Biodireito e Bioética

Nadson Chaves Pelegrini

"...Caminharemos para um mundo onde certas técnicas científicas serão rigidamente regulamentadas e, em alguns casos, proibidas, ou, por outro lado, caminharemos para um "admirável mundo novo", onde não haverá limites para as pesquisas científicas?" ( Enéas Castilho)

O Biodireito é um novo ramo jurídico ainda muito recente na realidade jurídica brasileira. Este novo ramo do direito define-se como uma positivação jurídica de permissão de comportamentos médico-científicos e de sanções pelo descumprimento dessas normas.

É um ramo do direito público que se associa à bioética, estudando as relações jurídicas entre o direito e os avanços tecnológicos conectados à medicina e à biotecnologia; peculiaridades relacionadas ao corpo, à dignidade da pessoa humana.

Insta salientar que o biodireito possui relações com muitos ramos do direito, quais sejam: o direito civil, direito penal, direito ambiental, direito constitucional e direito administrativo.

Com relação à sua interferência no direito civil, esta se dá nas relações contratuais (no que tange à responsabilidade civil), nos direitos da personalidade, nas relações de família, como por exemplo nas situações geradas pelas novas técnicas da reprodução assistida, dentre tantas outras matérias.

No âmbito do direito constitucional, o biodireito influencia nos primeiros limites estabelecidos no âmbito de qualquer Estado que são traçados pelo Direito Constitucional, os quais formam a espinha dorsal do Biodireito, irradiando-se por todas as legislações referentes à matéria. Assim, o biodireito está subordinado ao direito constitucional, assim como os demais ramos do direito.

O direito penal também guarda relação com o biodireito na medida em que estabelece a tipificação de condutas condenadas pelo mesmo, como mais uma forma de controle e repressão.

Apesar do biodireito estar ligado ao direito ambiental na proteção à vida, a sua relação restringe-se à tutela da vida humana, como denomina-se também de micro-bioética.

Finalmente, o biodireito também guarda relação com o direito administrativo no que importa caber ao Direito Administrativo conceder autorização e fiscalizar o funcionamento de estabelecimentos voltados à prática de atividades médico-científicas, especialmente no que concerne à possibilidade de instalação de clínicas prestadoras de serviços de inseminação artificial, e coisas do gênero.

Abrange, portanto, todo um "conjunto de leis positivas que visam estabelecer a obrigatoriedade de observância dos mandamentos bioéticos, e, ao mesmo tempo, é a discussão sobre a adequação sobre a necessidade de ampliação ou restrição da legislação".

Para se falar de Biodireito, deve-se explanar que o mesmo possui uma estrita ligação com a Bioética que caracteriza-se por se tratar da ética relacionada com situações que envolvam os mais diversos tipos de vida.

A Bioética, portanto, divide-se em macro-bioética e micro-bioética. A primeira diz respeito à ética da vida em sentido amplo, estando diretamente ligada ao meio ambiente e ao Direito ambiental. De acordo com a macro-bioética, ter-se-ia um código de condutas, principalmente no que diz respeito a experimentações científicas, a ser seguido com o fim de proteger o meio ambiente.

No que tange à micro-bioética, o tratamento direciona-se para a ética da vida humana. Diante dos avanços médico-científicos-tecnológicos, protege os seres humanos nos métodos de experimentos científicos. E, a partir daí, é que Biodireito e Bioética são utilizados de forma conjunta, com o fim único de proteger a vida, frente aos novos avanços médico-científicos que surgem com a modernização da sociedade.

Assim,o Biodireito não se confunde com a Bioética, sendo esta a base para a positivação de suas normas, se atendo ao campo de estudo ético-filosófico, sobretudo, das técnicas e limites das experimentações e procedimentos médico-científicos.

A Bioética seria, portanto, um estágio inicial, anterior ao Biodireito, mas, ao mesmo tempo, está ao lado deste, na busca pela adequação da legislação relacionada à matéria às realidades e necessidades práticas.

O Biodireito se ocupa de normas, princípios e relações jurídicas vinculadas à (ao): procriação assistida e manipulação genética em sentido amplo; natureza jurídica do embrião; aborto; recombinação de genes; eugenia; transplante de órgãos entre seres vivos e "post mortem"; direito à saúde; genoma humano; criação e patenteamento de seres vivos; eutanásia; propriedade do corpo vivo ou morto.

Algumas dessas normas já são, inclusive, tratadas na legislação brasileira, tais como aas técnicas de reprodução assistida, conforme prevê o art. 1.597 do Código Civil, in literis:

"Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

...

III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentes, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido;"

Neste sentido, a Constituição Federal de 1988 que dispõe acerca da liberdade científica como um dos direitos fundamentais, em seu artigo , IX, in verbis:

Art. – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

IX – é livre a expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

O Biodireito está relacionado a muitos princípios relacionados que auxiliam na direção da visão jurídica a respeito das instâncias morais da vida em face das inovações científico-tecnológicas, tendo em vista a promoção da dignidade humana.

