Bobbio e a evolução dos direitos do homem

O historiador inglês Eric Hobsbawn tem uma série de livros de grande porte denominado "Era", sendo composto por no mínimo quatro obras: Era dos Impérios, Era das Revoluções, Era dos Capitais e Era dos Extremos. Talvez, não tenho certeza, seja por isso, melhor dizendo, na esteira dessa interpretação histórica, que Bobbio dá o nome aos seus trabalhos que trata dos direitos das gentes de "Era dos Direitos".
Em se tratando de filosofia do direito temos grandes nomes na atualidade, muito embora não tenhamos muitos nomes de teóricos de direitos como afirma Losano na introdução da 3º edição para a publicação no Brasil do livro "O problema da justiça" de Kelsen onde ele afirma que "a diferença no peso da teoria e da prática do direito é eloqüentemente qualificável quando se confronta o magro punhado de filósofos e teóricos do direito com o gordo contingente de juízes, advogados e consultores jurídicos".
Não é preciso muito tato para perceber porque os operadores do direito tendem para a prática e não para teoria, a remuneração e o prestigio dos que se dedicam a prática é muito mais compensadora do que aos que se dedicam a teoria.
De forma alguma quero afirmar que os teóricos do direito não tenham prestigio, muito pelo contrário, Kelsen, Dworkin, Rawls e o próprio Bobbio são, em minha opinião figuras eminentes no mundo intelectual e alcançaram esse prestigio teorizando sobre questões ligadas ao direito, mas o que acontece efetivamente é que aqueles que atuam nos tribunais superam enormemente os que se dedicam apenas aos debates em torno do assunto. Isso também, não tem nada a ver com a ordem da importância das atividades, particularmente considero o debate que leva a conscientização em torno dos problemas jurídicos ligados ao direito mais importante que a atuação dos advogados nos tribunais.
Mas não são comparações que quero fazer aqui, até porque não há parâmetros pra fazê-lo. Como comparar Bobbio a Hobsbawn ou teóricos do direito àqueles atuam na prática. O que se pretende é fazer uma análise da evolução dos direitos das gentes, tendo como ponto de partida, melhor dizendo, tendo como fundamentação teórica o texto Bobbio acima citado, aliás, o próprio autor afirma que esse texto é fruto de participação em seminário em várias partes do mundo e que tinha outro título, só ganhou esse nome quando reunido nessa coletânea.
Para fazer tal análise terei como principio norteador o fato de que para o autor os direitos do homem, não derivam da natureza e nem tem origem divina, mas são dotados de historicidade e é um dos principais indicadores do progresso humano.
Feito as indicações preliminares vamos à análise das questões.
O problema do fundamento
Acredito que uma das primeiras coisas a pontuar quando se trata de direitos na visão do Bobbio é a questão do fundamento. Os homens têm direitos? Sim. Quais e por quê? O que fundamenta esses direitos e de que forma os homens fazem jus a eles? De acordo com o próprio Bobbio acreditou-se durante muito tempo que os direitos do homem eram baseados num fundamento absoluto e irresistível, a saber, a própria natureza humana. Ou seja, os direitos que os homens fazem jus, o fazem pelo simples fato de serem homens, e mais, isso deveria ser aceito sem mais contestação, o que redundaria num argumento do tipo "o homem tem direito porque ele tem direito", ou "o homem tem direito porque ele é homem" e isso bastaria para encerrar a discussão.
Mas a "ilusão dos jusnaturalista", que era a de que o direito do homem se fundava em sua própria natureza, com o tempo se mostrou insustentável e ruiu inexoravelmente diante das críticas, entre elas a mais feroz, a que se refere à sucessão de bens. Qual se aproximava mais da natureza e, portanto, o destino mais justo para a herança? A herança deveria retornar a comunidade de onde o homem devia em última instância sua existência ou deveria ficar com seus filhos em nome da conservação de sua família; e ainda, para encerrar, o homem poderia dispor de seus bens como ele bem entendesse, visto que um homem possui autonomia. As três são perfeitamente compatíveis com a natureza humana, logo, se fundamentado na natureza humana para estabelecer direitos do homem pode-se chegar a conclusões tão díspares há de se entender que baseado nessa premissa, posso sustentar teses mais absurdas, desqualificando dessa forma, a natureza humana como fundamento absoluto para os direitos dos homens. A questão do fundamento absoluto deve ser deixada de lado, sua busca recai sempre sobre uma aporia, não obstante os malabarismos verbais.
