade federal, ante a manifestação de vontade de habitantes da Região Sul do Brasil, por plebiscito informal, realizado no início do mês de outubro de 2016. Para tanto, com uso do método bibliográfico, buscou-se informações via internet nos sites que tratam do assunto, bem como doutrina pertinente à matéria, a fim de extrair relatos históricos, dados e fundamentos que confirmassem, ou não, a possibilidade de cisão nacional pelos idealizadores do plebiscito informal realizado. Com o levantamento de dados adquiridos, houve revelação de bastidores, entrelinhas, que auxiliaram a compreensão da forma pela qual estão dispostas a repartição de competência e a separação de poderes, nos quais o controle intrínseco é da União e cuja intervenção é pela unidade, haja vista mantém todos os elementos necessários para coibir qualquer ato em sentido contrário. Face aos resultados apurados, pode-se afirmar que a pretensão de criar novo país pelos estados que localizados na Região Sul do Brasil não passa de uma utopia, sujeita a incalculáveis consequências caso a tentativa ocorresse. Logo, impossível a separação pois a indissolubilidade brasileira está presente também nas entrelinhas.

Palavras-chave: Brasil. União. Indissolúvel. Secessão. Intervenção.

 

1 INTRODUÇÃO

BASTA DE BRASILIA O SUL É O MEU PAÍS”. Capturada por uma lente fotográfica, esta frase consta duma faixa exposta durante a realização de plebiscito informal, no início do mês de outubro do ano 2016, que visava a criação de um novo país formado pelos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, separando-os assim do resto do Brasil. Este fato foi noticiado também pelo Jornal Folha de São Paulo.

Segundo informa Paula Sperb: “Se dependesse de 95,75% das 617.543 pessoas que votaram no plebiscito informal do último sábado, um novo país seria criado com a separação do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná do resto do Brasil.” (SPERB, 2016)

Nos últimos anos, especialmente no ano de 2016, o Brasil tem enfrentado algumas crises notórias, com destaque para a economia e a política. Da última, registra-se o “impeachment” da Presidente Dilma Rousseff, a cassação do mandato e prisão do Ex-Presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, e a deflagração da reveladora Operação Lava Jato que tem levado à prisão inúmeros políticos participantes de quadrilhas fraudadoras dos cofres públicos. Cediço que alguns “caciques” ainda poderão sentir o peso da “clava forte da justiça”.

No que tange a economia, as tidas “pedaladas fiscais” foram a “gota d’água”, que serviu para revelar o que estava por trás da maquiagem aplicada sobre as finanças nacionais[3].

Em tempos de pós-modernidade outras crises de suma importância para a subsistência da sociedade existem, como a moral, a ética, a familiar, dentre outras. No entanto, a economia e a política permanecem em destaque, haja vista serem causadoras dum estado de insatisfação demonstrado por muitos brasileiros com os governantes, a ponto de tencionarem causar uma cisão nacional, como visto.

Diante da pretensão demonstrada de um incisivo racha do país surge a questão quanto a possibilidade de tal acontecer no Brasil. É o que será verificado nas linhas seguintes.

 

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 ANÁLISE HISTÓRICA

O Brasil, após sua Declaração de Independência, teve a primeira Constituição promulgada pelo imperador D. Pedro[4], momento em que as províncias do império monárquico passaram a ser governadas por um presidente nomeado pelo imperador, estabelecendo, em ato contínuo, eleições indiretas e censitárias, onde somente grandes proprietários de terra participavam. Nela, ainda permanecia a centralização do poder ao império, apesar de já haver ideia da futura forma federativa.

Pedro Lenza faz breve relato histórico do momento em que se transicionava do Império para a República, que originou a Constituição de 1891, quando enfim a forma federativa tornou-se estabelecida definitivamente no solo brasileiro:

Provisoriamente, a Federação no Brasil surge com o Decreto n. 1, de 15.11.1889, decreto este instituidor, também, da forma republicana de governo. A consolidação veio com a primeira Constituição Republicana, de 1891, que em seu art. 1.º estabeleceu: ‘A nação Brazileira adopta como fórma de governo, sob o regimen representativo, a República Federativa proclamada em 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas províncias, em Estados Unidos do Brazil’. (LENZA, 2009. p. 291, 292) (grifo do autor)

É interessante observar que o Brasil não foi o primeiro a se tornar Estado Federal. O Federalismo, como assim é chamado, é forma adotada tendo como uma de suas justificativas o contexto e relevo geográfico, que motiva a união de porções territoriais inferiores. Vale a frase, “a união faz a força”.

