Bases teóricas para uma proposta pedagógica


Daniel D. Schlottfeldt1


Contemplar e observar. Uma missão, um desafio. Para o educador, esta tarefa deve ser ação, despertando no aluno, a arte de criar, observando e experimentando o mundo. Na Antiguidade Clássica, a palavra Teoria  consistia nessa atribuição: expressar a ação de observar de uma atitude intelectiva, desenvolver a crítica. Hoje, porém, repensando a educação como prática pedagógica (práxis), qual a função teórica na escola? É observável em uma análise a dependência da teoria e do educar. Ambos caminham juntos em um processo de aprendizagem.  Nosso objetivo é resgatar a palavra Teoria, em sua essência, modelando a mesma nos dias atuais.


Ler e interpretar textos são atos que não apenas engrandecem o ser humano, mas também ajudam a compreensão do mundo, seja apenas em algumas páginas, talvez o bastante, para entender o mundo. Um mundo composto pela diversidade. É nessa diversidade, que o ato de educar abre um leque cultural. Assim, por exemplo, quem realiza uma leitura do inocente O Pequeno Príncipe de Saint-Exupéry, talvez não sinta a verdadeira mensagem do autor. Precisaria ler outras tantas vezes a tal ponto de amadurecer suas idéias. Como a própria sentença do príncipe, onde Tu não és um homem de verdade. Tu não passas de um cogumelo! Após desenvolvermos a capacidade de ler, com outros olhos, poderemos abstrair sua real mensagem: o interesse, o questionar e a compreensão sejam em crianças, jovens e adultos. Porém, a leitura não é limitada. Você pode, por exemplo, também, trilhar nos caminhos de Jostein Gaarder com o clássico O Mundo de Sofia. Ao longo de uma história, conhecer os caminhos da Filosofia, em uma linguagem simples e instrutiva. No decorrer deste livro, deparamo-nos com a seguinte passagem sob o título de FILÓSOFO E CIENTISTA (GAARDER,1995,p.121): Querida Sofia! Certamente você ficou impressionada com a teoria das idéias, de Platão. E você não é a primeira. ... Mas, se você fez críticas à teoria de Platão, saiba que estas mesmas críticas já foram feitas por Aristóteles (384-322 a.C.). As pequenas pinceladas levam a buscar cada vez mais o conhecimento e assim, desenvolver nossa capacidade de contemplar a realidade. Mas afinal, o que é a Teoria? Como podemos aplicar e desenvolvê-la na escola? É necessário voltar à Grécia antiga e entender como tudo começou em paralelo com a realidade.


Na lista dos termos e expressões gregas da obra Filósofos Pré-Socráticos (SPINELLI, 2003, 2ª ed., p. 377) encontramos o vocábulo  theôréô (θεωρέω) que significa ... contemplar, observar: trata-se, entretanto de uma atividade atenciosa da inteligência, pela qual θεωρία (theoría) expressa a ação de observar e, θεωρημα (theôrêma), o objeto observado. Muitas vezes, quando pensamos em teoria, logo associamos a palavra à teoria do conhecimento, teoria da relatividade, teoria da mais-valia, etc. Para melhor compreender, buscamos na passagem da obra de Aristóteles, Metafísica: ... lhes parecia contemplar (theôrein) muitas semelhanças com o que existe e o que se gera, mais do que o fogo, na terra e na água ..., referindo-se aos números (arithmós). (cf. SPINELLI, op. cit., p.109). Assim, em um conjunto elaborado de uma ciência ou pensamento, a teoria não deixa de estar presente em seu sentido abstrato de observação. Foi assim que após as reformas da educação de 1971, tendo como conseqüência a profissionalização do ensino, o contexto teórico (aliado à prática) do ensino e pesquisa. Curiosamente parece refletir hoje uma espécie de neurose ou fobia teórica, como cita Otaviano Pereira (PEREIRA, 2003, p.9). Isto é, logo após o movimento da Escola Nova (entre as décadas de 50 e 60), propôs-se novos métodos didáticos em salas de aula. Com o golpe de 64, o que ocorreu, foi uma perda do lado crítico das disciplinas e as práticas de ensino ficaram em uma espécie de corda bamba. Através disso, a prática menos discursiva e enriquecida por respostas prontas foi se consolidando como uma coreografia. Para isso, devemos quebrar velhos conceitos, principalmente aquele, de que ensinar, não é transferir conhecimento, recordando Paulo Freire.


Ora, somos herdeiros do pensamento clássico grego. Assim, convergem suas palavras oriundas da Filosofia Clássica: a lógica e a metafísica. Esta, pelo menos, foi a proposta de Aristóteles. Esse ato de conhecer pode ser descrito também como Teoria do Conhecimento ou Gnosiologia, Crítica do Conhecimento ou ainda Fenomenologia do Conhecimento. A contemplação está no exercício prático do raciocínio. É preciso perceber que há uma grande ligação entre o conhecimento e a lógica. Isto está ligado diretamente ao uso da razão, argumentos, hipóteses, proposições bem como juízos e premissas. Esses dados ajudam a compreensão. Não seria estranho associar a observável dificuldade na aprendizagem de ciências abstratas como a Matemática, por exemplo. E nisso, retrocedemos ao velho problema da reprodução do conhecimento. Não queremos usar a lógica de forma dogmática, mas apenas uma forma de teorizar (abstrair) o conhecimento em sua essência.


