1. Introdução

O objetivo deste trabalho será tratar sobre Direito Tributário, especificamente abordando o tema da bitributação, inclusive apresentando exemplo verídico atual sobre o embate de ICMS x ISS.

O Direito Tributário tem sua base, seus princípios e diretrizes fundamentais enraizados na Constituição Federal, especificamente no Título VI, mas não limitado apenas aos artigos deste. Da análise das regras de repartição de competências tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, depreende-se que cada um destes entes possui sua própria competência para tributar, não podendo a União, por exemplo, instituir tributo sobre um fato gerador cuja competência é dos Municípios. Este fenômeno é conhecido como bitributação.

Apesar de não existir proibição expressa na legislação, existe previsão de algumas hipóteses em que a bitributação é permitida: o artigo 154 da Constituição Federal, em seu inciso II, permite que a União institua, extraordinária e temporariamente, impostos que não são de sua competência.

A problemática da bitributação que será abordada neste trabalho só não se aplica, obviamente, fora das hipóteses previstas no artigo 154, II da Constituição Federal.

2. Bitributação antes e após a Constituição de 1988

Historicamente, o fenômeno da bitributação se acentuou com a redação da Constituição Federal de 1988, isto, basicamente, porque anteriormente existia expressa proibição à bitributação.

As constituições de 1934, 1937 e 1946 todas apresentavam expressa proibição à bitributação e evitando a sua ocorrência ao reconhecer que em caso de tributação residual, apenas Estados e União poderiam tributar e, em caso de concorrência entre estes entes, o tributo instituído pela União prevaleceria sobre aquele instituído sobre um mesmo fato gerador pelos Estados. Apesar de a Constituição Federal de 1988 reservar apenas à União a competência de tributação residual, no tocante à bitributação, tornou a situação bastante complexa já que definiu as competências tributárias entre os entes estatais, mas não incluiu em seu texto nenhuma proibição expressa da bitributação ou qual imposto deve se sobressair no caso de sua ocorrência.  

Como ocorre com quase todos os textos legais pátrios, a distribuição das competências apesar de detalhada, deixa lacunas para erros de interpretação e, obviamente, acabam por gerar disputas entre os entes sobre quem deve tributar determinado fato gerador. Invariavelmente, o perdedor nestes embates é o contribuinte.

3. ICMS ou ISS

Conforme já tratado, a Constituição Federal de 1988, definiu as competências tributárias entre os entes deixando nas mãos dos Estados a competência para cobrança de ICMS – Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Serviços; e deu aos Municípios a competência sobre a cobrança do ISS (ou ISSQN) – Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.

As hipóteses de incidência de ICMS e ISS se confundem com enorme facilidade, tendo em vista que a Lei Complementar 116/2003 traz um rol enorme de serviços que são fatos geradores de ISS e que ao mesmo tempo são parte da cadeia de produção de determinados produtos já tributados através do ICMS pelos Estados.

Transporte de mercadorias, serviços de comunicação e internet, confecção de embalagens, tingimento de roupas. As hipóteses são muitas e as empresas são, obviamente, pegas no fogo cruzado entre os Estados e os Municípios.

Restam ao contribuinte apenas três opções: resignar-se com a situação e pagar dois tributos diferentes sobre o mesmo fato gerador; questionar a própria Administração Pública sobre quem é o ente competente; ou recorrer ao Poder Judiciário para que este decida, definitivamente, a qual ente deve-se recolher o tributo sobre determinada atividade.

A primeira opção não se apresenta, de forma alguma, como uma alternativa viável para os contribuintes no país, levando-se em conta a já extensa lista de tributos que lhes são cobrados.

Os questionamentos à Administração Pública, seja anterior às cobranças (através de processo administrativo de consulta) ou posterior às cobranças (através de processo administrativo para anulação de autos de infração), os resultados são imensamente desfavoráveis aos contribuintes, por falta de imparcialidade quanto à legitimidade das cobranças e ainda por obrigar o contribuinte a requerer a anulação de cada auto de infração que venha a ser lavrado contra si.

Resta, assim, como opção mais segura ao contribuinte, recorrer ao Poder Judiciário. Atualmente, existem milhares de processos no Supremo Tribunal Federal aguardando uma decisão definitiva e, apenas no caso de tais decisões transformarem-seem Súmulas Vinculantesé que os contribuintes terão qualquer expectativa de obter uma decisão relativamente ágil a este problema.