Na mesma linha, embora usando outros exemplos Kelsen corrobora com o que afirmamos acima dizendo que o jusnaturalismo justifica qualquer tese do direito e da justiça, por isso
Se se crê, porque se pressupõe, encontrar na natureza a norma de justiça da liberdade (como autodeterminação), declarar-se-á a democracia e um sistema de economia livre com a garantia da propriedade individual como a única ordem social natural, isto é, justa. Se se crê, porque assim se pressupõe, encontrar na natureza a norma da justiça que postula a satisfação das necessidades econômicas de todos, a sua segurança econômica, defender-se-á como natural, quer dizer, como justa, apenas a ordem social que realize este ideal, mesmo quando ela ou precisamente porque ela apenas alcança este resultado pela via da economia planejada, por meio da estatuição da propriedade coletiva dos meios de produção e por processos autocráticos. Efetivamente, da natureza Locke deduziu a democracia, Filmer a autocracia, Cumberland a propriedade individual, Morelly a propriedade coletiva. Com métodos do direito natural e pelo que respeita a questão da justiça, pode-se demonstrar tudo e, portanto, nada.
Daí deriva que Bobbio reforça sua interpretação histórica dos direitos. Um direito depende de determinado momento histórico, sendo que, o que é fundamental agora pode não ser em outro momento histórico, do mesmo modo que novas necessidades podem emergir trazendo no seu bojo a regulamentação. O que era sagrado e inviolável no século passado, não faz a mínima diferença para nós hoje, como também temos regulamentado hoje o que nossos antepassados jamais faziam idéia.
O problema do fundamento absoluto baseado na natureza humana também esbarra na questão da cultura. Em algumas culturas os homens têm direito a cinco mulheres ou mais, desde que possa mantê-las. Em outros países, a monogamia é um imperativo. Isso pode soar mais como dever que direito, ter apenas uma mulher, mas em comparação com as mulheres da África do Sul, por exemplo, a mulher tem o direito de um marido exclusivo, direito que não assiste a mulher sul africana. Por essas e outras, ou seja, pela questão da historicidade dos direitos e a cultura, fica difícil falar em fundamento absoluto, menos ainda em fundamento absoluto dos direitos na natureza humana.
A busca de um fundamento absoluto para os direitos do homem surgiu por medo relativismo, mas o relativismo, segundo Bobbio é mais forte argumento em pró do direito do homem, basta pensar em como é relativo ser religioso ou não e o direito a religião é dos mais arraigados entre os homens. Se houvesse um fundamento absoluto dos direitos do homem a religião praticada pelos homens deveria ser previamente estipulada e felizmente na isso que acontece.
Os direitos do homem são mal definível, variáveis e heterogêneas. O que são os direitos do homem? É uma pergunta que nunca será respondida a contento ou pelo menos não haverá unanimidade em relação a legitimidade dos direitos e a que direitos fazemos jus me tal época. Basta lembrar que mesmo em uma época em que há direitos consolidados há claramente direitos contraditórios entre si, embora haja direitos que valem indistintamente para todos, há aqueles que colocam alguns em situação de privilegio perante outros. O direito de possuir escravo, por exemplo, submetia o escravizado a uma condição vil, desumana e degradante que a Declaração Universal dos Direitos do Homem declarou inaceitável, ao passo que esse direito a liberdade privou os possuidores de escravos da continuidade de tal prática. Isso vale também para a tortura. Torturado e torturador jamais podem gozar dos mesmos direitos, visto que o direito de um implica, inevitavelmente na supressão do direito do outro.
Mas há direto que são fundamentais e devem valer em qualquer situação para todos os homens indistintamente. O direito de lutar pela vida e pela liberdade. Partindo desse ponto de vista há poucos direitos que são fundamentais e inalienáveis, pois os direitos sociais, por exemplo, só podem ser mantido se tudo estiver correndo bem, sem dinheiro em caixa não há como pagar seguro desemprego, em tempos de calamidade os direitos sociais são suspensos em nome de uma força maior e mais premente.
