Bovinocultura de corte em Roraima

Roraima possui 225 mil km² de área territorial, dos quais 17% (quatro milhões de hectares) são constituídos pelo ecossistema de savana. Alguns autores consideram esse ambiente como cerrado, campos gerais do rio Branco ou conhecido localmente como região do lavrado.

As savanas de Roraima ocupam uma área ao nordeste do estado, sendo extensão do mesmo bioma que se estende pela Guyana, Suriname Venezuela (Barbosa et al., 2007). A vegetação das savanas em Roraima é composta principalmente por diferentes fitofisionomias formada por vegetação não florestal (Miranda et al., 2002), ou seja, há grande predominância de pastagens naturais ou nativas.

Por vários anos, a região do lavrado de Roraima era percorrida por portugueses vindos pelo rio Negro (Amazonas), por espanhóis oriundos da Venezuela e por holandeses e ingleses da Guiana. Como alternativa para marcar definitivamente o domínio por essas terras, os portugueses ergueram, em 1775, o forte de São Joaquim nas confluências entre os rios Uraricoera e Tacutu, formadores do rio Branco.

Se até aquela ocasião o Alto Rio Branco não possuía nenhuma atividade econômica, em 1787, o então governador da Província do Rio Negro, coronel Manoel da Gama Lobo D?Almada, defendia a ocupação das extensas áreas dos campos gerais do Rio Branco, com a pecuária como forma de justificar a presença portuguesa na região, fato este que veio ocorrer em 1789, quando o próprio governador trouxe as primeiras cabeças de bovinos, provenientes de Tefé, no Amazonas. Os animais, cerca de 17 reses, foram trazidas em grandes canoas, para as Fazendas do Rei (referência ao Rei de Portugal), denominadas de São Marcos, São Bento e São José (Freitas, 1996).

Passados 131 anos, a pecuária constituía-se na principal atividade econômica da região e, em 1920, existiam cerca de 300 mil cabeças de bovinos nos lavrados de Roraima. O sistema de criação era superextensivo onde as propriedades não possuíam sequer cercas limítrofes. Era uma atividade praticamente extrativista visto que os proprietários reuniam os animais apenas uma vez por ano para marcação e venda de bois vivos para Manaus, AM.

Do ponto de vista técnico era necessário de quatro a seis hectares para cada cabeça de bovino, a taxa de natalidade variava entre 35 a 40% e os animais levados para o abate aos 48 a 55 meses com 134 kg de carcaça. A partir de 1976, com a abertura da rodovia federal (BR 174) ligando Boa Vista capital de Roraima a Manaus, capital do Amazonas iniciou-se o processo de ocupação mais intensivamente das áreas de floresta em projetos de assentamento. Em 1980 havia, inclusive, financiamento para abertura de áreas em floresta para plantio com cultivos anuais e pastagem, como estratégia utilizada pelo Governo Federal para a fixação do homem em lotes de terra naquele bioma.

Enquanto nas áreas de savana predominava a fase de cria, para produção e venda de bezerros desmamados destinados para as fases de recria e engorda em áreas com pastagem cultivada nas áreas desflorestadas. Por volta de 1990, os bovinos abatidos possuíam cerca de 160 kg de carcaça, visto que a base da alimentação era pastagem de quicuio da Amazônia (Brachiaria humidicola). Em 2007 intensificava-se o uso de suplementos mineral e, em alguns casos, com sal proteinado, principalmente, no período com menor ocorrência de precipitação pluviométrica, as carcaças passaram a atingir 220 kg. Com o incremento do uso de animais com genética superior, seja pelo uso de animais de recria adquiridos nos estados de Rondônia e Amazonas, ou pelo uso de reprodutores de melhor padrão ou da inseminação artificial, aliado ao fato de haver aumento em área plantada com gramíneas mais produtivas como (brizantão) B. brizantha e tanzânia (Panicum maximum), os animais passaram a ser abatidos com 480 a 500 kg de peso vivo (230 a 240 kg de carcaça). Observa-se, portanto, que, apesar do rebanho bovino não ter crescido significativamente no número de cabeças, ocorreu melhor desempenho produtivo e aumento na taxa de desfrute.

Quanto aos sistemas de produção adotados, predomina o uso da raça Nelore com monta natural. A adoção de estação de monta ainda é bastante incipiente. Atualmente, em ambiente de savana, predomina a criação extensiva com uso de pastagem nativa e apenas suplementação mineral. A taxa de natalidade é inferior a 60% com a desmama dos bezerros ocorrendo aos 12 a 15 meses quando atingem 160 kg de peso vivo. Em geral, nessa situação os bezerros são vendidos para criadores que realizam a recria e engorda em pastagem cultivada em área de floresta.

