BIOGRAFIAS EDUCATIVAS: REFLEXÕES SOBRE A FORMAÇÃO DAS PROFESSORAS DA INFÂNCIA.


Priscilla Gomes Guilles Mattos - UERJ/FFP
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O presente artigo é resultante do projeto "Por que o local? Um estudo sobre alfabetização patrimonial e a formação de professores da infância em São Gonçalo", no qual prentendemos apresentar alguns movimentos de uma pesquisa realizada na Unidade Municipal de Educação Infantil (UMEI) Arca de Noé, localizada no município de São Gonçalo, na região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro. O presente artigo é um recorte da pesquisa desenvolvida no projeto acima citado, e resultante do trabalho monográfico apresentado no curso de pedagogia.
Intenciono por meio desta pesquisa problematizar a formação docente, refletindo sobre os percursos formativos de duas docentes da escola de Educação Infantil Arca de Noé. Na pesquisa, venho compreendendo a docência como um espaço de construção de saberes que muitas vezes, ficam subterrâneos, não são socializados. As histórias de vida emergem não só como possibilidade metodológica, mas como caminho para repensar a formação de professores.
Assim venho constituindo o percurso do presente trabalho, na busca da compreensão das professoras da escola pesquisada e suas práticas pedagógicas, escutando as histórias de vidas, e buscando fazer com que elas próprias se compreendam por meio do seu próprio discurso, discurso este que pode contribuir como instrumento de autoconhecimento, proporcionando a oportunidade da compreensão do ser professor.
1- Biografias educativas na formação de professoras da infância: alguns diálogos.
A história da formação docente para educação infantil é recente, pois apenas recentemente na história da Educação infantil brasileira passou a existir uma preocupação com o ensino e a qualificação dos professores das crianças pequenas.
Durante muito tempo, a figura da professora de Educação Infantil foi estigmatizada. A professora era reconhecida pela afetividade e dom maternal. O modelo idealizado de professora se traduzia em "tias" boas e carinhosas.
Entretanto, essa concepção, baseada na "vocação" vem se modificando, sobretudo, a partir da regulamentação profissional e da inserção da educação infantil, como nível de ensino, na nova Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional (LDBEN). Com a LDBEN são implantadas reformas educacionais, de modo mais específico, na formação docente dos profissionais da educação básica.
Apesar das iniciativas registradas nas últimas décadas voltadas à melhoria da qualidade da formação docente, o esforço ainda é pequeno. A baixa remuneração salarial dos professores, a falta de condições adequadas para o trabalho são fatores intervenientes na desvalorização social do trabalho docente.
Pesquisar a formação docente implica situá-la como fenômeno complexo, cujas contribuições efetivam-se, no desenvolvimento pessoal e profissional docente. Pensar essa formação nos dias atuais é urgente e necessário, apesar das inúmeras pesquisas que envolvem essa temática nas últimas décadas, ao que me parece esse tema está longe de se esgotar. Nesse sentido venho entendendo que "os caminhos da educação são do tamanho da vida" (GUIMARÃES, 1986, p.6). Nesta perspectiva o professor deverá estar sempre em busca do esvaziamento interior para saber mais, diante do pouco que sabe sobre a complexa dimensão da educação.
Estamos diante de uma nova realidade, que exige uma nova postura do profissional da educação, para a formação de um novo cidadão, capaz de sair da condição alienada e atingir uma postura crítica perante a sociedade.
Assim, entendemos que uma formação de professores consistente deve preconceber o contínuo (Nóvoa, 1995). Nessa perspectiva vem à tona a formação continuada, proporcionando a construção e desconstrução do profissional.
Há clara evidência de que a qualidade do professor é um determinante central na qualidade e eficiência dos programas de Educação Infantil. Se quisermos melhorar a qualidade da educação das crianças pequenas, devemos nos preocupar com a qualidade de seus professores. Sabemos que é complexo devido a uma série de fatores (vontade política, organização escolar, disponibilidade das docentes), mas só assim as mudanças necessárias a uma educação de qualidade terão possibilidades mais fecundas de sair do plano teórico para realidade.
Após nossa inserção no cotidiano da escola pesquisada surgiu à possibilidade de construção de um roteiro (auto) biográfico que estimulasse a reflexão sobre as trajetórias de vida das docentes parceiras da pesquisa e suas implicações na prática docente.
Vimos apostando em professoras como narradoras de suas experiências de vida que podem ter sido vividas em diversos contextos cotidianos e assim podemos encontrar pistas para problematizarmos as diversas práticas pedagógicas que podem ou não reverter à situação educacional vigente. Valorizando uma educação mais humanística, emancipadora e menos excludente.
Venho considerando afirmar que não tivemos como objetivo analisar narrativas das professoras entendemos que as mesmas não são melhores ou piores que as outras, compreendemos, porém que as mesmas se constituem socialmente com a forma na qual nos constituímos no mundo. Sentidos diversificados podem estar atrelados as histórias, os olhares são projetados particularmente.
As professoras investigadas foram à professora Viviane que trabalhava com a turma do segundo período e a professora Valéria que trabalhava com a turma do terceiro período. Os relatos expostos, neste texto, são referentes às entrevistas realizadas no primeiro semestre de 2009. Selecionamos algumas falas narradas pelas docentes que vimos considerando serem significativas.
Sobre sua história de vida a professora Viviane relata:
"A minha história de vida me afeta todos os dias e acrescenta em minha prática. Como eu fui e continuo sendo afetada, também vou afetando as pessoas que passam pela minha vida e, em especial os meus alunos." (Professora Viviane)
Uma das características da narrativa autobiográfica é a experiência que permanece nos sujeitos, no caso da professora Viviane, o ser afetada, nos remete a troca com o outro, a tessitura da colcha que vai se tornando maior na medida em que conseguimos afetar e deixarmos ser afetados pelos outros.
Em uma das respostas das professoras em relação à pergunta sobre por que escolheu ser professora o relato vem confirmar o processo de (auto) formação através da narrativa autobiográfica.
"Na verdade não escolhi, fui para o magistério por falta de opção no antigo 2º grau, porém logo que comecei a trabalhar (...) me identifiquei com a profissão". (Valéria)
"Eu comecei a evangelizar com 15 anos (...) sempre gostei e quando terminei o curso normal resolvi unir aquilo que eu já gostava de fazer com a profissão (...) foi daí que fui fazer Letras".
Nas narrativas das professoras nota-se a divergência pela escolha da profissão e além dessa divergência está à reflexão a cerca daquilo que vem sendo feito pelas mesmas no cotidiano escolar. A memória de cada uma sobre a sua escolha profissional torna-se um momento de (auto) formação ao longo da docência e ampliação do fortalecimento da sua prática pedagógica.
Assim, as narrativas reforçam a idéia de que o método autobiográfico não se efetiva somente com rememorações, mas com a reflexão crítica e construção de uma prática pedagógica cada vez mais sólida. Ainda podemos observar através das narrativas docentes como as professoras caracterizam suas respectivas práticas.
"Faço em minha prática muitos questionamentos, sempre acho que poderia fazer mais." (Valéria)
"Uma prática diversificada. Procuro o trabalho com o lúdico, acho que assim as crianças aprendem mais e com muito mais gosto (...) também caracterizo a minha prática como compromissada, me identifico com o que faço. É claro que existem muitas coisas para melhorar. (Viviane)
Compreendendo que a formação de professores precisa ser um processo de estranhamento, a prática cotidiana se torna o sustento e a matéria-prima do professor pesquisador. O professor é indissociavelmente um pesquisador.
Segundo Freire (1996, p.29) não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Por isso a professora de educação infantil, deve se fundamentar na pesquisa, buscando que indagações e problemas do cotidiano sejam fios condutores que possibilitem a construção de uma prática comprometida com a formação de cidadãos críticos, criativos e reflexivos.
O trabalho com as histórias de vida e a nossa inserção no cotidiano escolar tem nos possibilitado perceber a atuação docente como reveladora de signos e significados e é justamente a partir da mesma que surgem questões de reflexa aos docentes. Assim, queremos afirmar que é na prática cotidiana que nós professoras podemos questionar o cotidiano. Por isso a formação docente precisa experimentar situações diversificadas. Vimos corroborando com Freire, o professor não nasce pesquisador, torna-se pesquisador no movimento de reflexão sobre a sua própria prática.