Os registros históricos indicam que os Estados Unidos da América, percebendo a necessidade de um governo único e eficiente decidiram por se unir, visando o bem comum de cada colônia, que detinha sua soberania e autonomia. Na intenção de manterem a soberania, formaram uma Confederação (união de várias federações), porém perceberam que não atendia às necessidades que almejavam. Por fim, abdicando da soberania, mantiveram a autonomia e adotaram a forma federativa. É o que leciona Gilmar Mendes:

“O federalismo tem as suas primeiras origens nos Estados Unidos. Surgiu como resposta à necessidade de um governo eficiente em vasto território, que, ao mesmo tempo, assegurasse os ideais republicanos que vingaram com a revolução de 1776.

Para garantir a independência então conquistada, as antigas colônias britânicas firmaram um tratado de direito internacional, criando uma confederação, que tinha como objetivo básico preservar a soberania de cada antigo território colonial.

(...)

A confederação estava debilitada e não atendia às necessidades de governo eficiente comum do vasto território recém-libertado. O propósito de aprimorar a união entre os Estados redundou na original fórmula federativa, inscrita pela Convenção de Filadélfia em 1787 na Constituição elaborada, conforme se vê do próprio preâmbulo da Carta, em que se lê: ‘nós, o povo dos Estados Unidos, a fim de formarmos uma União mais perfeita...’.

Os antigos Estados soberanos confederados deixaram de ser soberanos, mas conservavam sua autonomia, entregando a uma nova entidade, a União, poderes bastantes para exercer tarefas necessárias ao bem comum de todos os Estados unidos. Passaram, por outro lado, a compor a vontade da União, por meio de representantes no Senado.” (MENDES, 2014. p. 801) (Grifado pelo auto)

Logo, há mais de cem anos existia, e aperfeiçoava-se, a forma de Estado Federal. Destarte, talvez até pelos motivos observados na América do Norte, o Brasil que era república, também quis adotar a forma confederativa.

Nota-se que a intenção é promover a unidade, que se tirar um pedaço do todo, a união finda.

2.1.1 A revolução farroupilha

A vontade de separar o Sul das demais regiões brasileiras é alimentada por décadas, começando pela frustrada Revolução Farroupilha[5], que durou de 1835 a 1845. Desse período, recorte histórico extraído da rede mundial de computadores, a internet, revela que os separatistas intitularam o Estado do Rio Grande do Sul de “Nação Rio-Grandense”, deixando claro que, para eles, aquela região deveria ser outro país. Veja-se:

“Em 9 de setembro de 1836 os farrapos, comandados pelo General Netto, impuseram uma violenta derrota ao coronel João da Silva Tavares no Arroio Seival, próximo a Bagé. Empolgados pela grande vitória, os chefes farrapos no local decidiram, em virtude do impasse político em que o conflito havia chegado, pela proclamação da República Rio-Grandense. O movimento deixava de ter um caráter corretivo e passava ao nível separatista.” () (grifo do autor)

Neste ponto oportuna-se breve verificação à legislação nacional de outrora, principalmente contemporânea aos “Farrapos”, a fim de verificar o que regulava sobre a temática.

O Brasil já teve como Lei Máxima as seguintes constituições, por respectivos anos de aprovação: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988.