Uma minoria de criadores das áreas de savana utiliza a pastagem nativa, mas possuem pastos cultivados para uso estratégico com algumas categorias animais. Nesta situação, as vacas em gestação permanecem em pastagem nativa recebendo, na época seca, suplementação com mistura múltipla contendo NNP. Por ocasião da parição as vacas em lactação são levadas para pastagem de Brachiaria (B. humidicola ou B. decumbens) e recebem suplementação com mistura múltipla. Os bezerros têm acesso à mistura múltipla com 20% de proteína bruta, em cocho privado (creep feeding), instalado ao lado dos cochos para suplementação das vacas. Desta forma é possível desmamar bezerros com sete a oito meses e com 160 a 170 kg de peso vivo. Por ocasião da desmama, os animais de recria são levados para pastagem de andropogon (Andropogon gayanaus) com estilosantes ou massai (Panicum maximum) com estilosantes e tem acesso a mistura múltipla com 25% de PB, cujo sal mineral possua fonte de cromo, de energia e de proteína. Os bezerros desmamados ou de recria são comercializados no final do período chuvoso para criadores que fazem recria e engorda em pastagem cultivada na mata.

Com relação à pecuária de corte em área de floresta, predominam as fases de recria e engorda. Cerca de 80 a 85% dos animais utilizados são provenientes da região de savana adquiridos com 150 a 250 kg (8 a 18 meses). As principais pastagens utilizadas são B. brizantha e Panicum maximum cv Tanzânia e B. humidicola. Após 12 meses esses animais estarão pesando, em média, 300 kg visto que além da pastagem recebem suplementação mineral ou mistura múltipla durante o período com menor precipitação. Quando o peso médio estiver em 400 kg, os animais são castrados e após seis a oito meses atingem 480 a 500 kg de peso vivo quando são então destinados ao abate.

De acordo com o ANUALPEC (2010) estimava-se que o rebanho bovino em 2010 era de 669.243 cabeças com o abate de 126.475 cabeças, atendendo aos mercados de Roraima e Manaus. No Estado existe um matadouro com Serviço de Inspeção Federal (Matadouro Frigorífico de Boa Vista ? MAFIR) e mais três matadouros no interior com Serviço de Inspeção Estadual (Cantá, São João da Baliza e Pacaraima). Da receita obtida com a pecuária bovina de corte 46% referem-se à comercialização de carne em Boa Vista, 23% do comércio de carne no interior do estado, 2% da venda de vísceras, 7% do comércio do couro, 12% da venda para Manaus e 10% aos abates clandestinos num total equivalente a 100 milhões de reais.

Dos doze mil empregos gerados diretamente com a atividade, 1,7% estão entre os fornecedores de insumos, 84% nas 1.400 propriedades com pecuária, 2,3% nos frigoríficos/abatedouros e 12% na distribuição/comercialização.

Dentre os grandes desafios para a bovinocultura de corte em Roraima destacam-se:

Apesar da transformação de Roraima para Estado, com a promulgação da constituição Brasileira em 1998, ainda persiste a indefinição quanto à situação fundiária, onde a falta de documentação legal da terra não fornece garantias aos proprietários na obtenção de financiamento e os criadores tem receio em realizar maiores investimentos nas propriedades;

A regularização ambiental precisa ser contornada, apesar dos esforços por parte do setor público e privado em atender a legislação vigente. Este fato, associado à necessidade de conclusão do zoneamento ecológico-econômico constituem-se em gargalos para o desenvolvimento da atividade;

Quanto aos aspectos técnicos o elevado custo de produção é influenciado pelo preço dos insumos. O item transporte eleva algo em torno de 15% os fertilizantes e suplementos alimentares provenientes de outros estados da federação brasileira. Ainda neste sentido, esta situação constitui-se em gargalo para a recuperação de pastagens visto que cerca de 90% destas encontra-se com diferentes graus de degradação. Contribuem ainda, de forma negativa, sobre os índices produtivos o baixo uso de tecnologias e a deficiência na gestão das propriedades;

O programa de defesa sanitária animal, com ênfase para o controle da febre aftosa ainda é deficitário colocando o estado em situação de risco pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Tal fato impede qualquer negociação com paises vizinhos como, por exemplo, para a Venezuela e Caribe visando a exportação de carne bovina, o que abriria novas oportunidades de mercados.


Referências bibliográficas

ANUALPEC. Anuário da Pecuária Brasileira. São Paulo: Agra FNP, 2010. 360p.

Barbosa R.I, Campos, F. P., Fearnside, P. M. (2007). The "Lavrados" of Roraima: Biodiversity and Conservation of Brazil?s Amazonian Savannas. Funct. Ecosyst. Commun., 1(1): 29-41.

Freitas, L.A S. Geografia e História de Roraima. Manaus: Grafima, 1996. 154p.

Miranda I.S., Absy M.L., Rebelo, G.H. (2002). Community structure of woody plants of Roraima Savannahs, Brazil. Plant Ecol. 164: 109- 123



Texto elaborado por:

Ramayana Menezes Braga, pesquisador da Embrapa Roraima (maio/2011)