BÊNÇÃO E MALDIÇÃO - Geraldo Barboza de Carvalho
Bênção e maldição são palavras antagônicas. Bênção é boa palavra, que gera vida e edifica. Maldição é má palavra, que provoca destruição e morte. A boca e a língua são instâncias de benção e maldição. A boca de Deus só pronuncia palavras criadoras,
boas, que geram vida no momento em que são pronunciadas. Por isto, a Palavra de Deus é irreversível: "Passarão o céu e a terá, mas não passará a Palavra de Deus".
A língua humana pode dizer palavras criadoras ou destruidoras, boas ou malditas,
conforme o ser humano fale e aja, ou não, como imagem e semelhança do Deus bom.
Insatisfeitos por serem imagem e semelhança de Deus, pretendendo ser iguais a Ele,
iludidos pelas palavras maledicentes e malfazejas da Serpente, Adão e Eva iniciaram a história da maldição que se abate sobre a humanidade até hoje. Por isto, diz Tiago:
"A língua é um fogo. Como o mundo do mal, ela está posta entre nossos membros maculando o corpo inteiro e pondo em chamas o ciclo da criação. Ninguém consegue
domar a língua: ela é um mal irrequieto e está cheia de veneno mortífero. Com ela bendizemos Deus, nosso Pai, e com ela maldizemos os homens, feitos á semelhança de Deus. Da mesma boca provém bênção e maldição" Tg 3,6-10. O poeta paraibano Augusto dos Anjos traduz tragicamente o mesmo fenômeno: "A boca que escarra é a mesma que beija, a mão que afaga é a mesma que apedreja". De maneira dramática, Paulo de Tarso repercute Tiago e o poeta: "Realmente, não consigo entender o que faço; pois, não pratico o que quero, mas faço o que detesto. De fato não sou eu que pratico a ação, mas o pecado que habita em mim. Sei que o bem não mora em mim, isto é, na minha carne. Pois o querer o bem está ao meu alcance, não porém o praticá-lo. Pois, não faço o bem que quero, mas pratico o mal que não quero. Verifico esta lei em mim: Quando quero fazer o bem, é o mal que se me apresenta. Infeliz de mim" Rm 7,15-24. Bênção e maldição decorrem da estrutura ontológica do ser humano, feita de elementos contraditórios: corpo e alma, matéria e espírito, animus e anima.
Deus criou o ser humano ontologicamente bom, mas eticamente falível, pois é livre. Dotado de livre arbítrio, é difícil o ser humano manter esses elementos em equilíbrio. Por isto, a falibilidade moral está potencialmente contida na estrutura ontológica boa do ser humano. Um ser imperfeito só pratica ações e só diz palavras imperfeitas, não
necessariamente delituosas. O delito ético é o paroxismo da imperfeição humana. O Criador sabe que corre o risco do ser humano escolher não espelhar em suas palavras e atos conduta condizente com a imagem e semelhança do Original divino. "Desde o princípio Deus criou o homem e o entregou nas mãos da própria decisão. Se quiser,
ele observará os mandamentos: a felicidade está em fazer a vontade de Deus expressa neles. Javé colocou diante de ti o fogo e a água. Diante dos homens está a vida e a morte. Eis que hoje ponho diante de ti a vida e a felicidade, a morte e a infelicidade. Para o que quiseres estenderás a tua mão: ser-te-á dado o que preferires. Tomo o céu por testemunha: propus-te a vida ou a morte, a bênção ou a maldição. Escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência. Se ouvires os mandamentos de Javé, viverás e te multiplicarás, e Javé te abençoará. Contudo, se o teu coração se desviar e não ouvires a Palavra de Javé, certamente perecereis" Dt 30,15+; Eclo 15,16+. A Palavra de Deus é a benção. O ser humano que se desvia da Palavra cria a maldição.