4. ICMS x ISS na industrialização de embalagens por encomenda

Para exemplificar, atualmente se discute nos tribunais superiores qual tributo deve incidir sobre as operações de industrialização de embalagens por encomenda.

Primeiramente, a industrialização de embalagens por encomenda é uma operação na qual um estabelecimento remete insumos a uma segunda empresa que realiza a industrialização destes insumos por conta e ordem da primeira empresa. O Estado entende que se trata de operação de transporte de mercadorias (tributada pelo ICMS), enquanto os Municípios entendem tratar-se de industrialização por encomenda (hipótese de incidência do ISS).

Nos tribunais superiores, há discordância, tendo o Superior Tribunal de Justiça entendido pela incidência do ISS (RESP 88852/ES, RS no AgRg 1362310/RS), entendimento obtido através de interpretação literal, afirmando que a industrialização por encomenda é hipótese de incidência pelo ISS já que consta do rol de fatos geradores da Lei Complementar 116/2003.

O Supremo Tribunal Federal, mais atualmente, vê a questão sob outro prisma: em julgamento de Medida Cautelar na ADI 4389, julgada em abril de 2011, entendeu-se pela incidência do ICMS tendo em vista que referidas industrializações por encomenda integram um processo maior e mais abrangente da produção de determinado produto.

O Ministro Relator Joaquim Barbosa entende que “...as embalagens têm função técnica na industrialização, ao permitirem a conservação das propriedades físico-químicas dos produtos, bem como o transporte, o manuseio e o armazenamento dos produtos. Por força da legislação, tais embalagens podem ainda exibir informações relevantes aos consumidores e a quaisquer pessoas que com ela terão contato. Trata-se de típico insumo ( trecho destacado do voto Min. Joaquim Barbosa, Relator da MC ADI 4389).

O que faz total sentido se pensarmos, por exemplo, na industrialização de um refrigerante que possui condições de conservação específicas, que variam dependendo da composição do refrigerante. Caso a embalagem não seja produzida com aquelas exatas características exigidas para que o refrigerante mantenha sua condição, o produto se perde ou, no mínimo, se altera. Logo, a embalagem não serve única e exclusivamente para diferenciar, através do logo, um refrigerante de outro, mas para manter a natureza do produto, integrando-se a ele.

A decisão do STF traz um pouco mais de segurança ao contribuinte, mas não traz ainda nada de concreto: por tratar-se apenas de decisão expostaem Medida Cautelar, esta decisão pode ser completamente revertida quando do julgamento da ADI em questão caso a questão deixe de ser analisada do ponto de vista mais ligado à realidade das atividades empresariais e volte a ser enfocado pela mera análise individual de cada etapa do processo de industrialização.

5. Possíveis soluções para a Bitributação

Como vimos, uma das soluções, uma das formas de o contribuinte se ver livre do, ou menos protegido contra o fenômeno da bitributação são a criação de Súmulas Vinculantes, cujo processo de criação é lento e são específicas para cada situação, o que demandaria número enorme de Súmulas para cobrir todas as hipóteses de bitributação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, tornando essa solução, se não inviável, no mínimo muito distante.

A melhor solução seria a de uma reforma tributária, há muito esperada e cogitada, mas que deveria, para extirpar o fenômeno da bitributação, cobrir todas as possibilidades de bitributação, ou no mínimo definir uma hierarquia quanto a quais tributos devem prevalecer no caso de bitributação.

6. Conclusão

Portanto, a bitributação é um fenômeno já há muito presente e abominado em nossa legislação, mas com a velocidade em que as atividades e relações consideradas fatos geradores vem sendo alteradas pelas tecnologias, e também pela deficiente redação de nosso atual sistema tributário, vem se tornando cada vez mais presente na vida dos contribuintes.

As situações em que tal fenômeno pode se apresentar são virtualmente infinitas, o que dificulta uma solução definitiva a curto ou longo prazo sem que ocorra uma reforma legislativa eficiente e competente, deixando os contribuintes com uma sensação de total insegurança nesse tema já bastante complexo e delicado que é a tributação.

7. Referências

CARRAZA, Roque Antônio – Curso de Direito Constitucional Tributário, 6ª edição, São Paulo: Malheiros, 1994;

FANNUCHI, Fábio. Curso de Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Resenha Tributária, 1980;

NASRALLAH, Amal. ISS x ICMS Critérios para identificar a incidência do ISS ou do ICMS nas operações de industrialização sob encomenda. Entendimento do STF e do STJ – disponível em http://tributarionosbastidores.wordpress.com/tag/iss-x-icms/