Assim, tomando como base textos das constituições históricas já vigorantes no solo pátrio, ou este por extensão, o doutrinar de Cretella Junior (1988, p. 130/131), clareia-nos a ideia revelando que, em todas havia a ideia de “união”, porém, nem todas coibiam a dissolução de tal unidade:

“Notem-se assim, nas várias Constituições Brasileiras, os vocábulos ‘união’ (com ‘u’ minúsculo) e ‘União (com ‘U’ maiúsculo), o primeiro termo unívoco e não técnico (= agrupamento, agregado, junção, aglutinação, justaposição); o segundo termo equívoco, mas técnico, tendo os mais diferentes sentidos. A expressão ‘união indissolúvel’ ressalta, de modo claro, a traço típico que une, permanentemente, perpetuamente, os Estados-membros ao Estado Federal, porque esse tipo de Estado é que estabelece o pacto sobre o qual se assenta. No Estado Federal, o pacto transforma-se em Constituição e, enquanto tal, pode ser modificado nos termos e na medida em que a própria Carta Magna, editada pela União, estatuir, excluindo-se, desde logo, porque incompatível com a própria idéia de Federação a mais remota possibilidade de secessão, como ocorre na Confederação de Estados. A Constituição de 1891, ressaltando a diferença entre o anterior Estado Unitário, da Monarquia, e o posterior Estado Federal, implantado pela República, usou a expressão nítida ‘União perpétua e indissolúvel’ dos Estados Federados, antes Províncias Imperiais, fórmula reiterada nas Constituição de 1934 e de 1937 (‘União perpétua e indissolúvel dos Estados’), esquecida na Constituição de 1946, mas revivida na Constituição de 1967 e mantida na EC n.º 1 de 1969 (‘União indissolúvel dos Estados, Distrito Federal e dos Territórios’).

Ocorrendo a ‘dissolução’, a separação, desaparece a ‘União’, deixa de haver o Estado Federal, que é precisamente a ‘união indissolúvel’ das unidades federadas.” (Grifos autorais)

Diapasão no qual é necessário registrar que a “Nação Rio-Grandense” foi declarada durante o período da conhecida “era Vargas”. Esta, por causa de Getúlio Vargas[6][7][8] que, dentre outras coisas, foi Ministro da Fazenda do Brasil entre 1926-1927, Governador do Rio Grande do Sul entre 1928-1930, o 14º Presidente do Brasil entre 1930-1945, chegando a ocupar a cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras – ABL, e, o 17º Presidente do Brasil entre 1951-1954, tornando-se um ícone sulista, quiçá nacional.

Justamente, entre um e outro governos presidenciais de Vargas que foi suprimida, ou esquecida, do texto constitucional, a indissolubilidade do Brasil. Todavia, durante a Ditadura Militar[9] (1964-1985), tendo como presidente Castello Branco, a impossibilidade da divisão retorna.

Ulteriormente, em 05 de outubro de 1988, adveio a atual Carta da Nação, a Constituição Federal da República Federativa do Brasil (CF/88), com ares cidadãos e unificador, cujo texto inicial, no Artigo 1º, dissipou qualquer intenção separatista, incluindo no bojo federal os municípios e tornando a matéria cláusula pétrea, com impossibilidade de ser alterada.

Assim dispõe o texto atual do aludido introito:

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único - Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (grifado pelo autor)

 

Todavia, além do texto supra, a Constituição Federal e as normas infraconstitucionais contém outros elementos, diretos e indiretos, atinentes a segregação dos entes federativos, que serão discutidos na sequência. Desta sorte, por meio da legislação pátria atual, o presente estudo primará, com uso da hermenêutica nas entrelinhas, em expor o que abrange a “união indissolúvel da República Federativa do Brasil”.

2.2 REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS E DA SEPARAÇÃO DE PODERES

Com a Carta atual da Nação, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal integram a unidade federativa (novidade para os municípios que não faziam parte nas constituições anteriores), abdicam da soberania e conservam a autonomia, visando o bom funcionamento do ideal federal. É com a manutenção da autonomia-administrativa que mantém a auto-organização. A soberania pertence exclusivamente a União, conforme consta do inciso I, do referido art. 1º da CF/88.

Oportuno dizer que, com o intuito de organizar e manter coesa a nação, houve repartição vertical da competência governamental (Federal, Estadual, Municipal e Distrital), bem como, foram estabelecidos os poderes da nação (Legislativo, Executivo e Judiciário), também repartidos, só que de forma horizontal. Cada um com suas peculiaridades.

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