Abençoar é dizer o bem, bendizer, benzer alguém. Amaldiçoar é maldizê-lo, dizer
o mal. Bênção não é palavra mágica que, quando pronunciada, faz acontecer favores
para si ou para outros. Mas, toda bênção decorre da Palavra criadora de Deus, quando é anunciada e alguém a acolhe e pratica. "Como a chuva e a neve descem do céu e pra lá não voltam, sem terem regado a terra, a tornando fecunda e fazendo-a germinar, dando sementes ao semeador e pão ao que come, tal ocorre com a palavra que sai da minha boca: não torna a mim sem fruto; cumpre a minha vontade antes, assegura o êxito da missão para a qual e enviei". A Palavra eterna de Deus é origem da bênção. Ela foi pronunciada de toda a eternidade na Trindade imanente, antes da criação do mundo. "Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com toda sorte de bênçãos espirituais, nos céus, em Cristo. Nele, o Pai nos escolheu, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor. A Palavra bendita existe desde o princípio (ab eterno) junto de Deus, e nela, com ela, por e para ela foram criadas todas as coisas, as visíveis e as invisíveis". As coisas invisíveis foram criadas antes da criação do mundo e são coetâneas da Palavra eterna de Deus. Primeira criação: os anjos e os protótipos das coisas visíveis. Estas foram feitas no tempo humano (chrônos) no princípio, no limiar da história, segundo os modelos ideais. Deus criou o mundo sideral e a terra com o poder criador da sua Palavra. "Deus disse: Faça-se o céu, a terra. Deus viu que isso era bom". Ao criar o homem e a mulher à sua imagem e semelhança, "Deus viu que isto era muito bom". A criação visível é boa, porque mana do Ser bom por natureza. A Palavra criadora que produz coisas boas é, pois, a bênção por definição. A criação é a expressão, fruto da bênção, da Palavra benfazeja do Criador. O ser mais perfeito da segunda criação é
o ser humano, imagem e semelhança do Criador. Insatisfeitos por serem imagem e
semelhança de Deus, pretendendo ser iguais a ele, nossos Protoparentes rebelaram-se contra o Criador e iniciaram a história da maldição, arrastando consigo toda a criação. "Até quando se lamentará a terra e ficará seca a erva de todo campo? Por causa da maldade dos seus habitantes perecem os animais e os pássaros. Pois dizem: Deus não vê o nosso futuro. Por isso a terra se lamentará, desfalecerão todos seus habitantes e desaparecerão os animais selvagens, as aves do céu e até os peixes do mar. Toda a criação geme e sofre as dores do parto até o presente. Ela foi submetida à vaidade ? não por sua vontade, mas pela vontade daquele que a submeteu ? na esperança de também ela ser libertada da escravidão da corrupção para entrar na liberdade da glória dos filhos de Deus. Em expectativa a criação anseia pela revelação dos filhos de Deus. Não só ela, mas também nós, que temos as primícias do espírito, gememos interiormente suspirando pela redenção do nosso corpo". Como a Palavra de Deus não pode voltar atrás, Deus resolveu restaurar a criação corrompida pela insensatez humana, introduzindo o tempo divino (kairós) no tempo humano, na plenitude do tempo, quando o Divino se tornou visível na humanidade de Jesus Cristo: o tempo humano tornou-se sinal, sacramento do tempo de Deus na Pessoa de Jesus Cristo.
No limiar da novíssima criação, a Palavra eterna dirige-se a Maria, se fez fragilidade, carne nela e habita conosco. Em Jesus, "o Pai e Ruah levaram o tempo à plenitude: a de em Cristo encabeçar todas as coisas, visíveis e invisíveis". O resgate da criação
perdida foi obra da Palavra Bendita de Deus, Jesus Cristo, consubstancial a Deus Mãe e ao Pai: "Em Cristo habita corporalmente (visivelmente) a plenitude da Divindade (invisível). Ele é a Imagem do Deus invisível. Nele aprouve a Deus fazer habitar toda a plenitude, e reconciliar por ele e para ele todos os seres, os da terra e os dos céus". A salvação é, pois, a bênção plena do Criador. "Somos criaturas suas, feitos em Jesus Cristo pras boas obras que já antes tinha preparado para que nelas andássemos. Da sua plenitude recebemos graça sobre graça, bênção sobre bênção". A Palavra acolhida na fé é bênção, à qual são acrescidos favores menores, aos quais costuma-se dar mais importância que à bênção fulcral da fé, que traz consigo a filiação divina e todos os bens do Reino. "A todos que acolheram a Palavra, creram nela, ela lhes deu poder de se tornarem filhos de Deus, os quais não são gerados da carne nem do sangue, mas do Pai e de Ruah". A fé nos introduz no Reino de Deus e seus valores. As demais coisas nos são acrescidas, assegura Jesus. "Procurai primeiro o Reino de Deus e sua justiça e resto vos será acrescido. Se Deus não poupou o seu próprio Filho e o entregou por nós, como não nos haverá de agraciar em tudo junto com ele". Eis a bênção.