Este novo ramo jurídico deverá "inspirar a política legislativa na criação de instrumentos de prevenção e repressão, sempre que necessários à salvaguarda da dignidade humana" .

De uma forma geral, muitos entendem que existe um conjunto dos principais princípios da bioética e, portanto do biodireito, que são: os princípios da autonomia do consentimento informado, da beneficência ou não-maleficência, da justiça, da sacralidade da vida humana e da dignidade da pessoa humana.

É importante fazer menção os princípios referidos acima, tendo em vista a sua amplitude, demonstrando assim, sua relação com o biodireito.

Segundo o princípio da autonomia, "o indivíduo tem o direito de decidir sobre as atividades que impliquem alterações ou modificações em sua condição de saúde (física e/ou mental), impondo-se, de outro lado, para que sua opinião seja adequada, o dever de os envolvidos prestarem todas as informações relevantes sobre o tratamento/pesquisa que se irá realizar".

O princípio da autonomia é considerado o principal princípio da bioética, sendo que muitos outros princípios o utilizam como referência.

No que diz respeito ao princípio da beneficência, também conhecido como princípio da não maleficência, este permite que se proíba determinadascondutas que, apesar de poderem gerar algum conhecimento novo, ou alguma descoberta revolucionária, sejam igualmente capazes de gerar algum malefício ao paciente.

Pode ser combinado com o princípio da autonomia, uma vez que, ao tomar conhecimento das técnicas médico-científicas e de seus efeitos, poderá decidir quanto à realização dos procedimentos, evitando assim, que técnicas de risco possam ser evitadas.

No que toca ao princípio da justiça, este pode ser dividido sob o aspecto de três questões básicas que são: o ônus do encargo da pesquisa científica, a aplicação dos recursos destinados à pesquisa e a destinação dos resultados práticos obtidos dessas pesquisas.

O ônus do encargo da pesquisa científica se refere à participação ativa dos membros da sociedade, de forma eqüitativa, na manutenção de pesquisas e controle de resultados.

A aplicação dos recursos destinados à pesquisa refere-se, segundo palavras de Marcelo Dias Varella, é a "distribuição justa e eqüitativa dos recursos financeiros e técnicos da atividade científica e dos serviços de saúde".

A destinação aos resultadospráticos obtidos das pesquisas, refere-se ao fato de que a ciência deve ser aplicada igualmente a todos os membros os seres humanos, não devendo haver qualquer tipo de distinção, seja em razão de classe social, ou em razão da capacidade econômica dos que necessitam de um tratamento médico.

Finalmente, no princípio da sacralidade e da dignidade humana, há uma íntima relação com o respeito e a proteção da vida humana contra agressões indevidas. Este princípio determina que no meio científico, o ser humano deve ser um fim e nunca um meio. Trata da questão da vida humana como sendo um valor em si mesma.

Existem princípios que servem de base para a macro e a micro-bioética e que, por sua vez, também devem ser considerados no biodireito, mas que são provenientes da seara do direito ambiental, são eles: o princípio da ubiqüidade, da cooperação entre os povos, do desenvolvimento sustentável -preservação da espécie humana-, da precaução e da prevenção.

O que se quer demonstrar é que o biodireito e bioética defendem, primordialmente, a vida humana frente aos avanços científicos, médicos e tecnológicos.Colocam a vida humana como o núcleo de toda proteção e como base para a formulação das normas e princípios que regem o biodireito.

A tutela da dignidade da pessoa humana é valor fundamental e deve ser respeitada por todos. A Bioética e o Biodireito são instrumentos que ajudam, consideravelmente, nessa proteção, influindo em muitos dos ramos do direto, o que demonstra a sua amplitude e importância.

Surge uma nova geração e com ela, grandes avanços nas áreas médicas, científicas e tecnológicas, construindo, conseqüentemente, uma teia de relações e de novos paradigmas que necessitam de ramos jurídicos especializados, como o biodireito acompanhado pela bioética, no sentido de comportarem a positivação de tantas quantas situações novas, provenientes das novas relações formadas,surgirem.

Bibliografia

ALMEIDA, Aline Mignon de. Bioética e biodireito. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2000;

ESPÍNOLA, Maria Zoe Bellani Lyra. Os princípios constitucionais na aplicação do biodireito. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1011, 8 abr. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8207>. Acesso em: 22 maio 2008.

JÚNIOR, Enéas Castilho Chiarini. Noções introdutórias sobre Biodireito.

WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e sócio-afetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

SILVA, Reinaldo Pereira e. Reflexões ecológico-jurídicas sobre o biodireito. In: MONDARDO, Dilsa; FAGÙNDEZ, Paulo Roney Ávila. Ética holística aplicada ao direito. Florianópolis: OAB/SC, 2002. p. 147.