Decorre daí que não há fundamento absoluto para os direitos dos homens, mas apenas podemos falar em fundamentos diversos dependendo da ocasião e da razão que o sustenta. Porque mesmo quando se acreditava em fundamento absoluto, os direitos não eram respeitados e funcionavam na mesma proporção em todos os lugares e, mesmo agora que quase não se preocupa mais com fundamentos há uma marcha inexorável pela consolidação dos direitos. Com ou sem fundamentos direitos são uma realidade histórica que não depende da vontade dos deuses, mas é algo que diz respeito tão somente aos homens portador e paladino dos direitos que lhe são inerentes. Falta de fundamento absoluto para os direitos do homem não indicam que eles não existam de fato, ao contrário, nada aponta para isso, e sim para uma espécie de progresso histórico evidenciado pela emancipação dos direitos.

A evolução dos direitos.
Esse progresso histórico fica evidenciado pela evolução nos direitos que os homens experimentaram com o passar dos tempos. Basta ver que após a 1ª Grande Guerra houve uma conjunção de forças jamais vistas anteriormente por parte das nações para publicar convenções sobre direitos humanos que extrapolasse as fronteiras nacionais.
Vale também com sinal ou características distintiva de progresso em relação aos direitos o fato de que, em primeira instância os homens tinham apenas direito à vida e a liberdade. Esse era um direito básico defendido pelos iluministas e que permanece até hoje. Esses direitos o autor convencionas chamar de direitos da primeira geração. Em seguida temos os direitos de segunda geração que preconiza que o homem tem direito ao trabalho. Os direitos conquistados pelo homem de viver em um planeta livre de poluição dão considerados direitos de terceira geração. E por fim, temos o poderia ser chamado de a quarta geração de direitos que é de não ter o nosso corpo, submetidos, contra a nossa vontade, a experiência cientificas.
Para encerrar temos a afirmação do autor que a questão do direito proclamado enquanto lei é conquista que se firmou aos poucos e tem uma história recente se tratado do ponto de vista da filosofia da história. Os códigos publicados que se tornaram leis geralmente fala em termos de deveres, para confirmar isso basta citar os "Dez Mandamentos", considerado por muitos com a lei inscrita nos corações dos homens. Esse código que se encontra originalmente no Êxodo, segundo livro de Pentateuco de Moisés tem uma tonalidade proeminentemente proibitivo, tais como: Não matarás; não furtarás; não cobiçarás a mulher do próximo, não adulterarás, não... e por ai vai. O Código de Hamurabi que por sinal é mais antigo que o Decálogo, também fala mais em deveres, quando não exclusivamente em deveres. Na mesma linha, a lei das Doze Tábuas. Enfim, a finalidade das leis era no dizer de Cícero Vetare et jubere: proibir e ordenar.
Nesse aspecto acredito que seja pertinente salientar que mesmo no Novo Testamento, cujo personagem principal é Jesus, quando um espírito renovador pretendeu soprar sobre o mundo a proibição não perdeu a força. Uma prova cabal disso é que a Regra Áurea que se resume na máxima: "não faças ao outros aquilo não queres que te façam a ti". É uma ordenação negativa.
Alguns estudiosos da filosofia entre eles Reale pretendem dizer que Kant apenas racionalizou a Regra Áurea, mas é certo que o filosofo de Konigsberg fez mais do que isso. Ele não apenas racionalizou-a como também positivou a ordenação de forma que já não é mais uma proibição, "não faças"... mas um estímulo à ação "Ages de tal forma que a tua ação possa se tornar uma lei universal.
Mas os novos tempos permitiram que os direitos fossem proclamados de modo positivo, houve até, na concepção do Bobbio, uma revolução copernicana dos direitos com a publicação de várias convenções e declarações entre as quais podemos citar a Declaração dos Direitos da Criança (1959), à Declaração sobre a Eliminação da Discriminação à Mulher (1967), à Declaração dos Direitos do Deficiente Mental (1971), além de, é claro a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU que é de 1948.
Os direitos do homem jamais alcançarão o plano ideal para todos, visto que num determinado momento histórico, melhor dizendo, em qualquer momento histórico, os homens estão sempre em conflito, mas a positividade dos direitos humanos progrediu isso é indubitável.
























Referencias
Bobbio, N. A Era dos Direitos, Rio de Janeiro: Campus, 1992*
Kelsen, H. O problema da justiça. trad. João Batista Machado, 3º Ed. São Paulo, Martins Fontes, 1998.
Reale, Giovanni Historia da filosofia: de Spinoza a Kant, v. 4 Giovanni Reale. Dario Antiseri. - São Paulo: Paulus. 2005.

Constituição da República Federativa do Brasil. 1988