Os frutos da Palavra são sazonais ou temporões, mas não deixarão de amadurecer, pois a Palavra é criadora e produtiva. Mas, seu êxito depende da mediação da fé das
pessoas éticas, pois Deus não se revela diretamente, mas por pessoas de fé, sinceras. A Palavra amorosa e criadora de Deus é a bênção, sempre mediada pela fé de alguém. Aderir a ela é incorporar seus benefícios e impedir todo malefício, maldição, palavra maldita sobre nós. Alguém de fé numa comunidade é a presença criadora de Deus, a bênção. Pela fé, Deus está conosco e maldição alguma nos atinge. "Já que confiou em mim, eu o defenderei. Não temerás o terror da noite nem a flecha que voa de dia, nem a peste que caminha na treva, nem a epidemia que devasta ao meio dia. A desgraça jamais te atingirá, praga alguma chegará á tua tenda: pois em teu favor ele ordenou a seus anjos que te guardem em seus caminhos todos". Este é o poder, a bênção da fé.
Ela faz Deus morar em nosso corpo, que se torna a casa de Deus Mãe, fechada a sete chaves pelo Cordeiro imolado e de pé. Faz sentido dizer que está fechado por Deus o corpo daquele que crê em Jesus. Ele é a Palavra feita carne, portadora da vida do Pai e de Deus Mãe para todo aquele que crê. Ele é o Santo de Deus, o Fruto Bendito do ventre de Maria, aquele de quem se diz sempre o bem, porque só faz e só diz o bem.
Ao contrário, a maldição é a falta de fé, a incredulidade. Quem não crê em Jesus faz-
se maldito, aliado do autor do mal e da mentira. Ele sempre faz e diz o mal. Seu papel
é destruir a fé e construir o reino da maldição na terra. Quem não crê em Jesus Cristo partilha da maldição do Inimigo de Deus, trabalha para que o mal infeste a face da terra. "Aquele que crê em mim, na Palavra que lhe anuncio já está salvo. Quem não crê já está condenado, pois não creu na Palavra do Filho de Deus". Quem não crê na Palavra de Deus é maldito e difunde a palavra maldita de Satanás, autor da maldição.
O pai da bênção da fé para judeus e cristãos é Abraão. Javé lhe disse: "Abençoarei os que te abençoarem, amaldiçoarei os que te amaldiçoarem. Sê uma bênção. Em ti serão abençoadas todas as nações da terra. Abraão creu e isto lhe valeu como justiça". A fé de Abraão é paradigmática: é portadora da bênção divina. A justiça, a santidade se obtém pela fé na Palavra de Jesus, a Bênção de Deus encarnada. Todos que crêem nele são abençoados com a bênção, a santidade, a justiça de Abraão, que se obtém pela fé". Jesus é o herdeiro e os que crêem nele são os co-herdeiros da fé de Abraão. A fé que justificou Abraão é a mesma que santifica os que crêem na Descendência de Abraão, Jesus Cristo, o Herdeiro da fé de Abraão para todos que crêem. A bênção consiste na fé na Palavra de Deus a nós dirigida: "Tu és minha filha, meu filho, hoje te gerei". Quando Javé diz a Abraão: "Sê uma bênção", quer dizer: "Crê firmemente" e o poder da Palavra em que tua fé se apóia estará se derramando sobre "santos e pecadores, justos e injustos, maus e ingratos. Aquele que crê em mim já tem a vida eterna", é santo, justo, abençoado. As bênçãos menores, pequenos favores aos quais muitos se apegam, como coisas principais na relação com Deus, decorrem todas da Fonte de água abundante que se derrama sobre os que crêem como "rios de água viva, de graça sobre graça". Ninguém é abençoado independente da fé dos justos no Justo,