E a Ciência Moderna? Também relacionada à Filosofia Clássica, agora vincula com o objeto pesquisado. Observamos também, que o processo indutivo-dedutivo, não exclui a abstração. Lembramos da lógica aristotélica a exemplo da tradicional questão: Todos os metais conduzem eletricidade; o ferro é um metal. Logo, o ferro conduz eletricidade. Tão cedo descoberto o processo indutivo-dedutivo não se torna difícil compreender a relação de análise e síntese, Uma vez compreendida a relação de indução e dedução, não se torna difícil compreender a relação de síntese e análise (cf. PEREIRA, op. cit., p.36). Através desse modo podemos compor e recompor um objeto através do raciocínio. A teoria nos acrescenta uma observação, uma hipótese, a experimentação e por fim, a lei (enquanto negada ou confirmada em suas particularidades). Isto também exibe a diferença entre a ciência desenvolvida na Grécia e a Moderna: a primeira, qualitativa e a segunda, quantitativa, respectivamente. Isto é, quando falamos da Physis de Aristóteles, tomamos qualidade como frio, seco, úmido, ao contrário da ciência moderna que, quantitativamente, matematiza o objeto ou o fenômeno. Porém, seria difícil chegarmos até o Renascimento (séc. XII) cultural e até dar um passo no futuro, sem bases clássicas. Parece incrível, mas as velhas idéias de Aristóteles, permanecem vivas. Por isso, questionamos, atualmente, o que impede de utilizar tais teorias na escola atual, como método, ao invés de decorar? O repensar substitui a tautologia (repetição). No entanto, seria difícil falar em teoria sem ciências humanas. Torna-se algo escorregadio pelo simples fato de não podermos nos apoiar em modelos teóricos como nas ciências empíricas. Isso não exclui a averiguação da sociedade num todo: em síntese, resgatamos o ser através da Gestalt que nos afirma que devemos conhecer as partes pelo todo e não o todo pelas partes. Através da percepção da totalidade é que de fato o cérebro pode perceber, decodificar e assimilar um conceito ou imagem, como afirma Otaviano Pereira, ... gestalt ou psicologia do corpo, psicologia comportamental, escolas de linha existencial / fenomenológica, tendências sociais ou sócio-políticas, tendência positivista em cujo solo a psicanálise floresceu ....(cf. PEREIRA, op. cit., p.63).


Em uma segunda parte, cabe a nós dinamizar a teoria e a prática. Por isso, buscamos subsídios em Paulo Freire: Como professor num curso de formação docente não posso esgotar minha prática discursando sobre a Teoria da não extensão do conhecimento. Não posso apenas falar bonito sobre as razões ontológicas, epistemológicas e políticas da Teoria. O meu discurso sobre a Teoria deve ser exemplo concreto, prático, da teoria.(FREIRE, 1996, pp.47,48) Nesse contexto, a abordagem científico-experimental também não ajuda. Se, por um lado, os clássicos esqueceram do objeto real (concreto), a Ciência Moderna, em relação à Metafísica clássica (essencialista e contemplativa) não chegou a síntese também. (cf. PEREIRA, op. cit., p.65). Pelo contrário, enfatizou a experimentação, rejeitando o aspecto essencial, ou seja, ontológico de nossa realidade. Hoje, estamos vivendo uma realidade robotizada, marcada pela produção mecanicista, em série Fordismo. Ensinar sem pensar seria como robotizar ou reproduzir conhecimentos em série. A práxis aprofunda a relação do homem com seu meio cultural e social. Deve haver um aperfeiçoamento do inacabado. Assim como uma abelha que trabalha em uma colméia, utilizando seu senso de espaço e orientação; ou, o João-de-barro que além de fabricar sua casa, aperfeiçoa conforme a direção do vento. Ora, a própria noção de Aristóteles acerca da perfeição, nos mostra algo conjunto de realizações, a unidade do ser para com o todo. Assim, o homem como agente deste processo, deve como um construtor, moldar a realidade de forma prático-teórica. Aliar o fundamento empírico-pragmático corresponde à abstração, pensar na prática de ação projetada, refletida, consciente, transformadora do natural, do homem e do social. (cf. PEREIRA, op. cit., p.77).


Portanto, mesmo que encaminhando para um final, acerca da prática teórica, vale à pena repensar sobre a Theoria em todo seu contexto. Não foi à toa que herdamos esse bem. Hoje, repensando nossa prática pedagógica, podemos através dessa Teoria, analisar e avaliar se fazemos parte desta robotização do ensino. A falta de um prática-teórica encaminha o homem à reprodução do conhecimento já que o educador, nas palavras de Paulo Freire, precisa estar convencido como de suas conseqüências é o de ser o seu trabalho uma especificidade humana. ... a condição humana fundante da educação é precisamente a inclusão de nosso ser histórico ... produzida e desafiada. ... como seres programados, mas para aprender e, portanto, para ensinar, para conhecer, intervir ... em favor da produção e do desenvolvimento da autonomia de educadores e educandos. (FREIRE, 1996, pp.143,145). Esse, além do nosso compromisso como educando, é a nossa teoria.


BIBLIOGRAFIA:


FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.


GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia; tradução João Azenha Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.


PEREIRA, Otaviano. O que é teoria. São Paulo: Brasiliense, 2003.


SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. O Pequeno Príncipe; com aquarelas do autor; tradução de Dom Marcos Barbosa. 25ªed. Rio de Janeiro: Agir, 1983.


SPINELLI, Miguel. Filósofos pré-socráticos: primeiros Mestres da filosofia e da ciência grega, 2ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.


SITES PARA CONSULTA:


http://pt.wikipedia.org/wiki/Fordismo


http://pt.wikipedia.org/wiki/Gestalt


http://pt.wikipedia.org/wiki/Renascimento_do_S%C3%A9culo_XII




1 Acadêmico do curso de Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria RS.