Reflexões (In) conclusivas

O artigo que ora foi apresentado buscou em seu desenvolvimento trabalhar com a formação do professor de Educação Infantil dialogando com o referencial político-epistêmico das narrativas autobiográficas, acreditando que as mesmas se constituem numa "ferramenta" consistente para que os professores possam refletir sobre o seu saber/fazer no cotidiano escolar. As reflexões apresentadas geraram novos olhares que devem ser dirigidos ao trabalho docente e refletidos com atenção e curiosidade.
Ressaltamos que os resultados deste estudo não devem ser generalizados e acabados, pois o presente estudo dialogou com uma concepção docente baseada na complexidade e incompletude do ser humano.
Venho acreditando que as professoras puderam neste contacto refletir sobre a sua prática atual através da rememoração sobre o vivido. De modo geral, no cotidiano escolar há uma falta de tempo para se refletir "sobre o que se faz", pois a escola está sempre em movimentos, assim como os acontecimentos que na maioria das vezes passam pelo professor com tal rapidez que o mesmo não encontra um momento para refletir. Deste modo, as experiências vivenciadas pelas docentes, de forma particular, possibilitou ao longo da investigação, inquirir não apenas a trajetória do tempo e do espaço das práticas, como também, reconstruir sentidos para nossas próprias formações.
Vivemos ao longo da pesquisa, desdobramentos sobre o trabalho com as histórias de vida mediadas pela oportunidade de alcançar novos conhecimentos e aprendizagens, experimentando novas práticas, novos questionamentos. A nossa intenção e convite de compartilhamento neste trabalho monográfico se dirigiu, sobretudo, às professoras e crianças da Escola Arca de Noé. Para elas e com elas buscamos com seriedade, respeito e alegria, a possibilidade de uma escola mais democrática e de qualidade para todos/as. As histórias de vida e as narrativas autobiográficas me permitiram compreender ainda que inicialmente, como podem ser procedimentos vigorosos para constituição de uma escola e de uma sociedade mais justa e menos excludente.

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