portador da bênção. Aquele que valoriza mais as bijuterias, pequenos favores, graças imediatistas, interesseiras, egoístas que a jóia verdadeira da fé, está se nutrindo de migalhas, não do saboroso pão da mesa da presença amorosa do Pai e Deus Mãe, por meio de Filho. "A santidade, a bênção, a graça vem por Jesus Cristo, o Abençoado, o Santo, o Fruto bendito do ventre daquela que creu, pela qual se realizarão todas as palavras que lhe foram ditas por Gabriel da parte de Deus: "Conceberás um Filho e lhe porás o Nome de Jesus, porque ele livrará seu povo dos seus pecados", mediante a fé na Palavra de Jesus: "Eu vos amo e perdôo, o Pai vos ama com o mesmo amor com que me ama". Quem crê na Palavra e a pratica, está justificado, abençoado, livre da maldição da morte. A salvação é pela fé, não pelas obras ou quaisquer outros meios fora da analogia da fé. A fonte de toda bênção é a fé na Palavra de Jesus Cristo. A fé é a bênção máxima. "Cheia do Espírito Santo, com um grande grito Isabel exclamou: Tu és bendita entre as mulheres, Maria, e bendito é o Fruto do teu ventre. Bendita és tu que creste, pois o que te foi dito da parte do Senhor será cumprido". Firmados na fé, tudo nos favorece. Não imaginando a bênção como favores obtidos de Deus de maneira egoísta, mas nos termos da Palavra que ouvimos, na qual cremos. Quem diz crer, mas vive manipulando Deus, para que satisfaça seus desejos, ponha esparadrapo nas chagas dos seus medos; quem vive mendigando migalhas de Deus para satisfazer uma santidade narcisista, sob medida humana, não enfrentar as dores do mundo, fugir das responsabilidades com medo da cruz, este não entendeu nada da fé. Quem vive pedindo a Deus para livrá-lo de todos os problemas está dizendo a Deus que não crê nele, apenas quer ser favorecido, receber uma bênção sem ter fé. Deus é o modelo da santidade: "Sede santos como Javé vosso Deus é santo". Mas a santidade dada pela fé não nos livra dos problemas e dores do mundo, não nos garante paz sem conflito, mas a paz inquieta de quem sabe que nada, ninguém é maior que Jesus Cristo. "Se ele é por nós, quem ousará ser contra nós"? Nada, ninguém. A fé nos faz imbatíveis, até quando aparentemente o mundo nos derrota. Por isto, podemos dizer com Apóstolo Paulo: "Posso tudo naquele que me fortalece pela fé. Alegro-me nas afrontas, nos desgostos sofridos por causa da fé em Jesus Cristo. Quando me sinto fraco, aí é que sou forte". Eis a bênção. O mais são quinquilharias, lantejoulas, falsas jóias.
Crê firmemente e serás uma bênção para ti e para todos. Não te deixes abater pelas tribulações sofridas por causa da tua fé em Deus e nos valores do Reino. Tribulações fazem parte da vida de fé. Fé sem tribulação é como um atleta vencer sem treinar. As provações são a aeróbica da fé. Enfrentando-as e vencendo-as, perde-se o medo, o inimigo mortal da fé. Jacó só venceu o medo de encontrar-se com o irmão Esaú, que ele preteriu, depois que lutou mortalmente com o Anjo de Javé e o venceu. As provas são o combate de Deus para nos fazer fortes na fé. "Sê firme na fé e corajoso. Não temas e não te apavores, porque o Senhor teu Deus está contigo por onde quer que andes", diz Javé a Josué e cada pessoa herdeira da fé de Abraão, por Jesus Cristo.
Crê na Palavra e serás abençoado, abençoada, e fonte de bênção para outros. "Sê uma benção, crê. Aquele que crê em mim será uma fonte de água viva que jorra para a vida eterna", garante o Autor e Realizador da nossa fé, Jesus Cristo.
Que benção maior pode nos ser concedida que a fé na Palavra criadora e de Deus? Equipados com a fé, venceremos todos os combates e faremos as mesmas obras de Jesus, "até maiores" Jo 14,12. Crer é conquistar a liberdade dos filhos de Deus, é tornar-se partícipe do poder criador de Deus Trino e tornar-se libertador.
Geraldo Barboza de Carvalho